O Light Shopping estava lotado. Não havia uma única loja sem clientes, porque o tradicional fim de semana de promoções agitava todos os cantos do país.
Beth, uma professora de educação infantil, precisou enfrentar aquele alvoroço, pois ganhou um voucher num sorteio de programa de TV, o “Light Night”. Meio milhão de reais em compras com um detalhe: o dinheiro deveria ser gasto em apenas 10 horas. O valor que sobrasse seria devolvido à emissora.
Ela poderia gastar com o que quisesse desde que fosse dentro do Light Shopping, até comprar carro se lá tivesse uma concessionária. Sim, havia uma grande loja de automóveis. No entanto, preferiu mobiliar o apartamento novo primeiro, e, por fim, comprar o carro.
Inicialmente, fez uma lista de compras com o noivo, Sidney, a fim de facilitar a ida ao shopping, uma vez que não poderia perder tempo comprando futilidades.
O plano inicial era passar nas lojas de eletrodomésticos, em seguida nas de cama, mesa e banho, utensílios para todos os cômodos da casa, e, por último, as compras de supermercado.
“Ou seria melhor fazer o contrário?” — Pensava Beth. O aperto nos últimos meses era grande, logo, garantir mantimentos por longo período, primeiramente, seria o mais sensato.
Ela suava frio, pois o contrato do prêmio disponibilizava apenas 10 horas de compras. E o tempo seria medido por um cronômetro entregue a ela e que deveria ser pendurado no pescoço e acionado por um funcionário do shopping assim que tivesse acesso à garagem. Ou seja, qualquer lojista sabia que Beth era a participante da gincana “Agarre o que puder” do “Light Night”.
Aquele dinheiro vinha em boa hora, afinal, depois de um longo período sem emprego, ela finalmente estava refazendo a sua vida com uma nova oportunidade de trabalho e com meio milhão de reais à sua disposição.
“Ah… dinheiro não compra felicidade, mas que ajuda a comprar um monte de coisa que deixa a gente feliz, isso ele faz!” — Beth meditava enquanto entrava no elevador de acesso às lojas. — “É isso, faço o supermercado primeiro, eletrodomésticos, cama, mesa e banho e por fim os utensílios para o restante da casa. Isso não faz tanta falta e, se der, troco de carro.
Ao entrar no shopping, um locutor anunciou “Elisabeth Siqueira!” Ela tampou as mãos com o rosto, tamanha a vermelhidão da face diante de centenas de pessoas. Porém, não podia perder tempo e gritou como o combinado no programa de TV: “Sim, sou eu, Elisabeth Siqueira, e vou gastar meio milhão de reais!”.
Começou pelo supermercado. Durante 1 hora e 30 minutos, a professora encheu 5 carrinhos de compras, desde os produtos de cesta básica a perecíveis e limpeza em geral, e tantos outros que viu pela frente. Todo o dinheiro gasto era debitado no cartão de compras com o seu nome e do programa “Light Night”. Os produtos comprados eram separados e levados para o caminhão-baú da emissora de TV que iria fazer o transporte até o novo apartamento de Beth.
Como o shopping estava muito cheio, ela demorou mais de meia hora para chegar a uma loja de eletrodomésticos. As pessoas queriam fazer selfies ou vídeos com ela, afinal, a professora havia se tornado uma celebridade “da noite para o dia”. No entanto, não era possível correr, mesmo com dois seguranças da emissora de TV que tentavam abrir espaço para que ela acessasse as lojas mais rapidamente.
Com os eletrodomésticos, usou e abusou das novas tecnologias. Desde celulares para ela, o noivo, seus pais e irmãos. Ao todo, 10 aparelhos, mais dois notebooks. Comprou toda a mobília de casa, além de fogão, geladeira, máquinas de lavar e secar louça e roupas, batedeira, forno, liquidificador e tantos outros produtos que pudessem diminuir seu trabalho em casa.
Nesta brincadeira toda de “Agarre o que puder”, Beth gastou 4 horas dentro dessa loja. Era preciso esperar o faturamento de todos os produtos para o débito no cartão. Por isso, o trâmite foi bastante demorado. Em pouco mais de 6 horas de compras, Beth já havia gastado mais de 100 mil reais. Ainda faltavam roupas pessoais, de cama, mesa e banho, além dos utensílios de casa. Restavam pouco mais de 3 horas.
