LITERATURA E SUSTENTABILIDADE - O período das mudanças climáticas: época Covid-19. Por Joema Carvalho.

Quando criança, era necessário um mês de preparativos para festas infantis. A decoração e as comidas eram feitas em casa. As brincadeiras eram improvisadas. O pai gravava músicas de vários vinis em fitas cassetes. Era uma seleção de músicas, não playlist.

Nossos filhos entenderam o mundo do tempo deles. Aniversário com piscina de bolinha e cama elástica, cheio de crianças. Casa de festas aglomeradas de pessoas. As comidas vinham por encomendas feitas com uma semana de antecedência. A massa da coxinha era de farinha de trigo transgênica, não de mandioca da chácara.

Aquelas que nasceram na quarentena entendem o mundo da família. Escolinha não é possível, socializar, quem sabe? Não têm a referência de antes. Aos olhos de uma criança, é festa uma live de aniversário que conecta amigos do país inteiro e até, do exterior. Bichos de estimação estarão presentes. Bochechas rosadas, substituídas por amareladas ou acinzentadas. O bebê para de chorar com desenhinho do celular.

Os filhos adolescentes perderam o aglomerado encontro com amigos. As festas e boates de adolescentes deixaram de acontecer. Os que iniciaram universidade, foram prejudicados. Aulas práticas impossíveis de serem realizadas. O novo sistema, por necessidade, colocou em uso a tecnologia disponível, a qual não estava sendo utilizada. Expôs o comodismo de um sistema que avança apenas sob pressão.

Perdas? Readequações? Quem soube se reorganizar através de outras ocupações manteve a sanidade e escapou de depressão. Quem esteve aberto, aprendeu um instrumento, pintou quadros, resgatou dons, alimentou-se diante da adversidade. Darwin, com base nos seus estudos, considerou que “as espécies que sobrevivem não são as mais fortes, nem as mais inteligentes, e sim aquelas que se adaptam melhor às mudanças”.

Momento mórbido, recheado de extremos, onde impera a lei do retorno, da consequência.

Um exemplo didático de dinâmica de população dentro de um ecossistema. Quando a população de uma determinada espécie aumenta, em decorrência de um desequilíbrio, outra espécie realiza o controle da anterior e restabelece o equilíbrio.

O cenário do desenho “Contos de Terramar” era de injustiça social, corrupção e ganância por parte de quem governava e degradação ambiental. Uma praga tomou conta, gerando grandes prejuízos e mortes. Em um determinado momento, um dos personagens colocou que a praga era uma oportunidade para se restabelecer a harmonia.

Ouve-se com frequência a retórica de que teremos um “novo normal”. Normal sempre foi monótono. Novo?… neste caso, contraditório.

Espero que esta “oportunidade” não seja em vão. Que nos faça curvar diante da incerteza, da inconstância e da grandeza de um planeta que jamais iremos controlar. Que este “novo” momento nos faça assimilar que estamos de passagem, assim como várias outras espécies que já estiveram na Terra, as quais, hoje, são extintas.

Quem conta um pouco do grande mistério que nos envolve são os diferentes tipos de rochas. Elas estão logo abaixo dos nossos pés, encobertas por asfaltos, pelas construções e infraestrutura. Bilhões de anos em hieróglifos traduzidos nas linhas das camadas geológicas. As baratas, libélulas e escorpiões resistiram às constantes mudanças climáticas ao longo dos giros planetários. Eles têm muito a dizer sobre o nosso processo.

Joema Carvalho é engenheira florestal, doutora, perita, sócia-diretora da Elo Soluções Sustentáveis, colunista do Observatório de Comunicação Institucional e do Facetubes.