MONÓLOGOS FILOSÓFICOS - Filosofia na Comunicação.

Para pensar – um aula meditativa.

Das muitas questões centrais da Filosofia, uma das que julgo mais intrigantes para a sala de aula é a relação entre aparência e essência. Problema discutido de Heráclito e Parmênides até Nietzsche e Deleuze, esses conceitos são princípios necessários que devem ser analisados por qualquer estudante de Filosofia do ciclo básico.

Em 2018 resolvi iniciar essa problemática de uma forma diferente. Vinha observando o comportamento dos meus alunos nos corredores e sala de aula. Nunca tive que lidar com tanta gente em crise de ansiedade, pânico e depressão. Eram semanais os encontros com estudantes em estado alterado de consciência motivados, dentre outras coisas, pela pressão de notas, pelo baixo desempenho, pelo medo do futuro, do vestibular, da vida… Participante daquelas histórias me vi na obrigação de ajudá-los no que me era possível – em sala de aula.

Chamei a minha proposta de ‘aula meditativa’ e para essa aula ‘fora do padrão’, pedi na semana anterior, que levassem cangas ou esteiras porque teríamos uma aula diferente. A ideia era fazer, num processo de autorreflexão, com que os alunos fizessem uma rememoração de suas vidas e percebessem a sua unicidade essencial em meio a tantos afetos e mudanças pelos quais haviam passado ao longo dos anos.

Com cangas e esteiras estendidas no chão, eles se misturavam para que todos coubessem na sala. Alguns permaneceram sentados, outros deitados, mas todos de olhos fechados. No ambiente tocava uma música relaxante. Eu também estava com eles, ia viajar junto nessa proposta ‘fora da caixa’.

Começado o processo pedi para que se lembrassem das suas primeiras imagens neste mundo e fossem reconstituindo tudo a sua volta a partir disso. Depois pedi que se lembrassem da escola; suas primeiras relações com colegas, professores e espaço escolar. A ideia era que percebessem que algo, apesar de tanto tempo, permanecia neles e que algo, com a velocidade dos segundos, mudava também neles. Naquele momento eu queria que refletissem sobre os encontros da vida e que nesses encontros eles eram únicos; que nas diferenças eles eram únicos; que na vida eles eram únicos. Que os valores mudam, as pessoas mudam, eles mudaram, mas continuavam sendo essencialmente únicos. Queria que entendessem que aquilo que aparece de nós e do mundo é uma imagem no tempo e que, apesar disso, precisam se reconhecer como seres especiais nesse mesmo tempo e que isso só cabe a eles mesmos.

(No fundo, ando cansada de ver esses meninos e meninas tentando atender demandas externas que não são deles).

Nas considerações finais perguntei o que tinham achado, como tinham se sentido e um aluno disse, meio triste:

–  Eu era o isolado no jardim.

E eu disse: as experiências pelas quais passamos, além de nos ajudar a saber o que é essência e o que é aparência em nós, também deixam marcas e o melhor que podemos fazer com elas é aprender. Do que viveu pode ter aprendido que isolar alguém na escola não é legal, ‘bullying’ não é bacana. As experiências às vezes doem, mas ensinam sempre.

Foi bom esse encontro e foi só o primeiro…

Abraço!

Quem sou: Roberta Melo, graduada, especialista e mestre em Filosofia; professora com quase 15 anos de carreira; autora do livro ‘Ressentir ou Afirmar? Perspectivas nietzscheanas sobre a dor’, editora Appris, 2018; autora de verbetes de Filosofia na Enciclopédia virtual ‘knoow.net’; apresentadora de vídeos sobre Filosofia no canal ‘Sopro de Atena’ (https://www.youtube.com/soprodeatena).