Jean Paul Sartre foi o primeiro teórico a usar metaforicamente ‘Le Mur’ (1939). Este muro sartreano não tem um conceito concreto como o dos muros que separam povos, e sim com os acontecimentos reais que levam os homens a criarem um sistema de separação entre um ‘outro eu’, aquele que pode representar perigo à sociedade, forma de governança ou até mesmo ao nacionalismo extremo e repulsão à mistura entre raças.
Os ‘muros’, seja em sua forma abstrata, seja em forma concreta, violam a liberdade humana em suas mais diversas vertentes, principalmente no direito de ir e vir, quando isso lhe representa uma ameaça a uma vida digna com os direitos básicos garantidos há 70 anos pela Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Durante milênios, muros foram erguidos para garantir um estado de governança maior pelo qual uma sociedade fosse separada de outras por possuir leis e costumes diferentes. Hoje em dia existem as fronteiras que delimitam esses espaços no mundo todo, e têm funcionado dessa forma graças ao controle que cada governo determina sobre seus territórios. A criação de muros e cercas para impedir que outros povos adentrem em seus territórios é uma realidade constante. Entre Israel e a Cisjordânia foi levantada uma cerca para que os considerados ‘rebeldes extremistas’ não entrem em Israel. Entre a Espanha e Marrocos também existe um muro de mais de três metros de altura. Uma medida do governo de Melilla para diminuir ao máximo a entrada de africanos no país. Existem muros que separam a Coréia do Norte da China, Índia de Bangladesh, Egito de Omã, Arábia Saudita do Iraque, Grécia da Turquia, entre outros…
O mais famoso dos muros é o do governo norte-americano, que vem planejando há anos a construção de um muro na fronteira com o México. O que poucas pessoas sabem é que essa história de criar um muro para impedir a entrada de latino-americanos em território estadunidense não é algo sugerido apenas por Donald Trump. Em 2006, o ex-presidente George W. Bush mandou construir no estado do Arizona uma cerca com 1.125 quilômetros de extensão, com o intuito de impedir a entrada ilegal de mexicanos nos Estados Unidos. O resultado não poderia ter sido outro: em um ano, aproximadamente 200 pessoas morreram na tentativa de atravessar a cerca. Entre as causas estavam as mortes por hipotermia, atropelamentos, desidratação e infarto.
Mas o atual governo Trump não aprendeu nada com essa lição: ele ainda luta constantemente para que um muro – que custará bilhões de dólares – seja erguido para conter de uma vez por todas a entrada de mexicanos no EUA. Segundo ele, a razão pela qual o muro precisa ser feito é a seguinte: ‘Estão enviando gente que tem muitos problemas, estão nos enviando seus problemas, trazem drogas, são estupradores e suponho que alguns até podem ser boa gente, mas eu falo com agentes da fronteira e me contam a verdade’.
O que o Trump não leva em consideração é que a crise imigratória que atinge os territórios norte-americano e mexicano vai muito além de apenas ‘conter’ os ‘criminosos’ de atravessarem a fronteira. Todos os dias, centenas de pessoas ligam para o 911 pedindo ajuda. Pessoas que estão há horas ou dias andando, sem água, sem proteção contra o Sol, sem comida, perdidas no deserto sem a mínima perspectiva de encontrar o tão esperado ‘American dream’. Para conter a fronteira, a construção do muro tornou-se mortal.
A estratégia do presidente Donald Trump de diminuir o título de carrasco até parece piada: construir campos de asilo no território mexicano. A ideia é que os mexicanos permaneçam em seu país enquanto o governo americano estuda judicialmente o que fazer com eles – mas tudo isso sem que os mexicanos sequer ponham seus pés nos EUA.
Um grupo com cerca de 2.500 voluntários se uniu para tentar impedir o resultado catastrófico do número de pessoas desamparadas que tentam atravessar as fronteiras norte-americanas todos os dias. Eles levam comida e água aos ‘aliens’ – como o governo denomina os imigrantes. Esses voluntários sofrem perseguição do governo estadunidense e muitos são levados a julgamento. A situação humanitária nos EUA ultrapassou o limite de julgar, prender e condenar os próprios norte-americanos que atuam na fronteira. O governo estadunidense criminaliza completamente a ajuda humanitária nas fronteiras.
Criminalizar a ajudar humanitária é um atentado à liberdade de opinião e vai contra tratados institucionalizados pela Organização das Nações Unidas (ONU).
A construção de um muro entre um país e outro representa um retrocesso à própria evolução humana. Não é uma questão partidária, como Trump denominou em uma entrevista. É questão ideológica, de um puro conservadorismo descabido contra um povo que ajudou os Estados Unidos a se erguerem como potência econômica mundial. Sem os mexicanos, o que seriam dos Estados Unidos?
Colocar a culpa nos outros para justificar as falhas na segurança é típico de um governo perdido que não sabe como resolver seus próprios problemas. Mas a questão é acabar com a ‘crise’ pela raiz, impedindo o direito das pessoas de ir e vir e não propondo uma medida simples para o grande número de mortes de imigrantes que acontecem todos os anos. Criar um muro é mais simples e mais barato, segundo um homem que se ergueu na vida entendendo de uma economia completamente fora dos padrões sociais.