A professora já demonstrava semblante abatido, as pernas tremiam, sentia fome, a suadeira aumentava. Ela passou em uma lanchonete e comprou uma garrafa d’água. Não tinha sossego, todos queriam tirar fotos com ela. Porém, era preciso seguir em frente. Era uma oportunidade daquelas que jamais iria bater em sua porta… nunca mais.
Passou pelas lojas de roupas e pediu por tamanho médio, para ela, e grande para Sidney. Pegou 10 conjuntos diferentes de calça e camiseta pretos, brancos e cinzas e jaqueta para ele. Escolheu saias com blusas, vestidos e calças estampados, vermelhos e amarelos para ela. Mandou faturar, debitar no cartão. Seguiu para a próxima loja. Agarrou o que podia entre artigos de cama, mesa e banho, faturou e foi para as últimas compras: a loja de utensílios domésticos. Sim, aquele estabelecimento em que qualquer mulher gosta de fazer compras. Esse era o caso de Beth… se ela pudesse levar até a porta da loja, levaria, mas…
A “Pegue Leve” era simplesmente a loja mais cheia do shopping. Ao tentar entrar, Beth teve uma inesperada surpresa. Tomy Castle, seu ator de cinema americano predileto, queria entrar na loja. “Inacreditável. Como aquele homem dos sonhos de cinema estaria entrando em uma loja de shopping no Brasil, na zona leste de São Paulo?” — Meu! Aquilo era algo muito estranho. E ele ainda falava português.
Beth ficou estática, por um segundo ela se esqueceu de que estava numa gincana de emissora de TV e havia pouco menos de 2 horas para terminar as compras.
— Dá um autógrafo? — Disse ela ao astro do cinema.
Tomy Castle fez-se de desentendido e continuou tentando entrar na loja lotada.
— Sou sua fã, Tomy! Apaixonada por você. Dá um autógrafo, tira uma foto comigo…
Naquele momento, escutou um alarme ensurdecedor.
— O que é isso? — Berrou Tomy, em sotaque inglês bem carregado, desconcertado.
— Meu Deus, é o cronômetro mostrando que falta apenas 1 hora para terminar as minhas compras.
— Não entendo o que fala, moça!
“Como assim, meu? O cara não entende o que eu falo e ainda continua me respondendo? Homem louco, nem parece o ator que vejo nos vídeos das redes sociais.” — Estranhou a mulher.
— Esquece o autógrafo! Dá licença para eu entrar na loja. Eu só tenho uma hora de compras.
— Não, moça. Vou perder o voo para o meu país. Não posso!
— Só tenho uma hora para escolher muitos produtos e faturar. Por favor! Estou participando de um programa de TV e…
— “Light Night”? Problema é seu!
— Quanta falta de educação com uma fã! Não é possível!
— Não conheço você, moça! Por isso, não me importo com seu problema!
— Já passaram 30 minutos que estamos aqui discutindo e eu preciso entrar na loja e vai ser pela força, Tomy! Se não é por amor, vai ser pela dor e … — Ela falou com rispidez, desferindo um soco de esquerda no rosto do galã.
O ator, assustado, esfregou a mão no rosto. Ele a empurrou para não deixar que ela entrasse na loja e as pessoas começaram a fazer uma roda para ver a briga de “duas celebridades”: um astro do cinema americano e a ganhadora do “Agarre o que puder”. Ela ainda tentou entrar na loja e, quando restava somente com o pé direito do lado de fora da porta, Tomy a puxou e ela caiu de boca no chão. Ele conseguiu entrar na loja. A porta fechou por completo. O alarme do cronômetro tocou, indicando o fim das 10 horas. Ela caiu em prantos e ainda gritou para os quatro cantos do Light Shopping:
— Maldito Tomy Castle! Eu acabo com você! Não acredito que vou perder o meu carro!
…
Assustada, a professora acordou gritando e deu um pulo da cama:
— Mas faltam 250 mil reais e dá p’ra comprar o carro!
— Oi, Beth. Bom dia! — Disse o noivo.
— Bom dia, amor! Jurei que havíamos ficado ricos, Sidney. Só que não! Tenho que sair depressa, hoje é meu primeiro dia de trabalho na escola. À noite, eu te conto o sonho mais maluco que tive.
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Juliana Fernandes Gontijo é jornalista por formação e atriz. Uma redatora apaixonada pela escrita criativa, cultura de maneira geral, que ama escrever, contar histórias reais ou fictícias.