(EDU)COMUNICAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO - #DefendaOLivro. Por Cristiane Parente.

‘Os livros não mudam o mundo, quem muda o mundo são as pessoas. Os livros só mudam as pessoas’.

Mário Quintana

#DEFENDAOLIVRO – a campanha que mobilizou o país.

Ler para se informar, ler para formar. Ler para se divertir, para viajar, para se emocionar. Ler para criar laços entre pai, mãe, bebê. Ler para estimular sentidos, imaginação e a formação de leitores e leitoras; para aprender e compartilhar. Ler para ser, para transformar e transformar-se!

No latim, ler vem de leggere, que quer dizer escolher. É a mesma raiz de coleggere, colheita. Ao ler, deveríamos colher, escolher os melhores ‘frutos’. Ou seja, estamos em contato constante com vários textos do mundo, de vários formatos e em vários suportes – especialmente com as tecnologias digitais da informação e comunicação – e deveríamos ter habilidades para saber escolher, compreender de forma crítica, analisar e também produzir – o que acontece quando somos bons leitores. E isso se faz com livros, com alfabetização midiática e informacional, com política pública e coragem de apostar na educação crítica e cidadã de uma população.

Podemos encontrar o direito à educação no artigo 205 da Constituição Federal de 1988: ‘A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho’.

O Estatuto da Criança e do Adolescente também traz o direito à educação em seu artigo 53 (A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho…), mas com mais detalhes em seus incisos.

Chamamos atenção para o exercício da cidadania porque para que ela seja conquistada é necessário que haja imprensa livre e informação, uma população ciente de seus direitos e disposta a lutar por eles, uma sociedade que, conhecendo outros exemplos, outros mundos, outras realidades, tem outros parâmetros e horizontes, conhece outros caminhos, descobre possíveis soluções para suas questões, reivindica melhores condições de vida. Para isso, é preciso leitura, educação. E vontade política de ter um povo educado, crítico, que cobra, que lê. E não um povo alienado.

Leitores e leitura no Brasil

Segundo a 4a. edição da pesquisa ‘Retratos da Leitura no Brasil’, desenvolvida pelo Instituto Pró-Livro, que deve lançar uma nova versão este ano, o brasileiro lê uma média anual de 4,96 livros por habitante. Só para comparar, a Finlândia tem uma média anual de 14, seguida pelo Canadá, com 12 e Coréia, com 10. Não à toa, são os países que têm os melhores resultados em leitura no PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE).

No entanto, no Brasil, apenas 2,43 (desses 4,96 livros) foram lidos do início ao fim, o que mostra que a leitura não é considerada uma prática diária pelos brasileiros. Se o tema dos livros for literatura, esse índice cai para 1,26. Vale destacar que nesse percentual de 4,96 livros estão incluídos os didáticos, de autoajuda e religiosos, como a Bíblia, lida por 42% dos leitores brasileiros.

Quem mais lê no país são as crianças e os adolescentes e isso mostra, entre outros pontos, a relevância do papel da escola na formação de leitores no país e no acesso desse público a livros. Na faixa etária de 5 a 10 anos, temos 67%; de 11 a 13 anos, são 84% de leitores e entre 14 e 17 anos o índice fica em 75%. A partir daí, os índices de leitura vão caindo.

É preciso refletir sobre esse dado, especialmente quando a nova pesquisa e os novos números (que refletem os últimos quatro anos) forem divulgados para pensar políticas públicas, a valorização do setor livreiro, dos autores, ilustradores, gráficas, bibliotecas e bibliotecários e todos os agentes dessa cadeia tão importante para a cultura e a educação brasileira nesse momento de desordem informacional em que precisamos mais que nunca de uma sociedade que tenha habilidade de (várias) leituras.

Uma pessoa que pouco ou não lê (criticamente), pode não saber e, assim, não cobrar os seus direitos. Uma pessoa que não lê ou pouco lê, em geral, tem um vocabulário mais pobre – e com isso não consegue repertório para argumentar com qualidade – e tem mais dificuldade para interpretar textos (basta ver os resultados do PISA, que mostram o quanto a compreensão do brasileiro é literal, de frases curtas).

Vários estudos também relacionam a leitura com oportunidades de melhores empregos. Sem falar em uma nova forma de compreender o mundo e ter liberdade. Que o diga Paulo Freire! Quem lê menos, em geral, também tem mais dificuldade em compreender uma obra literária, porque para abstrair é preciso hábito, leitura, leitura, leitura.

