Espelho, espelho meu. Sobre o ego e suas fantasias de recompensa. Por Adriana Linhares.

Houve uma época em que era comum ver, em praças da cidade, grupos reunidos entre duas árvores. No meio, uma corda esticada e uma pessoa tentando se equilibrar. A cena roubou minha atenção até a curiosidade vencer: aula experimental do tal slackline agendada com sucesso. Cheguei confiante e, ao ver a corda, já calculei racionalmente sua distância do chão, estimando que não passava de 50 centímetros. “Pouco mais de uma régua padrão, pensei. Mesmo se eu cair não vou me machucar”.

A aula era em grupo e, portanto, antes de me aventurar teria a oportunidade de assistir ao desempenho de uma aluna, tão caloura quanto eu. “Ótimo! Assim observo o que ela vai fazer e evito passar por um vexame”, planejei. Ela estava nervosa e já ameaçou desistir sem nem ter tentado. “Vou cair”, anunciava, quase chorando. O professor a encorajou. Ela deu três passos. A corda tremeu intensamente. A orientação agora era mais incisiva. “Siga sem olhar para o chão. Só caminhe olhando para frente!”.

Ela travou. A corda pendeu uns dez centímetros para a direita e depois para a esquerda, como um balanço. Ainda mais aflita, parou de novo e ao avançar pouco mais de um metro caiu com a perna trêmula. Não se machucou, mas sequer considerou retomar a tentativa.

Expectativa VERSUS Realidade

Minha vez e você, certamente, já entendeu o que aconteceu, certo? Foi só perceber a instabilidade de onde pisava ao subir na corda para cair logo após o primeiro passo (mal dado, inclusive). Só então entendi que era preciso exercitar tanto a mente quanto o corpo, especialmente pela concentração. E mais: percebi que antes mesmo de vivenciar a situação eu já tinha dado por perdido o desafio, sem entender o que me esperava ou me preparar. Eis a questão.

E por que trazer esta história aqui?

É que dela extraí um lembrete amigo e sempre atual em tempos de elevada presença digital (e seus desdobramentos): o ego é uma cilada encantadora. Dessas em que todos nós estamos sujeitos a cair. Aliás, como diria o genial Millôr Fernandes, “Não ter vaidades é a maior de todas”. Saber disso é essencial para manter os pés bem plantados no chão e a atenção vigilante. Sempre. Um exercício, mesmo.

E em matéria de aprendizado, entender-se capaz deve ter como bússola a necessidade de continuar se capacitando. E, claro, a disposição para mudar de pele para que seja possível, por exemplo, trabalhar em uma nova área, criar um produto ou serviço, adquirir habilidades e se permitir errar (para acertar). Afinal, “O analfabeto do século XXI não será aquele que não consegue ler e escrever, mas quem não consegue aprender, desaprender e reaprender”, escreveu Alvin Toffler.

Métricas da vaidade

Em nosso dia a dia, vivemos algumas situações que exigem atenção redobrada para não cairmos nessa armadilha. São ações que alimentam mais a própria autoimagem a despeito de um objetivo (ou sentido). Na área de marketing, por exemplo, as chamadas “métricas de vaidade” são números que não representam sozinhos o desempenho de um conteúdo ou canal e, tampouco, revelam resultados expressivos.

Exemplos disso são os números de seguidores e de curtidas. Não à toa, o Instagram decidiu ocultar o número de curtidas dos posts. Entenda o que é (ou não) métrica de vaidade (https://rockcontent.com/br/blog/metricas-de-vaidade). São dados que falam mais sobre quem o apresenta do que é apresentado.

Fale bem, mas não (só) de si

A cilada do ego produziu ecos também no próprio comportamento de compra. Do advento aos últimos dez anos, a publicidade adotou o convencimento como argumento de venda de um produto ou serviço. Minha marca, minha qualidade, meu diferencial. Eu, empresa. Você, consumidor.

Mas nos últimos anos, o narcisismo da autopromoção deu lugar à entrega antes da venda por meio do chamado marketing inbound. Uma relação de sedução, claro. Mas a partir de uma relação construída, envolvendo a oferta de um conteúdo, serviço ou produto relevante antes da decisão de compra em si. Uma lógica menos centrada na marca e mais nas entregas.

Adriana Linhares possui sólida experiência em comunicação corporativa construída ao longo dos últimos 20 anos nos setores de educação, saúde, bem-estar, terceiro setor e indústria. Jornalista e especialista em gestão estratégica, atua como produtora de conteúdo e copywriter em projetos de marketing de conteúdo e marketing inbound.