Modernidade líquida e marketing digital nas instituições culturais em tempos de pandemia. Por Raphael Pinheiro.


Durante a maior parte dos anos de 2020 e 2021, as instituições culturais migraram de uma atuação institucional presencial para ações de marketing quase inteiramente digitais (Foto por StockSnap no Pixabay).

O mundo hodierno se caracteriza pelo imperativo de estruturas transicionais, ou seja, a chamada modernidade líquida, segundo Bauman. Em nosso contexto histórico, as estruturações de poder estão em mudança permanente e as redes digitais apresentam o potencial de proporcionar alta conectividade e transparência ao nosso dia a dia, retroalimentando, sobremaneira, parte dessas transformações. Grandes corporações reúnem um espectro de poder superior ao de muitas nações, podendo ir do auge econômico à bancarrota em questão de meses, dias ou até mesmo horas.

Com isso, é seguro afirmar que da mesma forma que as instituições constroem e mantêm as suas reputações, as mesmas podem sofrer reveses com uma simples ação de marketing equivocada ou enviesada. Segundo Kotler, as empresas estão avançando em direção à inclusão e as chamadas inovações disruptivas tornaram acessíveis produtos às chamadas minorias, incluindo os pobres, antes considerados um “não mercado”.

Insere-se, neste ponto, um desafio específico em instituições culturais, algumas vezes dotadas de um perfil imagético conservador, o de dialogar com amplos setores da sociedade brasileira e mundial, oferecendo um conteúdo digital acessível e significativo a públicos de perfis variados. Logo, essa tensão metodológica, de qual público abarcar, deve fazer-se presente nas estratégias de seleção e divulgação de suas atividades culturais.

A cultura é a pedra angular dessas instituições, logo, o marketing cultural pode ser visto não apenas como meio, mas como fim em si mesmo. Essa dupla carga que reveste tanto a natureza da instituição, como os meios utilizados para espraiar a sua missão, reforça a importância do segmento de marketing cultural, através do rol de suas atividades culturais.

As atividades culturais se dividem em produto cultural e evento cultural. O produto cultural é um bem físico, tangível, durável, como livros de fotografia e filmes. Já o evento cultural é voltado a um grupo reduzido de pessoas, que está presente fisicamente no evento. Ele é esporádico, único, possui uma aura, tal qual uma peça de teatro e uma exposição. Um produto cultural pode fazer parte de um evento cultural. As novas tecnologias permitem que ambos, produto e evento culturais ocorram em ambientes virtuais, conforme vem ocorrendo nesse período pandêmico, com atividades culturais transmitidas e reproduzidas estritamente pelos canais e redes sociais digitais de variadas instituições.

As características dos novos consumidores nos levam a perceber que o futuro do marketing será uma “mescla contínua de experiências on-line e off-line” e “em um mundo altamente conectado, um desafio-chave para marcas e empresas é integrar elementos on-line e off-line à experiência total do cliente”, de acordo com Philip Kotler. O chamado Marketing 4.0 reconhece os papéis mutáveis do marketing tradicional e do marketing digital para obter engajamento e defesa da marca pelos seus clientes. E com o cenário adverso que nos é imposto pela pandemia de Covid-19, faz-se imperativo que busquemos um precioso grupo chamado JMN.

JMN, um público a se focar

A fim de abranger os nossos objetivos específicos, como ferramental analítico, faremos uso da categoria dos chamados cidadãos da internet, quais sejam: jovens, mulheres e netizens ou JMN, os segmentos mais influentes da era digital, segundo Kotler. Ainda de acordo com o autor, esses três tipos de consumidores são o que ele chama de defensores de marca, grupos que espontaneamente “evangelizam” os símbolos, os ideais e os propósitos apregoados por determinadas campanhas publicitárias com as quais apresentem mecanismos de identificação.


Foto por Kindel Media no Pexels

Os jovens são definidores de tendências e agentes de mudança por excelência, sendo uma espécie de porta de entrada para influenciar a mente dos clientes em geral, pois são mais adeptos a novas ideias e formas de pensamento.

As mulheres assumem a chefia financeira de seus lares em muitos países do mundo. De acordo com Kotler, elas ditam quais as marcas serão consumidas em seus domicílios e quais estão definitivamente proibidas, sobrepujando a voz dos homens nessa questão de hábitos de consumo, pois a maioria das mulheres tem mais paciência para pesquisar a marca de melhor custo-benefício. Elas são consideradas compradoras holísticas, isto é, consideram uma ampla gama de fatores no ato da compra de um produto ou serviço, com tendência a avaliarem os benefícios antes de consumirem-nos. Philip Kotler completa: “como coletoras de informações, compradoras holísticas e gerentes do lar, as mulheres são fundamentais para a conquista de participação de mercado na economia digital”.

Já os netizens, também conhecidos como cidadãos da internet, possuem alta influência, movimentando fóruns e chats on-line, sendo verdadeiros conectores sociais e geradores de mídia, advogando em prol de marcas diversas que se coadunem aos seus objetivos e valores.

Esses segmentos perfazem a maioria dos integrantes das denominadas subculturas, como hackers e cosplayers, passando a influenciar a cultura dominante enormemente na atualidade. Na prática, é possível identificar, por faixa etária e gênero, o perfil de pessoas visitantes e consumidoras dos produtos e eventos digitais nas instituições culturais, corroborando (ou não), a tese apresentada anteriormente.

Os netizens vão além de meros internautas; em geral, apresentam um grande número de seguidores, tornando-os altos influenciadores no mundo digital, pois ditam tendências, opinam sobre marcas e produtos, recomendam, criticam e atraem novos usuários.

