Nem só gestão, nem só falta de recursos: o debate míope sobre recursos para educação no Brasil. Por Bruna Cataldo.

Com o FUNDEB prestes a expirar, o debate sobre o financiamento da educação básica entrou em evidência com foco na discussão se o problema é falta de recursos ou mal uso dos que estão disponíveis.

O FUNDEB é um programa que consiste em 27 fundos (26 estados e Distrito Federal) responsáveis por redistribuir recursos destinados à educação básica visando diminuir a desigualdade de acesso entre redes de ensino. Os resultados têm sido positivos: a diferença de investimento entre a rede com mais recursos e a com menos é de 564% com o FUNDEB, mas pode chegar a 10.000% sem ele. Parte importante do funcionamento é a complementação da União, que consiste no montante de recursos federais distribuídos entre os fundos para que um valor mínimo de gasto por estudante seja alcançado. Além de aumentar a verba educacional, a complementação reduz a desigualdade de investimento porque os fundos são ranqueados a partir do que tem menos recursos e a distribuição é feita de modo quem recebe mais é quem mais precisa.

A renovação do FUNDEB virou gatilho para discussão sobre a natureza do problema educacional no Brasil porque o projeto defendido por parlamentares e Organizações da Sociedade Civil militantes da educação defende a ampliação dos recursos de complementação com o argumento que a falta de dinheiro afeta infraestrutura e valorização da carreira docente, prejudicando o sistema. Opositores da ideia argumentam que expansão é irresponsável com as finanças públicas, principalmente porque o problema não é a falta de recursos, mas a ineficiência no uso. O debate ‘gasta-se pouco contra gasta-se mal’ é recorrente na economia da educação, mas a renovação do FUNDEB o colocou no spotlight do debate público.

A epítome do debate foi a coluna do economista Marcos Mendes na Folha de São Paulo intitulada ‘Mais salário, menos educação: aumentar recursos do FUNDEB é irresponsabilidade central contra a União’, na qual argumenta que há um erro de premissa ao se assumir que aumentar gasto público melhorará a educação. Para ele, nosso problema é ineficiência no uso dos já volumosos recursos do setor. Indica que o Brasil gasta uma porcentagem alta do PIB com educação em comparação ao resto do mundo e que houve aumentos consideráveis na última década sem que resultados de desempenho tenham aparecido. O outro grande pilar de questionamento de Mendes tem foco na remuneração docente: defende que a mudança proposta no FUNDEB e sua relação com o cálculo do piso salarial levariam a um crescimento mais que proporcional da folha de pagamentos, prejudicando a sustentabilidade da política.

Faço coro aos que defendem a expansão da complementação da União no FUNDEB. Parto do diagnóstico que a dicotomia colocada pelos opositores da ideia – sendo Mendes apenas um exemplo que ganhou notoriedade – é míope: é possível haver espaço para melhorar eficiência e ainda assim haver necessidade de uma quantidade maior de recursos. Argumento que dados de gasto precisam ser melhor contextualizados e que valorização do docente deve ser foco de qualquer política de financiamento educacional – de modo que é necessário que se encontre uma forma sustentável de realizá-la se queremos melhorar nossos resultados educacionais.

Em primeiro lugar, gasto ineficiente não implica falta de necessidade de mais recursos. Um diagnóstico mais realista é que a ineficiência esconde o montante que de fato é necessário. A crítica, no entanto, é válida porque realmente existe um limite para o aumento do gasto por aluno em termos de contribuição para o desempenho. De forma resumida, o limite existe porque quando o gasto por aluno permite certo nível de infraestrutura e qualificação docente, mais R$ 1 investido terá efeito muito pequeno sobre desempenho uma vez que o estudante já está em uma condição adequada para aprender.

Então qual é o ‘x’ da questão no Brasil?

É que apesar de termos um grande espaço para ganhos de eficiência, maior do que para aumento de recursos, alguns dados sugerem que ainda não chegamos nesse limite de gasto por aluno mesmo após o crescimento na última década.

Na estimativa do ‘Todos pela Educação’, nosso limite é R$ 4.300 por aluno, valor que 46% das redes ainda não alcança. O pensamento seguinte poderia ser: mas não é possível alcançar este patamar apenas com melhoras de eficiência? Há indícios que não. O mesmo estudo encontrou que mesmo as redes mais eficientes não conseguem bons desempenhos com investimentos por aluno abaixo de R$ 4.200. Outra evidência vem do Censo Escolar de 2017, que mostra que 20% das escolas não têm infraestrutura básica (água, energia, esgoto e banheiro), fora as que têm condições precárias.

Considero razoável, portanto, concluir que apesar de eficiência ser condição necessária, é provável que estejamos em posição em que ela não é suficiente.

