Da manipulação midiática à desestabilização da democracia. Por Beatriz Amaro.

A mídia desempenhou um papel importante na trajetória que levou o Brasil a chegar onde está: um país à beira de eleições gerais em um cenário de polarização ideológica, ceticismo político e caos econômico, que lida com um candidato à presidência no hospital, vítima de uma facada; um candidato-de-raspão, favorito do povo, duvidosamente preso; uma esquerda fragmentada e desorientada; uma (extrema) direita gananciosa, vingativa e violenta. E tudo isso é noticiado.

A infeliz questão é que informar deixou de ser a principal função dos meios de comunicação, encoberta pelo caráter manipulador que estes adquiriram ao longo dos anos (e dos governos). A notícia, incompleta por definição, é sempre prejudicial a interesses da arena pública – se não for, é mera informação, em análise do jornalista e professor Eugenio Bucci. Os prejuízos precisam ser controlados, uma vez que a política não admite, sob hipótese alguma, que o poder se esvaia por entre seus dedos.

Este controle é instituído através da manipulação midiática, incentivada e mantida pelo establishment. Não é uma exclusividade brasileira – é uma estratégia utilizada por quem detém poder, em qualquer lugar do mundo, para se aliar à imprensa e controlar o que é disposto à população. É um looping manipulativo: a mídia é manipulada para manipular. É sobre este movimento que tratarei aqui.

Durante a pós-graduação em Comunicação e Cultura Política na Universidade Estadual de Londrina, ouvi falar, pela primeira vez, nas críticas que Noam Chosmky tecia – e tece – ao sistema midiático. Chomsky é um renomado linguista, ativista político, filósofo e escritor estadunidense, e dedicou-se a estudos profundos da situação socioeconômica dos Estados Unidos. Aos 89 anos, coleciona cerca de seis décadas de carreira e mais de uma centena de livros publicados.

‘Mídia – Propaganda política e manipulação’ é o título dedicado à questão que pretendo abordar nesta coluna: quais mecanismos a mídia utiliza para fazer com que a sociedade opere de acordo com os interesses dos poderosos. São engrenagens muito bem pensadas cujas análises, é claro, não são exclusivas de Chomsky – o sociólogo francês Pierre Bourdieu, no livro ‘Sobre a televisão’, criticou a atuação dos jornalistas em relação à produção televisiva, que dominou (e domina, apesar da internet) a influência dos meios de comunicação de massa durante muito tempo; a filósofa alemã Hannah Arendt, apesar de focar suas pesquisas na política e não na mídia em si, contribui imensamente para a discussão ao abordar o conceito de ‘verdade’; e a lista se estende.

Em 16 de agosto último, mais de 350 jornais lançaram campanha pela liberdade de imprensa nos Estados Unidos diante da infeliz mania adquirida pelo presidente Donald Trump: para ele, todas as críticas ao seu governo são fake news espalhadas por ‘inimigos do povo’. Isto é censura. É o primeiro passo para utilizar a mídia como instrumento de manipulação.

Tratar de manipulação midiática é um desafio, especialmente diante do enorme esforço que os manipuladores fazem para escondê-la, mas trata-se de uma temática atual e urgente. A democracia está cada vez mais trêmula, ameaçada, reprimida. Cabe a nós entender, através de reflexões e leituras, com a ajuda de estudiosos e teóricos, qual o nosso papel neste intrincado quebra-cabeças social.

Espero vocês semanalmente aqui. Para sugerir pautas, leituras ou o que desejar, escreva para beatriz.m.amaro@gmail.com.