LITERATURA E SUSTENTABILIDADE - Sonhos de uma noite de verão - William Shakespeare, o escritor de todos os tempos. Por Joema Carvalho.

William Shakespeare nasceu em 26/04/1564 e faleceu em 23/04/1616, em Stratford-upon-Avon. Conhecido como o Bardo de Avon, ou Cisne de Avon, e poeta nacional inglês, maior dramaturgo de todos os tempos.

Foi dramaturgo da companhia Lord Chamberlain, os “Homens do Rei”. Escritor de grande rapidez intelectual, percepção e poder poético. Sua agudeza da mente foi aplicada a seres humanos, bem como sua gama completa de emoções e conflitos1. Ele é atemporal e transdisciplinar.

Em “Sonhos de uma noite de verão” há uma descrição de consequências do evento “Mudanças Climáticas” em função da interferência humana no planeta, impacto ambiental, tão comentado atualmente e, há 500 anos, presente em uma passagem onde a Titânia responde a Oberon, Rainha e Rei dos Elfos:

ATO 11 – CENA I

“Titânia – Tudo isso é o ciúme que a inventar vos leva. Desde aquele verão, nunca podemos nos reunir na floresta, pelos prados, nas colinas, nos bosques, junto as fontes em que os juncos vicejam, pelas praias sonorosas do mar, para dançarmos em cor ao som dos ventos sibilantes, sem que em nossa alegria não nos víssemos perturbadas por tuas invectivas. Por isso os ventos, como em represália de em vão nos assobiarem, do mar vasto aspiraram vapores contagiantes, e estes, pelo país se derramando, tanto deixaram túmidos os rios, que as margens inundaram, de orgulhosos. Em vão os bois no jugo se cansaram; perdeu o suor o lavrador; o verde trigo podre ficou antes de a barba juvenil lhe nascer; os currais se acham vazios nas campinas alagadas; cevam-se os corvos no pertoso gado; as quadras de pelota estão desertas e cobertas de lama; quase esfeitos na verde relva os belos labirintos, porque ora já ninguém neles transita. Falta aos homens mortais o frio inverno; com hinos e canções, as noites claras já não são abençoadas como outrora. E assim, a lua, que o mar vasto impera, pálida de rancor, todo o ar deixa úmido, abundando os catarros. Em tamanha desordem vemos as sazões trocadas: do seio brando da virete rosa sacode a geada a cândida cabeça, enquanto sobre o queixo e nos cabelos brancos do velho inverno, por escárnio, brotam grinaldas de botões odoros do agradável estio. A primavera, o estio, o outono procriador, o inverno furioso as vestes habituais trocaram, de forma tal que o mundo, de assombrado, para identificá-lo não tem meios.  Pois bem; toda essa prole de infortúnio de nossas dissensões, tão só, prove; geradores e pais somos de todos”.

Implicações das Mudanças Climáticas

Organização Meteorológica Mundial (OMM), publicou um relatório que mostra as consequências da mudança climática no mundo. Segundo a pesquisa, a década passada e o quinquénio 2015-2019 foram os períodos mais quentes da história, cada década tem sido mais quente do que qualquer década anterior desde 1850. As concentrações de gases de efeito estufa estão nos níveis mais altos em 3 milhões de anos, como visto em 2019. O aquecimento dos oceanos está num nível recorde, com temperaturas subindo no equivalente a cinco bombas de Hiroshima por segundo2.

Petteri Taalas, chefe da OMM, ressaltou que a fumaça e poluentes causados por incêndios na Austrália, causaram um aumento nas emissões de CO2 e os recordes de temperaturas registrados na Antártica e o derretimento em larga escala. Completa que “o nível do mar está subindo a um ritmo crescente, em grande parte devido à expansão térmica da água do mar e ao derretimento das maiores geleiras, como na Groenlândia e na Antártica, expondo as áreas costeiras e as ilhas a um risco maior de inundações e a submersão de áreas baixas”. Para ele, o aumento da temperatura é um indicador da mudança climática. Os efeitos que as alterações do clima têm no desenvolvimento socioeconômico, na saúde humana, na migração, na segurança alimentar e nos ecossistemas terrestres e marinhos2.

