CRÔNICA - Papo de pai e filho. Por Juliana Fernandes Gontijo.

— Dudu, sua mãe disse que, até o fim do mês, vamos mudar daqui?

— Fala sério, pai!

— Por que, filho?

— Como vou andar de bike?

— O prédio onde vamos morar tem quadra de vôlei e futebol.

— Uau! Gostei! Vou rodar muito de bike lá. E quando a gente muda?

— Como falei, até o fim do mês. Filho, larga esse joguinho, anda!

— Tá bom, pai. Só falta uma vida. E a gente vai morar aqui na cidade mesmo?

— Não.

— Então a gente vai para Brasília, né?

— Por que Brasília?

— Ah… pai! Eu queria tanto morar lá p’ra estudar e fazer faculdade.

— Qual o motivo de ser Brasília, filho?

— É que, quando eu crescer, quero ser presidente da república.

— Você o quê?

— Pre-si-den-te  da  re-pú-bli-ca!

— Não estou acreditando no que acabei de ouvir.

— Por que, pai?

— Você tem ideia do que é ser presidente de um país?

— Vai ser legal. Todo mundo na escola gosta de mim.

— Legal?

— É, eu vou estudar para ser advogado primeiro. Defender as pessoas sem usar revólver.

— Você está ficando muito tempo na internet. Tenho que ver isso com sua mãe.

— Nada, pai. Só quatro horas por dia.

— Isso tudo? Preciso ter uma conversa séria com ela e vai ser hoje!

— Deixa eu falar, pai, mas o presidente defende o país de outros países, não é? Eu vi isso na TV.

— Por isso quer ser advogado?

— Sim. Depois que eu aprender a defender as pessoas, eu vou defender o país, sabe? Aquele jornal que você vê todo dia na TV falou isso ontem. “O presidente…” Hum… ele tem um nome difícil…

— O que o presidente falou, filho?

— Que vai defender o país com um acordo de paz e não vai entrar na guerra.

— Dudu, você só tem 7 anos!

— Ué, pai, eu vi. Se ele falou que não vai entrar na guerra, ele não vai usar arma.

— Esperamos que não, filho!

— Se eu for presidente, não vou deixar ninguém usar arma. E vai ser só quando eu crescer, pai.

— Isso é ótimo, nada de armas. Até lá, como dizia sua avó, “tem muita água pra correr debaixo da ponte”.

— Como assim?

— Você não entende nem o que é “muita água correndo debaixo da ponte” ainda, Eduardo.

— Então me explica, pai.

— É o tempo, Dudu. Muito tempo vai passar, assim como muita água vai passar debaixo da ponte, entende? E você pode mudar de ideia. Há tantas outras profissões que existem por aí. Medicina…

— A Teresa, na escola, falou que a gente pode ser o que a gente quiser. Eu quero ser presidente.

— Sua professora?!

— É! A Alexia disse que vai ser confeiteira igual à mãe dela e vai fazer bolos de aniversário. Enzo falou que vai ser jogador de beisebol. Vê lá! Que graça tem em pegar um pedaço de pau e jogar a bola lá longe? Eu, hein?

— Ele gosta, filho! E você quer ser presidente da república, não é? Cada um tem um gosto.

— Verdade. Meus colegas começaram a rir de mim. Deixa eles! Quando eu for presidente, eu vou…

— Vai o quê, filho?

— Vou acabar com a pobreza, ninguém mais vai jogar lixo nas ruas, todo mundo vai ter dinheiro, porque eu vou dividir igualzinho pra todo mundo.

— Larga esse celular, menino! Ser presidente não quer dizer que você vai fazer isso tudo, Eduardo.

— Então, o que o presidente faz?

— O presidente, governa, administra o país. Ele é igual ao prefeito, só que governa o país inteiro.

— Ah, pai, mas eu sou uma pessoa boa e vou ajudar todo mundo.

— Não é bem assim que funciona um país.

— Por que, pai?

— Você já foi comigo votar, lembra? De quatro em quatro anos, tem a eleição e os políticos e outras pessoas que desejam ser presidente da república se candidatam e mostram as suas propostas para a população na TV, rádio ou internet ou em panfletos distribuídos nas ruas.

— Panfleto sujando rua? Não vai mesmo!

— Quando for presidente, você conta.

— Então vai votar em mim?

— Isso é assunto para quando você se candidatar.

— Tá bom, pai. Então, não precisa morar em Brasília?

— Para ser presidente, Dudu, não! Pode ser de qualquer cidade do país.

— Eu achei que era só estudar em Brasília!

— Não, meu filho, não é.

— Então, se eu posso estudar em qualquer lugar, é mais fácil.

— Deixa o pai te perguntar uma coisa?

— Sim.

— Você sabia que, como presidente, tem que assinar as leis que outras pessoas fazem?

— Como assim?

— Vários outros políticos (deputados e senadores) escrevem as leis, votam e pedem ao presidente para assinar.

— E se ele não gostar dessas leis?

— Ele devolve as leis para os políticos mudarem o que escreveram antes.

— Mas e se a população gostar da lei que o presidente não gostou?

— Muitas pessoas podem ficar tristes com ele.

— Que confusão, pai. Difícil de entender.

— Sim, filho. O presidente não governa sozinho. Se ele não gosta da lei e os políticos que fizerem a lei gostarem, eles vão começar a discutir. O presidente não governa sozinho, ele ainda tem os ministros que o ajudam.

— Eu vou ter que aprender isso tudo? Só ser bom não adianta?

— Infelizmente, não.

— Se o presidente quer uma coisa, como você disse, acabar com a fome, e os outros políticos não querem, nada feito!

— E tem gente que não quer acabar com a fome, pai?

— Se tem, Dudu, se tem!

— Mas é só os políticos fazer o acordo de paz, igual ao presidente… Como é o nome dele mesmo?

— Isso é outra coisa, filho.

— Eu fico triste, sabe? Achei que só precisava ser bom e todo mundo gostar de mim.

— Seria tão fácil, né? Só que não é bem assim. E não adianta ser bom para as pessoas se o que o presidente promete não pode cumprir.

— Como assim?

— Se prometeu e não cumpriu, a culpa é do presidente. Se ele não gostou da lei e pediu aos políticos para mudarem e deu tudo errado, a culpa é dele também.

— Então tudo é culpa do presidente da república?

— Mais ou menos isso. Se o povo está feliz porque o preço dos produtos no supermercado abaixou, o presidente é bom, mas se o preço sobe, a população fica com raiva é do presidente. E acha que ele é ruim.

— Ah… pai, não estou gostando desta conversa.

— O que você acha de falarmos sobre outro assunto, filho? Vamos a assistir ao jogo da seleção hoje?

— Sei não. Prefiro jogar no celular. Também não sei se eu quero mais ser presidente.

— Então conversamos sobre esse assunto de novo daqui a 20 anos, pode ser? Às vezes, quando tiver seus 27, já mudou de ideia, né?

— Até lá, pai, ainda vai rolar muita água debaixo da ponte. — Disse o menino sorrindo.

— Já chega, Dudu! Dê aqui esse celular, você jogou demais hoje.

Imagem gerada por IA (Google) / licença Creative Commons.

Juliana Fernandes Gontijo é jornalista por formação e atriz. Uma redatora apaixonada pela escrita criativa, cultura de maneira geral, que ama escrever, contar histórias reais ou fictícias.