É desejável que uma marca angarie os seus netizens, pois eles são capazes de defender as suas marcas favoritas contra ataques massivos, colaborando com a divulgação orgânica, trazendo mais visibilidade no âmbito social da internet. Por outro lado, é preciso que as corporações fiquem atentas a esse grupo, porque ao mesmo tempo que podem ser defensores da marca, qualquer deslize ou posicionamento que possa ser rejeitado por esse público poderá trazer grandes consequências para a imagem da empresa no mercado digital, sendo uma tarefa, muitas vezes, hercúlea para a sua reconquista.

As vitrines digitais

É notório que a contemporaneidade se impõe por intermédio de estruturas transicionais – apelidada de modernidade líquida por Bauman – e as redes digitais proporcionam conectividade e fluidez ao nosso cotidiano, moldando ideologias e valores mutuamente. Para Kotler, inovações disruptivas são tecnologias necessárias à inclusão das minorias, antes vistas como um não mercado.

Durante a maior parte do ano de 2020, as instituições culturais migraram de uma atuação institucional presencial para ações de marketing quase inteiramente digitais, reinventando-se, sobremaneira, ainda que possam apresentar perfis, algumas vezes, dotados de características deveras conservadoras, emanadas de seu público frequentador.

Muitas instituições lograram êxito em atrair mais milhões de visitantes aos seus sites institucionais em 2020, através de inúmeros projetos e iniciativas exclusivamente digitais que pleiteavam preencher a lacuna das ações presenciais por ora estancadas devido à pandemia de Covid-19. E por mais que as redes sociais sejam responsáveis por altas taxas de interação, os sites oficiais, ou institucionais, ainda são a primeira e mais confiável fonte de consulta das marcas culturais. É o cartão de visitas que não se pode deixar de manter, portando-se como o espelho fundamental de suas ações de marketing.


Foto por Pixelkult no Pixabay

Além do site institucional, convém estabelecer uma série de perfis oficiais nas chamadas redes sociais, espaço de interação virtual cada vez mais utilizado no Brasil e no mundo. Nas redes sociais, é possível angariar uma gama de fãs e de seguidores que acompanham as atividades da instituição e interagem através dos botões de reações emocionais e de comentários acerca das ações culturais propostas. O Facebook é uma das redes mais eficazes para se investir esforços, pois pode originar uma parcela considerável de seu tráfego para suas estruturas virtuais. No entanto, vale produzir conteúdo para outras redes como Instagram, YouTube, Twitter e LinkedIn.

É oportuno citar que cada uma dessas redes ou plataformas digitais possui um sistema de métricas próprio, que pode auxiliar na formatação e organização dos dados, para gerar insights e direcionamentos de campanhas de marketing futuras, reorientando-as. Conforme o crescimento dessas redes, mais informações para compreensão de suas ações estarão disponíveis.

Persona grata

O Marketing Cultural pode ser considerado também um Marketing de Eventos, obviamente se utiliza um sistema composto de comunicação operacionalizado por uma organização ao redor da associação de seu nome ou marca a um evento de caráter sócio-cultural. No que tange aos objetivos, o Marketing Cultural salienta a busca em aumentar o reconhecimento da instituição; melhoria da imagem, maior envolvimento com a comunidade, além de entreter, satisfazer e envolver a opinião pública em questões de cunho cultural e intelectual.


Foto por Pixabay no Pexels

Para empreender e assumir a sua missão institucional, é fundamental definir o seu público-alvo. O público-alvo é, por definição, um segmento de “consumidores” com características em comum, as quais sejam: idade, sexo, renda etc. A partir do público-alvo, uma entidade é capaz de direcionar esforços para as campanhas culturais mais promissoras, trazendo melhores resultados para a sua atividade-fim, com estratégias de marketing mais assertivas.

A modelagem dessas personas se insere como meta fundamental para se conhecer o público-alvo de uma instituição. Persona consiste na personificação do público-alvo de uma determinada entidade.

Conclusão

Para bem administrar a sua presença institucional na esfera digital, uma série de projetos, programas e especiais com temáticas diversas precisam ser lançados nas redes sociais e em seu site institucional, mantendo o vínculo com seus seguidores e oferecendo uma programação variada e de qualidade.

Para tornar o desempenho em termos de marketing cultural digital sustentável, sugere-se a necessidade de estruturação de um plano estratégico de patrocínio cultural que permita a consolidação e ampliação de mão-de-obra dos envolvidos, também sendo capaz de abarcar a intensificação das atividades culturais das instituições em virtude de um retorno presencial massivo quando houver essa possibilidade.

Para corroborar a necessidade de ações de valorização e incentivo à cultura, atividade-fim das instituições em questão, elencamos as seguintes motivações: ganho de imagem institucional; agregação de valor à marca; reforço do papel social da instituição; obtenção de benefícios fiscais; retorno de mídia (publicidade gratuita) e aproximação do público-alvo. É um trabalho com frutos a se colher tanto no digital quanto no retorno das atividades presenciais.

Raphael Pinheiro é escritor, com parte de seus textos traduzidos para espanhol e italiano, pós-graduado em Marketing Digital e Comércio Eletrônico. Possui mais de duas décadas de experiência em tecnologia, tendo passado por instituições públicas e privadas como a RIOTUR e a Fundação Getulio Vargas. Há 16 anos é editor-chefe do Portal da Academia Brasileira de Letras. Colabora em coluna semanal com a Pressenza, agência internacional de notícias com representação em mais de vinte países.