Segundo António Guterres, secretário-geral da ONU, o ano de 2019 terminou com uma temperatura média global de 1,1°C acima dos níveis pré-industriais e, conclui que o mundo “está fora do caminho para cumprir as metas de 1,5°C ou 2°C que o Acordo de Paris exige” 2. Através do qual, se preservaria milhões de toneladas de pescado e bilhões de dólares de renda a cada ano, assim, 75% dos países costeiros poderiam usufruir desses benefícios, com 90% das capturas protegidas ocorrendo nas águas dos países em desenvolvimento, cujas populações são mais dependentes de frutos do mar como fonte de proteína3.

São inúmeras as consequências das mudanças climáticas: Furacões no Atlântico ficam mais fortes, temperaturas extremas, prejuízos econômicos na ordem de bilhões de dólares em função de fenômenos climáticos extremos, inundações afetam o tráfego de pedestres, aumento das emissões de metano do permafrost em até 30% (processos microbianos e vegetais começam mais cedo na estação de crescimento, o que contribui para as emissões de metano que tem efeito de aquecimento 28 vezes maior do que o dióxido de carbono). Em determinadas regiões, populações de fitoplâncton estão entrando em declínio e em outras, aumentando e, como consequência, alteram a cor dos oceanos. Além destas, aumento de inundações e do nível do mar em função do desgelo do Himalaia e outros glaceares e da perda de gelo no Ártico3.

Contextualização das Mudanças climáticas

A formação da crosta terrestre, ao longo dos 4,6 bilhões de anos, esteve relacionada às mudanças climáticas. Seguiu-se uma lógica da física básica: em momentos de redução da temperatura, o nível médio dos mares reduziu, da mesma forma que o movimento das placas tectônicas, logo foram menores os eventos climáticos e tectônicos. O contrário ocorreu quando a temperatura esteve elevada.

Deve-se considerar as Mudanças Climáticas dentro de um contexto macro, inserido dentro dos processos do planeta, onde o humano não tem a menor chance de controle, é apenas mais uma espécie, que irá seguir o que Darwin considerou “Não é o mais forte que sobrevive, nem o mais inteligente, mas o que melhor se adapta às mudanças”. Em outras épocas, os seres pequenos e de carapaça foram mais favorecidos, como as baratas, escorpiões e libélulas.

A outra abordagem seria em uma escala micro, dentro da nossa percepção de tempo da Era Geológica do Antropoceno. Aqui contribuímos para a antecipação dos fenômenos extremos climáticos, através da nossa interferência. O orgulho, a ganância, a falta de limite, motivados por ego e ignorância, conforme o trecho de Sonhos de uma Noite de Verão, nos colocam em risco, dentro da lógica de que, a espécie humana é soberana e tem controle dos elementos e recursos do planeta.

Em função da pandemia, as emissões de gases de efeito estufa reduziram com o isolamento social. Dentro da escala de tempo que podemos intervir, de acordo com o 13° Objetivo de Desenvolvimento Sustentável – ODS, é necessário “Tomar medidas urgentes para combater a mudança do clima e os seus impactos”.

A máxima do planeta e da existência humana é a inconstância e a incerteza logo, não é possível o seu controle. Retribuir o que recebemos dos elementos e recursos naturais é educação e respeito e, necessidade vital.

1WILLIAM SHAKESPEARE. Disponível em:  https://www.britannica.com/biography/William-Shakespeare#ref232300

2ONU. Mudança climática provoca aumento de mortes, doenças e fome no planeta. Disponível em: https://news.un.org/pt/story/2020/03/1706771. Acesso: 14/02/2021

3WRI. Este mês na ciência climática: primeiro mamífero extinto pelas mudanças no clima e dificuldades para as tartarugas marinhas. Disponível em: https://wribrasil.org.br/pt/blog/2019/03/este-mes-na-ciencia-climatica-primeiro-mamifero-extinto-pelas-mudancas-climaticas?utm_source=google&utm_medium=cpc&utm_campaign=clima&gclid=CjwKCAiAsaOBBhA4EiwAo0_AnDQ5Mea3SEZqmusvM7XJ-C2dYsBjvdvOMiSqdIk79DR9CF8QcSSXGxoC9k0QAvD_BwE. Acesso: 14/02/2021

Dra. Joema Carvalho é Engenharia Florestal, perita e escritora. Sócia-diretora da Elo Soluções Sustentáveis, atuando com consultoria ambiental e sustentabilidade.