E o Brasil não é um país leitor. A leitura, infelizmente, não é o nosso forte, basta olhar ao nosso redor para ver quem frequenta as livrarias (as que ainda existem e estão conseguindo sobreviver) e perceber o investimento (ou não) em bibliotecas públicas.

Livros para quem pode pagar por eles?

Para piorar esse cenário, o governo tem o livro como alvo na Reforma Tributária. A desculpa é que os seus compradores possuem alta renda (o que não necessariamente é verdade), então, ‘tudo bem’ elitizar ainda mais um produto que deveria ser cada vez mais democratizado e que tem tido mais procura por diversas classes, tendo em vista o público que tem frequentado as bienais e feiras de livro pelo país. A Bienal do Rio em 2019, por exemplo, recebeu mais de meio milhão de pessoas, e a maioria era composta por jovens da classe C.

A nova proposta cria uma taxação que pretende substituir o PIS e Cofins e estabelecer uma Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS) de 12%, percentual que muitos escritores não recebem em direitos autorais.

Vale lembrar que os livros são protegidos da cobrança de impostos (pela Lei 10.865 de 2004)*, mas como essa taxação proposta pelo governo seria uma ‘contribuição social’, abre-se a brecha desejada pelo governo, que já fala da possibilidade de doar livros aos pobres, já que eles provavelmente não teriam condições de comprá-los com o aumento que teriam.

Ficam várias perguntas: Como seria essa doação? O ‘pobre’ receberia um ‘vale’ e teria liberdade para escolher os livros que quisesse, nas livrarias que quisesse, das editoras que quisesse? Ou o governo vai decidir o que ele deve ler? Será que conseguimos imaginar o governo decidindo o que os ricos vão ler a partir de agora ou isso soa mesmo muito absurdo? Qual seria a solução? Se é para taxar algo que só os ricos consomem, não seria melhor optar por lanchas, jatinhos, helicópteros e barcos, em geral? Ou ainda drogas lícitas como bebidas alcoólicas e cigarros? Talvez taxar outros setores menos importantes ou opcionais na vida das pessoas que não seja educação e cultura? Reduzir regalias nos três poderes, afinal, estão servindo à nação? O que será das pequenas editoras e do setor do livro, em geral, se essa taxação for aprovada? Não correremos o risco de termos o monopólio de alguns grupos?

A proposta tem enfrentado resistência em vários setores da sociedade e vale ficar de olho no Congresso. Entidades representativas do setor lançaram o manifesto ‘Em Defesa do Livro’ no qual, apesar de reconhecerem a necessidade da reforma, afirmam que qualquer aumento no custo do livro afeta o seu consumo e investimento em novos títulos. Na última terça, 11/08, as redes sociais foram o cenário da insatisfação com a proposta e a hashtag #DEFENDAOLIVRO foi um dos assuntos mais comentados no Twitter.

Esperamos e torcemos que o governo e o Congresso encontrem uma solução que não afete as estruturas já abaladas da educação e da cultura. Enquanto o livro no país for tratado como artigo de luxo, teremos um país pobre, que se contenta com música-chiclete, populismos e um pedacinho no céu.

#DefendaOLivro

* Quando foi deputado constituinte pelo PCB, o escritor Jorge Amado apresentou uma emenda para garantir imunidade tributária à produção e o comércio de livros. Ela foi aprovada na Constituição de 1946 e mantida na Constituição de 1988. Esse dispositivo não vale para as contribuições sociais, que foram suspensas com a aprovação da Lei 11.033/2004, proposta pelo Poder Executivo, durante o primeiro governo Lula.

Cristiane Parente é jornalista com trabalhos em Impresso, TV e redes sociais. É consultora em Projetos de Comunicação, Educação e literacia midiática/educação para a mídia/educomunicação. É membro do Comitê Internacional MIL Clicks em Português, da Unesco, Governo da Suécia e ZeitGeist. Doutora em Comunicação e investigadora do Centro de Estudos em Comunicação e Sociedade da Universidade do Minho (Braga/Portugal); Mestre em Educação, Tecnologias e Comunicação pela Universidade de Brasília (UNB); Mestre em Comunicação e Educação pela Universidade Autônoma de Barcelona; Especialização em Teorias da Comunicação e da Imagem UFC/UFRJ.