Marcos regulatórios que impulsionam a agenda ESG, como a resolução 193/2023 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) – que exige indicadores claros e comparáveis em práticas sustentáveis de empresas listadas na bolsa -, ou a Diretiva de Diligência de Sustentabilidade Corporativa, a qual cobra premissas ESG de empresas nacionais atuantes no mercado europeu, direta ou indiretamente, têm imposto a organizações de diferentes portes e setores a revisão ou construção da matriz de materialidade. Isto é, a identificação dos impactos econômicos e socioambientais que a empresa mais sofre e exerce sobre diferentes stakeholders, e a priorização dos temas mais sensíveis a serem administrados no plano ESG, com metas e indicadores mensuráveis.
Quem quiser permanecer competitivo no mercado, inserido na cadeia de valor de empresas parte do desenvolvimento sustentável, não tem como fugir disso; pois a matriz de materialidade antecede e pavimenta todo e qualquer planejamento ESG realmente atrelado à estratégia do negócio. Sem ela, não se tem uma agenda, e sim ações esporádicas e isoladas, sem fôlego e força para influenciar o potencial competitivo da organização. E sabe por qual motivo? Porque traçar a matriz de materialidade, isto é, entender onde o calo aperta hoje, pode apertar amanhã e o que dá e é preciso fazer com emergência requer algo realmente transformador para a empresa, no curto, médio e longo prazo: conversar e sobretudo escutar diferentes grupos de stakeholders, as partes interessadas e interessantes ao negócio, entre lideranças, colaboradores, clientes, fornecedores e comunidades.
A base da matriz é a conversa e a escuta e, em tempos de algoritmos, inteligência artificial e automação (nada contra o avanço tecnológico), isso endossa e revela muito sobre a humanidade e ética que a agenda ESG, bem-feita e real, demanda e traz à empresa e às relações que ela sustenta, de forma perene.
Para reconhecer os impactos sociais e ambientais que gera, os recursos naturais e humanos de que mais precisa para continuar firme, os riscos aos quais está submetida e oportunidades no horizonte, a empresa precisa ouvir não somente acionistas e aqueles que estão diretamente vinculados às suas operações, mas também os chamados stakeholders periféricos, mas nem por isso sem influência sobre o negócio.
Vale a leitura do interessante artigo “Engaging fringe stakeholders for competitive imagination”, dos autores Stuart L. Hart, da Cornell University, e Sanjay Sharma, da University of Vermont, que defendem que é justamente nas franjas da empresa onde estão as principais oportunidades de inovação disruptiva ou riscos de potencial explosivo. É preciso chegar a esses stakeholders, conversar e ouvi-los para descobrir e antecipar ações estratégicas.
Em processos para a construção da materialidade dos quais participo, invariavelmente testemunho descobertas assim, de impactos socioambientais cuja importância muitas vezes é pouco perceptível às lideranças. Um uniforme pouco prático, vestiários em localização inadequada, a falta de armários para produtos de limpeza, gestão de resíduos ineficaz, ruídos na comunicação, ou uma marquise encurtada que não protege as pessoas apropriadamente da chuva e do Sol. Parece pouco importante, ou desconexo do ESG, mas não é. É justamente o contrário. São exemplos concretos, muito relevantes do que pode vir à tona a partir do diálogo, porque conversar sobre eles, embora nem tudo possa ser priorizado, tangibiliza a agenda ESG na empresa, ajuda a desenvolver a mudança cultural e a empatia que ela requer, fortalece relações, mitiga riscos e traz insights inovadores em muitas frentes. Nada disso é possível sem escuta.
Infelizmente, há ainda muitas empresas com medo desse diálogo. Em pesquisa que conduzi com consultores e gestores de sustentabilidade para projetos submetidos ao licenciamento ambiental, por exemplo, o medo da exposição e da gestão de conflitos surgiu como um dos principais fatores limitantes da conversa com comunidades e outras partes afetadas pelos empreendimentos. Porém, uma postura silenciosa causa a sensação de falso controle ou de “dever cumprido”, e desconsidera que é exatamente a comunicação o instrumento para a gestão de interesses e necessidades do negócio e de quem impacta ou pode impactá-lo.
O processo de construção da matriz de materialidade é essencial à verdadeira agenda ESG e precioso ao proporcionar escuta e fala transversais, autoconhecimento à empresa e a gestão desse saber transformador. A agenda ESG precisa e tem a ver com pessoas, o principal ativo de qualquer negócio.
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Vanessa Costa é jornalista especializada em comunicação empresarial e em Stakeholders & ESG pela FIA Business School, com certificação nas normas GRI. Fundadora da Registro e Memória – Comunicação e Gestão da Informação, consultoria para processos de construção de matriz de materialidade, conteúdo ESG, memória empresarial e comunicação.