'Isso a mídia não mostra': a quem o discurso anti-imprensa interessa? Por Mariah Eduarda Colombo.

Nos últimos meses ataques contra profissionais do jornalismo se intensificaram. Clarissa Oliveira, repórter da Band, foi agredida com uma ‘bandeirada’ durante uma manifestação pró-governo em frente ao Palácio do Planalto. Renato Peters, da TV Globo, teve sua entrada ao vivo no telejornal interrompida. Esses dois acontecimentos – que servem para ilustrar dezenas de outros casos semelhantes – atentam diretamente contra a liberdade de imprensa e têm como objetivo intimidar.

Apesar de terem se acentuado recentemente, os ataques não são novidade. Em entrevista ao programa ‘Conversa com Bial’, o âncora do Jornal Nacional, William Bonner, afirmou que há cerca de dois anos precisou diminuir sua presença em espaços públicos: ‘Em 2018, a polarização política chegou a tal ponto que a minha presença em determinados locais era motivo de tensões. Percebi isso dentro de farmácia, dentro de livraria, na calçada, na rua, na padaria, no cinema… onde eu fui verbalmente agredido, insultado, desafiado’, contou.

Regredindo no tempo um pouco mais, em 2016 Caco Barcellos, também jornalista da Globo, foi agredido durante protesto de funcionários públicos em frente à Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Durante o episódio o apresentador foi coagido a deixar o protesto sob palavras de ordem anti-imprensa, que parecem estar no vocabulário do cidadão médio brasileiro já faz bastante tempo.

Há muito, jargões como ‘mídia golpista’, ‘globolixo’, ‘isso a televisão não mostra’, estão presentes nos nossos léxicos, inclusive sendo compartilhados por grupos sociais das mais variadas posições no espectro político.

Para compreender como chegamos neste ponto, no qual as pessoas não sentem nenhuma forma de constrangimento ao atacar outro alguém que está desempenhando o seu trabalho, e quais são as possíveis consequências disso, é preciso analisar criticamente aspectos que fortaleceram a rejeição da ‘grande imprensa’.

Como pontua Mário Messagi Jr, professor do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Paraná, por um longo período no Brasil existiu uma oposição ao grande sistema comercial jornalístico, partindo principalmente de grupos ligados à esquerda. ‘Existia uma crítica da esquerda ao grande sistema midiático. Alguns segmentos não apostavam no aprimoramento desse sistema mas, sim, que a solução era construir um caminho alternativo, por meio da comunicação alternativa e popular’, explica.

A ausência de interesse em sofisticar o sistema comercial jornalístico foi um dos erros que abriu brecha para o descrédito dos profissionais da comunicação e para a criação de uma estrutura profissionalizada de produção de fake news. ‘Quando este sistema se enfraqueceu, não surgiu a comunicação popular, como era esperado. No lugar surgiu essa megaestrutura de criação de desinformação’, afirma Messagi.

É claro que de maneira nenhuma as críticas feitas aos grandes veículos de comunicação devem ser invalidadas mas, agora, aqueles que muito criticaram esse sistema se veem obrigados a defendê-lo.

Recentemente o Supremo Tribunal Federal abriu um inquérito criminal – que ficou conhecido como ‘inquérito das fake news‘ -, para investigar a produção de notícias fraudulentas.

Mas, para o professor Mário Messagi, a ação esbarra em um problema regulatório. ‘O que é fake news? Que lei estabelece isso? O princípio da liberdade de expressão, por exemplo, é cristalino na Constituição. Na falta da definição na lei, contamos com a criatividade do judiciário e isso pode ser um perigo’, pontua.

Apesar disso, é necessário concordar que este pode ser um primeiro passo para uma regulamentação. Iniciativas independentes para frear a produção e consumo de notícias falsas também têm surgido por meio da internet. Duas delas ganharam destaque nas últimas semanas: ‘Bot Sentinel’ e ‘Sleeping Giants Brasil’.

Este último chegou ao Brasil agora em maio, e expõe empresas que financiam – por meio de anúncios – sites de notícias falsas. A iniciativa, que surgiu em 2016 nos Estados Unidos e já se espalhou pelo mundo, atinge diretamente o bolso dos propagadores de fake news e tem se mostrado uma ferramenta eficiente para combatê-los.

Na França, por exemplo, a iniciativa conseguiu que fosse aprovada uma regulamentação governamental para evitar o financiamento do ‘ódio on-line‘.

‘O problema fundamental é que contar mentira, por mais louca que seja, não é crime, mas o Sleeping Giants pega o esquema por outro lado [o financeiro]’, explica Messagi.

Recuperar a credibilidade da grande imprensa e superar as fake news é um trabalho que exigirá diversos fatores e trará resultados a longo prazo. Para isso, é essencial apostar no aprimoramento das empresas jornalísticas, especialmente por meio da regulamentação da área. É preciso estabelecer princípios. ‘Esse sistema é fundamental, as democracias não funcionam sem ele e ponto’, finaliza Messagi.

Mariah Eduarda Colombo é curitibana e jornalista em formação pela Universidade Federal do Paraná. Entusiasta de fotografia, artes e comunicação popular. Já passou pelo Núcleo de Comunicação e Educação Popular, Museu Oscar Niemeyer e atualmente é colaboradora do G1 Paraná.