E se o tempo fosse um investimento financeiro? Por Adriana Linhares.

Vou fazer uma conta rápida. Oito a nove horas é a carga horária média de trabalho. Acrescentamos aí uma a duas horas de almoço. Agora mais duas horas de deslocamento com um trânsito camarada. OK, 12 horas. Partimos para o descanso sagrado. Lanço logo oito horas para fazer fluir bem o raciocínio, humor e produtividade, conforme recomendações dos profissionais de saúde e especialistas em sono. Das 24 horas, então, restam valiosas quatro, certo? Elas serão disputadas, minuto a minuto, entre cursos, cuidado com os filhos, atividades domésticas e diversão, por que ninguém é de ferro. Pronto. Está morto o leão do dia.

Com muitas pessoas experimentando, pela primeira vez, o trabalho feito em casa (e em família), o home office ganha dores e delícias, amantes e haters. Mas em comum, arrisco dizer que os dois grupos adquiriram uma nova percepção sobre o tempo já que, em tese, sobraram pelo menos duas horas se tivermos como referência o cálculo citado. Também surgiram novas necessidades para gerenciar esse ativo valioso e, principalmente, delimitar as fronteiras entre as atividades profissionais e pessoais.

Em entrevista à CNN uma professora de psiquiatria da Universidade da Califórnia, em São Francisco (EUA), Elissa Epel, explica que muitas pessoas acreditam que o dia a dia se tornou ainda mais rápido. Especialmente quem precisa conciliar multitarefas dentro de casa, o que está associado ao estresse, inclusive. A mente passa a absorver um volume maior de informações e preocupações (ou infoxicação) e a sensação, com isso, é que o leão se reproduziu na savana a ponto de termos que matar uma alcateia inteira.

Outra razão para vivermos uma crise com o relógio, segundo a professora, está relacionada à perda de referências, já que a percepção sobre o tempo está associada a marcos físicos, sociais (rotinas, horários de refeições e compromissos fixos) e até ambientais, como a luz do Sol, por exemplo. ‘É uma tempestade perfeita, formada pelas mudanças no ambiente, a perda de âncoras sociais e o aumento do estresse cognitivo’.

Pise no freio, respire fundo

Agora um contraponto interessante sobre o mesmo tema. O isolamento social fez a natureza se reorganizar, pelo que já é sabido, e (pasme) a Terra rodar mais devagar. A explicação do último fenômeno deve-se ao desligamento de maquinário industrial e à queda na movimentação de redes de transporte em todo o mundo, como explica o sismólogo Thomas Lococq, do Observatório Real Belga. Daí recorremos a Einstein e sua celebrada teoria da relatividade. Ou, como diria o ditado, ‘o ponto de vista é a vista de um ponto’. Está aí, então, a oportunidade de vivenciarmos um laboratório na prática.

Use com moderação

A tecnologia permite otimizarmos o tempo na mesma medida que nos oferece mais opções para aproveitá-lo. Resultado: acreditarmos na ilusão de que somos capazes de consumir no mesmo tempo e espaço todas as informações que nos roubam a atenção, incluindo filmes, séries, programas de TV, shows, lives, cursos e o que mais vier. Resultado: ‘cadê meu tempo que estava aqui?’. Sumiu, como o ‘dinheiro [que] na mão é vendaval’, como esclarecia Paulinho da Viola nos idos de 1975.

Tempo, mano velho

As crianças e os idosos têm percepções diferentes sobre o tempo. Com ou sem pandemia. Até os três anos, elas não conseguem compreender os conceitos de ‘ontem’, ‘hoje’ e ‘amanhã’, por exemplo. Por outro lado, são plenamente capazes de captar detalhes que nos fogem no cotidiano, o que lhes permite aprender por meio da mera observação, sem que algo seja literalmente ensinado. Aliás, essa fase supera toda a vida do ser humano em capacidade de aprendizado. Simplesmente incrível. É uma fase em que temos o tempo canalizado única e exclusivamente ao aprendizado como forma de significar o mundo. Já quando envelhecemos temos menos cerejas no pote. Talvez por isso focamos no que é feito com o tempo e não no que ainda resta para viver.

Oração ao tempo

Time is money. No delírio de tirar mais proveito das possibilidades, a frase atribuída a Benjamim Franklin bem que poderia ser literal. E se o tempo rendesse juros e correção, volto a perguntar? Recorro aos meus desejos para responder a essa provocação ousada. Entendo que sem dúvida teríamos cuidado para não desperdiçar recursos. Além disso, poderíamos aplicar o tempinho diário que sobrasse em um fundo de investimentos, fazendo as horas trabalharem a nosso favor. Ao final de um ano, teríamos valiosos momentos de crédito, que poderiam ser revertidos em anos adicionais nas 24 horas de um dia ou em anos extras de vida. Nada mal, né? Se até os cenários distópicos mais improváveis têm se mostrado reais, por que não fazer dessa uma aspiração para um futuro distante?

Adriana Linhares possui sólida experiência em comunicação corporativa construída ao longo dos últimos 20 anos nos setores de educação, saúde, bem-estar, terceiro setor e indústria. Jornalista e especialista em gestão estratégica, atua como produtora de conteúdo e copywriter em projetos de marketing de conteúdo e marketing inbound.