MONÓLOGOS FILOSÓFICOS - Aos meus formandos: lembretes para a vida.

Comunicar é preciso, viver não e preciso! Parafraseio Fernando Pessoa como uma forma de dar boas vindas ao ano que se inicia. Afinal, o que seria da vida se não pudéssemos falar, representar, simbolizar? Sem comunicação (e aprendizado sobre o que é comunicado!) não haveria vida humana que resistisse, sucumbiríamos em algum momento. É por isso que trouxe hoje um texto que fala aos que não permanecerão, aos que terão que ir, mas que a gente quer que levem algo nosso para ser lembrado como um ensinamento que os complementa. No meu caso, os que não estarão mais comigo são os meus alunos do 3o. ano do ensino médio. Meus formandos de 2019 me convidaram para ser madrinha deles, o que para mim foi uma missão em parte fácil e em parte bem difícil. A parte fácil é o amor e o respeito que sempre existiram ali, então fica tranquilo falar sobre quem se ama. A parte difícil ficou por conta de eu ter que escrever um discurso que falasse aos 61 alunos, que representasse a mim e aos meus colegas docentes e ainda nos lembrasse que aquele era o último ano da escola, já que ela foi vendida.

No fim a missão foi cumprida e eu particularmente gostei muito da experiência. Gostei tanto que vou colocar aqui um trecho que me emocionou muito e que representa bem o que eu gostaria que eles e todos os meninos e meninas que estão chegando à vida adulta carregassem consigo. Eu chamei de ‘lembretes para a vida’ e nada mais é do que um ‘resumão’ do que filósofos como Sócrates, Platão, Agostinho, Hume, Nietzsche, já disseram.

Os lembretes foram os seguintes:

Lembrete 1:

Escutem — a gente não está no mundo para andar com os ouvidos tampados como se fôssemos os donos da verdade. É preciso ouvir, avaliar o que se ouve e, aí, depois a gente decide se serve p’ra nossa vida ou não. Portanto, escutem seus pais, escutem seus amigos, escutem os mais velhos. A gente só cresce quando se auto avalia e as pessoas que estão à nossa volta são as melhores p’ra nos ajudar nessa empreitada.

Lembrete 2:

Amem as pessoas — amem como Renato Russo falou: ‘como se não houvesse amanhã, porque na verdade não há’. O amor é a única arma p’ra todos os males do mundo, mas se está difícil amar, compreenda — esse é o primeiro passo para o amor. E já que estamos falando de amor, amem também a vida que vocês têm. Amem o dia de vocês, o instante — cada instante neste mundo, porque eles serão sempre únicos. Pessoas que amam seus instantes dedicam a eles atenção, e quando os instantes passam se alegram por ter estado neles ou simplesmente aprendido com eles.

Lembrete 3:

Respeitem-se — respeitem seu tempo. Não esqueçam que somos criaturas únicas no mundo. Ninguém é igual a você e você não é igual a ninguém e cada um tem seu próprio ritmo. Olhe p’ro lado para aprender com erros e acertos dos outros, mas nunca parta do princípio de que você precisa estar no mesmo lugar que os outros estão. Todas as vezes que você pensar que precisa ser como os outros, você vai sofrer. Pode crer.

Lembrete 4:

Nem tudo que parece é — às vezes o que parece não é, e às vezes o que parece muito distante e diferente da gente pode ser muito mais parecido do que imaginamos. Portanto, se este mundo de aparências pode nos enganar tanto, cuidem para olhar duas vezes para uma mesma situação, problema ou pessoa; pensem bastante antes de falar alguma coisa que possa afetar o mundo à sua volta; avaliem com critério antes de julgar, porque podemos achar que estamos cobertos de razão, quando na verdade estamos cheios é de opinião e achismos.

Encerrei meus lembretes com o trecho abaixo, que cabe muito bem como parte final deste texto meio artigo, meio conselho:

Então é isso que eu tenho a dizer aqui hoje — ouçam mais, amem mais, respeitem-se mais, saibam julgar melhor. Eu não penso que esses lembretes sejam os únicos ou os melhores que eu poderia dar, mas eu tenho certeza que se aprenderam alguma coisa em nossas aulas de Filosofia foi a importância de pensarem por si mesmos e com isso, construírem a si próprios em um cultivo permanente, e esses lembretes podem lhes servir muito. Afinal, como diz um filósofo muito querido (Nietzsche): ‘Ninguém pode construir em teu lugar as pontes que precisarás passar para atravessar o rio da vida’.

Quem sou: Roberta Melo, graduada, especialista e mestre em Filosofia; professora com quase 15 anos de carreira; autora do livro ‘Ressentir ou Afirmar? Perspectivas nietzscheanas sobre a dor’, editora Appris, 2018; autora de verbetes de Filosofia na Enciclopédia virtual ‘knoow.net’; apresentadora de vídeos sobre Filosofia no canal ‘Sopro de Atena’. (https://www.youtube.com/soprodeatena).