Sobre dados de gasto e resultados de desempenho, destaco que apenas percentual do PIB não é escolha ideal de indicador: 6% do PIB brasileiro pode ser muito diferente de 6% do PIB de outro país. Na realidade, quando comparamos investimento por aluno com a média da OCDE, o nosso é aproximadamente 2,5 vezes menor. Já sobre resultados do PISA junto de afirmações que crescimento de verbas não produziu resultado em termos de desempenho, a realidade é que que a evolução foi lenta, mas tanto o IDEB quanto o PISA tiveram melhoras. O fato de a melhora existir, mas ser tímida e pouco representativa, evidencia na realidade que o problema é multicausal: mais recursos até contribuem para melhorar desempenho, mas não bastam para alcançar o nível desejado.

Deixei para o final minha crítica mais direta à coluna de Mendes. Enquanto os outros pontos são defendidos largamente por diversos opositores da expansão da complementação de recursos do FUNDEB – e a coluna de Mendes foi utilizada mais como exemplo pelo alcance que teve –, encontrei menos a crítica à valorização salarial do docente em outras fontes. Mendes faz seu questionamento a partir de uma lente apenas de finanças públicas, mas novas possibilidades de análise surgem quando olhamos pela perspectiva da educação.

O professor é o principal ‘insumo’ do sistema educacional: para além de estruturas físicas, o principal elemento de formação dos alunos é o professor. Sendo assim, é natural que o principal custo seja com folha de pagamentos. Considerando essa estrutura, a melhora no desempenho do sistema passa pela valorização do professor. Fatores externos precisam ser considerados, como a condição socioeconômica dos alunos, mas a garantia de um corpo docente de qualidade é uma das principais ações que pode ser tomada de dentro do sistema para melhorá-lo. Nesse sentido, a literatura internacional aponta salário como principal motor de atratividade e valorização da carreira, mas pesquisadores da UFF encontraram que professores daqui recebem entre 8% e 12% menos que profissionais de qualificação semelhante sem que diferença possa ser atribuída a características individuais, restando baixo status da profissão como explicação. Este é apenas um exemplo, mas é possível encontrar outros sobre a desvalorização da carreira docente no Brasil, tanto no quesito remuneração como condições de trabalho.

Sendo assim, o olhar míope de Mendes para a questão fiscal ignora que a busca pelo almejado desempenho depende de valorizar o professor – o que passa pela melhora da sua remuneração – assim como de garantir instalações físicas e material didático adequados. Se o colunista da Folha de S. Paulo está certo em apontar que é preciso que o novo FUNDEB seja fiscalmente sustentável e que reformas de eficiência são fundamentais, está equivocado em sugerir implicitamente que ‘mais salários’ não contribuem para melhorar o sistema educacional. Deve-se buscar um desenho para o programa que comporte uma estrutura de carreira atrativa com salários melhores junto de sustentabilidade fiscal.

É para conseguir alcançar tal desenho que o debate na Câmara dos Deputados precisa ser propositivo e menos dicotômico em natureza. Enquanto houver negação de que temos um problema tanto de eficiência quanto de escassez de recursos, teremos analistas sugerindo que professores não deveriam ganhar mais de um lado e que basta dar mais recursos para resolver do outro.

Quem perde são as futuras gerações.

Abaixo, deixo links para promover consumo plural de conteúdo econômico. Texto integral de Marcos Mendes na Folha de São Paulo, do economista Daniel Duque, no Nexo, do educador Gregório Grisa no Le Monde Diplomatique e Nexo, do economista Fábio Waltenberg, na Nova Escola e do Todos Pela Educação:

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/marcos-mendes/2020/02/mais-salario-menos-educacao.shtml?origin=folha;

https://novaescola.org.br/conteudo/15013/carreira-docente-no-brasil-e-mais-atrativa-a-jovens-de-desempenho-mais-baixo;

https://novaescola.org.br/conteudo/11885/o-que-leva-alguem-a-escolher-a-carreira-de-professor;

https://todospelaeducacao.org.br/pag/educacaoja-financiamento/?utm_source=fundeb&utm_medium=banner-home-site-todos;

https://diplomatique.org.br/ampliar-o-fundeb-e-ato-de-responsabilidade-cidada/;

https://www.nexojornal.com.br/ensaio/2019/Financiamento-da-educa%C3%A7%C3%A3o-mais-gest%C3%A3o-e-mais-recursos;

https://www.nexojornal.com.br/ensaio/2019/Os-investimentos-na-educa%C3%A7%C3%A3o-o-futuro-do-futuro-do-Brasil?utm_campaign=Echobox&utm_medium=Social&utm_source=Twitter#Echobox=1558481044

Bruna Cataldo é economista pela UFRJ e mestre e doutoranda em Economia pela UFF. Suas pesquisas atuais são na área de Educação e Economia Criativa, com enfoque em políticas públicas. Pesquisou e eventualmente colabora em trabalhos de Economia da Inovação. É defensora de uma abordagem mais interdisciplinar da Economia.