Emudeceram as crianças! Precisamos doar-lhes nossos ouvidos. Por Viviane Cupello.

Desde que as aulas presenciais foram suspensas, um grande eco se instalou na escola. O pior eco e o mais ensurdecedor de todos, o do silêncio! E, desde então, tudo ficou diferente.

Pátio de escola combina com risadas, gritarias de alegria, sons de bola, pedidos de desculpa pelos esbarrões na correria do pique-pega, chamadas de atenção pelos chutes altos do futebol, sinalizações de início e final das aulas e aquelas frases diárias que nos fazem lembrar de que todos os dias temos uma rotina: ‘bom dia, pessoal!’, ‘conte-me sua novidade’, ‘vamos brincar?’, ‘hora do recreio, criançada!’, ‘lugar de lixo é na lixeira’, ‘lavem as mãos para a merenda’, ‘tia, posso falar?’, ‘posso ir ao banheiro?’.

Verdade que, fisicamente separados, muitos desses relatos foram substituídos por momentos virtuais recheados de ‘minha conexão caiu’, ‘eu não consegui abrir o vídeo’, ‘tia, não sei fazer assim’, e por aí, vai.

Algo similar ao que tem visto e ouvido?

Pois, então. São elas, as crianças, que perderam as maiores vozes nesse processo do presencial para o remoto. Seus ‘pátios’ estão solitários, seus amigos estão distantes e todo estudo, obrigação, brincadeira e diversão estão sendo mediados por ferramentas tecnológicas que muitas vezes mais afastam do que aproximam. Sim, afastam. Porque as crianças perderam suas vozes.

Já não há espaço para suas novidades do fim de semana, para dividir alegrias, para somar com o outro as conquistas da idade, para perguntar do que mais gostam, para convidar um amigo para brincar em casa, para assistir a um filme juntos, para brincar do jogo de tabuleiro preferido, para escolher o melhor lugar para lanchar no recreio, para ir à biblioteca ler o livro preferido, para falar com a professora de quem foi o aniversário do final de semana, para contar aos colegas que foi em uma festa incrível, para dividir dúvidas, angústias e medos, para… para… para… Tudo parou. Todas essas rotinas pararam. Tudo emudeceu! E é urgente que doemos nossos ouvidos para escutar do que as crianças precisam.

Elas foram obrigadas, tanto quanto nós, a mudar hábitos, a achar caminhos virtuais acessíveis, a encontrar alegria numa tela ‘fria’ e a ‘falar mais’ com os celulares e os computadores. Mas, criança não é adulto. E ainda está se alfabetizando emocionalmente para lidar com tantas urgências e emergências para sua saúde, a educação e a vida social.

Se não há mais momentos de socialização e de recreios presenciais, que se façam virtuais. Que haja espaços onde as crianças possam falar, com o lugar de fala delas, com narrativas de escuta garantida. Não o lugar de fala de escola e da escola, onde há necessidade de avaliar processos, responder conteúdos ou dar conta dos deveres. Mas o lugar de declaração da emoção e da verdade do coração.

Que seus recreios sejam com amigos, afinal, elas já estão muito próximas dos pais o tempo todo nessa quarentena. Que seus intervalos entre aulas online sejam momentos de lazer e socialização, onde elas possam simplesmente conversar e serem ouvidas pelos colegas, que possam ‘trocar figurinhas’ sobre seu dia a dia, que possam dizer como estão e saber como estão seus colegas, que possam falar das travessuras de seus pets, do que têm feito em casa com os pais, das brigas que tiveram com os irmãos, dos presentes que ganharam de aniversário, da roupa nova, de como está sendo ver e viver, de perto, o trabalho dos pais, das novidades da natureza que têm em suas casas, das experiências que têm tentado em família, do programa novo que descobriram na televisão, do brinquedo que resgataram de quando eram menores e que possam lanchar, ter e fazer o recreio com esses amigos, mesmo que um não possa mais experimentar a merenda do outro (porque o colega sempre tem algo mais gostoso para comer…).

É preciso dar escuta para as necessidades lúdicas e interativas entre as crianças, que não sejam somente com caráter pedagógico, mas também social e emocional.

Um cine-pipoca com os colegas, uma tarde de pijama online, um musical, um sarau virtual, uma festa temática da turma, um show de talentos virtual ou uma brincadeira criada e mediada por eles. Quando esses espaços forem abertos, a criatividade dará os braços à alegria, à vitalidade e à realidade das quais a escola não presencial tanto está precisando.

Talvez, momentos mais livres como esses trarão de volta a voz, a vida e a interação social tão importantes que a escola sempre propôs, atualizados à nova realidade, mantendo aqueles vínculos necessários que, possivelmente, se estenderão à toda vida. E, então, provavelmente, não teremos mais recreios tão solitários.

Hoje, eu proponho: dar-lhes-emos ouvidos para, então, devolvermos as vozes às crianças?

Viviane Cupello é amante da Educação, das Artes e de Pessoas. É professora e pedagoga, especialista em Gestão Escolar e em formação na Gestão de Pessoas. Estudou teatro, sempre foi apaixonada pela escrita, escreve poemas no canal ‘Poetizei Poetizamos’ e tem como um dos propósitos de vida o trabalho social. Atua na Educação há 20 anos: é alfabetizadora, lecionou em turmas da Educação Infantil e Ensino Fundamental I, coordenou o turno Integral e ministrou cursos de Escolarização, Atualização e de Formação para adultos. Fundadora da CAPAS – Ações para Educação, acredita no desenvolvimento humano por meio da Educação.