NO CORAÇÃO DAS COISAS - A forma de coração. Por Mariana Machado de Freitas.

Hoje vou fazer um convite: vem comigo refletir e divagar sobre o ideograma (símbolo gráfico que representa uma ideia) usado para representar o coração (♥).

Nosso popular coraçãozinho, símbolo dos namorados e que sinaliza o ‘amei’ nas redes sociais não era conhecido com essa forma entre os egípcios, por exemplo, sobre os quais falávamos na semana passada. Lá, ele era representado com uma forma mais anatômica, semelhante a um vaso.No século XV, o baralho de adaptação francesa trouxe o símbolo que conhecemos para designar o naipe de ‘coeurs’, corações (por aqui, chamamos esse naipe de ‘copas’ como o fazem os espanhóis). Não encontrando origem mais remota, deixo aqui a pergunta: imagem já existia antes ou foi uma criação dos franceses específica para o baralho? Não consegui descobrir. Em outros baralhos, como o espanhol, o naipe de copas é representado por uma taça. Então, até que se prove o contrário, ‘oui’, nosso coraçãozinho é francês.

Algumas interpretações acerca dos naipes fazem relação com os quatro elementos da natureza, onde ‘Paus’ representam o fogo (símbolo de transformação, poder de criação/destruição), ‘Copas’ representam a água (símbolo de sentimento, devoção, alma) , ‘Espadas’, o ar (símbolo do intelecto, da razão) e ‘Ouros’, a terra (símbolo da riqueza material).

Há também uma relação bastante conhecida entre os naipes e a divisão da sociedade na Idade Média (semelhante ao antigo sistema de castas hindu), onde as quatro classes sociais estariam representadas por clero (Copas), nobreza (Espadas), comerciantes (Ouros) e camponeses (Paus). Por curiosidade, coloco aqui os nomes correspondentes no antigo sistema de castas hindu: brâmanes (sacerdotes), xatrias (militares, nobres), vaixias (fazendeiros e comerciantes) e sudras (servos das demais castas). Ainda que pareça mera curiosidade histórica, a simbologia por trás da progressão das castas é bastante interessante e pode, inclusive, ser utilizada hoje em dia como ferramenta de autoconhecimento e autodesenvolvimento.

Voltando ao símbolo que nos interessa aqui, novamente vemos o coração designar a função ideal e verdadeira do sacerdócio, da santidade, do elo entre o céu e a terra como já falamos em alguns textos anteriores dessa coluna.

Mas há outra informações que realmente quero compartilhar aqui: uma descoberta geométrica que fiz ao explorar a forma do coração.

A imagem que ilustra este texto apresenta algumas combinações onde um coração é unido a outro. Veja como dois corações anatômicos coladinhos, encaixados como num abraço, um de frente para o outro, se assemelham muito ao ideograma do coraçãozinho que tanto simboliza o amor. Estou poeticamente convencida de que nosso ideograma simboliza, na verdade, O ELO ENTRE DOIS CORAÇÕES.

Mas minha maior surpresa estética aconteceu quando peguei uma ilustração aleatória de um coração humano na internet, dupliquei formando dois corações, espelhei (como se estivesse um de frente para o outro) e coloquei lado a lado para ver se encaixavam realmente no ideograma do coração. Pude ver, então, que surgiram figuras incríveis: com os corações juntinhos em inclinações de 17, 24 e 22 graus. Consegui vislumbrar (como fazemos com as nuvens) imagens arquetípicas muito poderosas para a contemplação. Ao ver essas imagens, como não ter uma grata e instigante surpresa?

Bem, eu avisei que teria divagação. Agora vou forçar a nossa criatividade: ao pegar a imagem da leminiscata (também chamada de ‘símbolo do infinito’ e de ‘oito deitado’), imaginemos que aquele desenho tem alguma plasticidade e que podemos pegar um dos nós do seu centro e desdobrar puxando para baixo. Teremos ali o ideograma do coração novamente. Essa relação também está desenhada na imagem que ilustra este texto.

Bem, é suficiente. Vamos voltar à terra e cuidar dos nossos corações.
Bom domingo e boa semana!
Imagem: colagem de minha autoria.

Mariana Machado de Freitas é gaúcha, Mestre em Artes Visuais, poetisa, escritora e buscadora da essência e do coração das coisas.