Luísa Sonza, patrocinadores e a subversão. Por Raquel da Cruz.

Há algumas semanas que Luísa Sonza e outros influenciadores digitais usaram as redes para reclamar da perda de patrocinadores após declararem apoio a Lula. Esse caso chamou atenção porque, primeiro, aconteceu quase na mesma época em que artistas apoiadores de Bolsonaro estavam recebendo cachê de prefeituras para realizarem shows. Depois, porque a maioria das pessoas não se dá conta de que há uma operação por trás do artista.

Ao mesmo tempo, volta e meia vejo pessoas se questionando por que a Anitta, por exemplo, demorou tanto tempo para deixar sua posição clara e porque muitos artistas nem mesmo chegam a fazê-la. Na verdade, o boicote de artistas por patrocinadores devido a posições políticas é bem comum. Vou citar aqui dois casos que me são familiares.

Durante a invasão do Iraque pelos EUA, o grupo de música country, Dixie Chicks, formado por três artistas mulheres e texanas, sofreu um boicote sério por se posicionarem contra as ações do governo G. W. Bush. Acontece que o estado de origem do trio é tradicionalmente republicano e, portanto, apoiador do presidente à época. Assim, as declarações das garotas sulistas quase as levaram de volta ao anonimato.

Algo similar aconteceu com a cantora Taylor Swift, que foi muito pressionada quando da campanha de Hillary Clinton em 2016. Também por ser de um estado majoritariamente republicano, o Tennessee, sua imagem causava um pouco de confusão entre os fãs justamente porque sempre se associou a uma narrativa feminista, progressista, contrária à ideologia defendida pela direita estadunidense. Logo, uma série de ações para esclarecer seu posicionamento foi necessária nas eleições seguintes, apoiando candidatos democratas.

O que o artista precisa para se manter relevante no mercado artístico é de uma reputação positiva. Isto porque é por meio dela que ele consegue produzir consumo e, consequentemente, vender audiência. E, embora o consumo produza receita, é pela venda de audiência que se consegue o investimento necessário para fazer a cadeia funcionar. Vou explicar melhor: hoje, com as plataformas de streaming, a principal receita de um cantor vem da venda de ingressos de shows. Contudo, para que este show seja produzido é preciso um valor inicial. Este montante, normalmente, vem de patrocinadores que associam sua marca com a do artista para obter visibilidade. Dessa maneira, se não há patrocinador não há show. O mesmo pode se estender para influenciadores (sem patrocinador, sem editor de vídeo, sem equipamento para produzir o conteúdo, sem salário), para atores e diretores (sem locação, sem figurino, sem maquiagem), e assim por diante.

O que fica claro, então, é que o artista nunca é ele mesmo sozinho. Ele tem uma equipe por trás das câmeras e quanto mais visibilidade mais complexo isso fica. Um astro de Hollywood, por exemplo, acaba por deixar de frequentar determinados lugares, principalmente em épocas de estreias, porque o assédio dos fãs faz com que isso se torne quase impossível. Assim, ele vai cada vez mais se aproximando da elite econômica e precisa ter um certo capital para manter sua privacidade. Para além disso, o cachê da celebridade sofre um fatiamento que vai mais ou menos assim: 20% para o empresário, 20% para o agente, um valor predeterminado com a agência de PR, outro para custo com moda, maquiagem e cabelereiro, além de custos anuais com advogados e contadores. Vale dizer que este dado foi tirado de um livro escrito pelo publicista de celebridades Howard Bragman, chamado Where’s My Fifteen Minutes? – e que foi publicado em 2008 com dados sobre o mercado dos Estados Unidos. É possível que o valor que sobra para a celebridade hoje seja menor do que isso. Ainda mais quando pensamos em outros aspectos.

A celebridade é uma empresa e como em toda empresa, seu faturamento não é o mesmo que o salário do dono. Aliás, empresas são sociedades entre pessoas. Em muitos casos o artista nem sequer é dono de sua propriedade intelectual. Bruce Springsteen e Tina Turner são amostras do grupo de cantores que não possui os direitos autorais da gravação de suas próprias músicas. O que acontece é que, geralmente, a gravação é separada da composição. E, embora a composição pertença ao artista, porque foi ele quem a criou, a gravação não foi feita por ele e sim, pela gravadora. Então, o artista ganha pela criação, mas não pela reprodução da obra. Em paralelo, a gravadora pode vender estas peças originais, criando um mercado de especulação. Não é à toa que este é tido como uma grande oportunidade de investimentos financeiros a longo prazo.

Com todos esses pontos levantados, é um erro achar que toda celebridade é rica e que, portanto, é livre para pensar. Em uma sociedade capitalista, todas as liberdades passam pela financeira antes. Uma celebridade raramente irá expressar sua opinião se esta coloca a sustentabilidade de seu negócio em risco. O que Luísa Sonza e tantos outros fazem deveria ser o comum. À exceção daqueles que só se posicionaram apenas após uma análise delicada de suas estratégias e, portanto, com uma certa segurança e conforto, defender seus valores pessoais com tanto afinco é um ato de resistência que se adiciona à expressão artística. Como já disse aqui, arte e política andam de mãos dadas e a todos os artistas deveria ser garantida essa autonomia.

Agora, a razão pela qual certas empresas escolhem evitar certos artistas e discursos é a mesma pela qual esses artistas se expressam: a subversão. Porque, se uma empresa diz que faz algo e apoia quem está alinhado a este discurso, mas tem um comportamento contrário, então isso gera um problema para sua própria reputação. Tampouco faria sentido endossar alguém que dissemina informações conflitantes com o produto oferecido. As celebridades, por meio da influência que exercem sobre todos nós, seja com seu carisma ou com a idealização que alguns de nós imprime nelas, têm o poder de ensinar. Então, por que uma empresa de refrigerantes, por exemplo, patrocinaria alguém que advoga contra os alimentos ultra processados? Seria contraditório e completamente arriscado.

As histórias que as celebridades contam, seja de forma mais concreta ou mais poética, fazem parte do conjunto de símbolos que nos incitam a imaginar e a defender nossos interesses. Por isso, essas celebridades não estão sozinhas. Em um mundo em que o dinheiro confere poder, então o consumo se transforma em um ato político. É assim que nós, em nosso cotidiano, podemos resistir e ser subversivos junto com estes artistas: comprando apenas de empresas que compartilham dos mesmos valores que os nossos. Precisamos entender que a mudança social também passa pela troca dos hábitos de consumo individuais.

Então, você vê como está tudo relacionado, como o poder econômico leva ao poder de escolha e este muda a sociedade como um todo? É por isso que a cultura, e as pessoas que a simbolizam, são tão perigosas. Por isso também que alguns querem nos deixar tão longe delas.

Imagem: Pexels / Karolina Grabowska.

Raquel da Cruz é mestranda do PPGCOM / Unesp e bacharela em Comunicação Social – Relações Públicas pela UEL. Concluiu sua especialização pelo GESTCORP da ECA-USP. Tem interesse em assuntos que envolvem relações públicas, celebridades, fãs e letramento transmídia.