Meus amigos de cara “estufada”. Por Juliana Fernandes Gontijo.

Quando os vi pela primeira vez, não sabia se iria gostar daquele casal. Pode ser que uma afeição ocorra nos primeiros dias, mas amizade e carinho são conquistas do tempo. E eles se tornaram meus vizinhos.

Durante uma semana, os donos da casa onde eles moravam precisaram viajar e não tive alternativa; “fiquei na obrigação” de ser amiga deles. Eles eram bastante solitários. De longe, eu ouvia as conversas, não que eu quisesse me inteirar disso, longe de mim. Não sabia se a fala era amigável, porque não entendia quase nada que diziam. Com certeza, era outro idioma. O grego ou finlandês? E, pior de tudo, sou levemente surda. Da minha casa, eu passava longos minutos observando aquele casal. Era tudo muito intrigante. Ora, por favor, não pensem que eu gostasse de bisbilhotar a vida alheia! Não é exatamente isso.

Sempre insisti que eles se amavam muito, porém descobri depois que formavam um casal bem estranho. Nos três meses em que viveram juntos, pareciam sempre estar muito bem. Dois amores de criatura. Ele era grande, robusto, nas suas devidas proporções e ela, pequenina, bastante tímida. Às vezes, parecia que eles brigavam, mas como eu não entendia palavra alguma do que eles falavam, não sei dizer se era briga mesmo.

Um dia, porém, ao chegar à casa deles, percebi que ele estava bastante ferido. Julguei ser um tombo. Os primeiros socorros do proprietário não foram suficientes. Era preciso atendimento médico urgente, não deu tempo. Seu corpo desfalecia, suava frio e tremia em excesso. O sofrimento durou apenas algumas horas e ele morreu ali dentro de casa, encostado atrás da porta.

Chorei, mas de certa forma, estava feliz, pois quando precisei ficar com eles durante aquela viagem dos proprietários da casa, tudo ocorreu dentro da normalidade. Pelo menos ele não perdeu a vida sob a minha ajuda, ou poderiam pensar que eu teria alguma “culpa no cartório”.

Ela continuou sozinha, levando a vida e jamais tocou no assunto. Era como se tivesse tido uma amnésia ou o companheiro nunca tivesse existido.

Um tempo depois, numa de nossas longas conversas, ela simplesmente mordeu-me o dedo. Logo comigo, por quê? Eu cuidava tão bem dela, jamais havia lhe tratado mal. Instinto de defesa, não é?

Sim! Atire a primeira pedra aquela criança, adolescente ou mesmo um adulto que já teve um bichinho de estimação e não o considerou como um verdadeiro amigo.

Meu sobrinho também chorou quando Xiureq morreu. Ele e o pai sepultaram o hamster em um canteiro no quintal e colocaram uma pequena cruz de lembrança.

Veio a explicação futura do veterinário: cansada de viver sem comida, Phyona começou levemente a dar o troco em Xiureq. Os criadores dizem que esses bichinhos se não ficam juntos desde o nascimento, não sobrevivem muito tempo como casal.

– Três meses foi tempo demais para eles ficarem juntos, disse um veterinário.

Eles são animais de difícil manutenção. Não é comum encontrar especialista para essa raça, assim o tratamento custa caro. Alguns dizem que água é só filtrada. Não comem comida que já caiu no chão. Costumam guardar, em um compartimento na boca (uma espécie de bolsa), até três grãos de amendoim. Isso é comida demais para um bichano tão miudinho. Chega a ser engraçado como ficam com a carinha estufada, semelhante aos esquilos…

Muitas pessoas me achavam estranha: porque motivo eu gostava tanto deles, se eu odeio ratos? Mas eles eram diferentes. Meu nojo é pelo esgoto. Pensar que ratos e baratas podem subir pelo nosso corpo dá-me arrepios… Eu sempre tive medo destas criaturas nojentas, mas daqueles dois, confesso que me apaixonei por eles. Mesmo depois do “homicídio”, eu não tive raiva da Phyona. É a natureza, como iremos questionar as leis de Deus? E eu continuava brincando com ela.

Hoje, muitos anos depois da morte dos dois (esses animais não têm vida muito longa), ainda me lembro dos bons momentos em que cuidei daquelas duas criaturinhas. Eu me divertia bastante e, às vezes, passava horas observando a curiosa vida daqueles pequenos. Como foi bom aquele tempo das nossas “conversas e brincadeiras” à beira de uma gaiola com uma rodinha de plástico alaranjada e cheia de serragem de madeira.

Imagem: Katytylala, Pixabay.

Juliana Fernandes Gontijo é jornalista por formação e atriz. Apaixonada pela língua portuguesa e cultura de maneira geral, tem bastante preocupação com sustentabilidade e o destino do lixo produzido no planeta.