CRÔNICA - Destinos cruzados. Juliana Fernandes Gontijo.

Antes de iniciar história desta semana, eu te convido, leitor, para conhecer a história destes dois personagens: Aleksei Rusla e Nikolai Andrei.

O ideal é que sejam lidas na ordem cronológica:

https://observatoriodacomunicacao.org.br/colunas/para-o-ex-amigo-soldado-por-juliana-fernandes-gontijo/

https://observatoriodacomunicacao.org.br/colunas/carta-resposta-por-juliana-fernandes-gontijo/

Por um caso de overbooking, Aleksei e seu pai, Sergio, precisaram trocar de voo. Inicialmente, os dois iriam passar alguns dias na Eslovênia, mas com o problema da companhia aérea, eles foram direcionados para um voo até a Croácia. Após dois dias, seguiriam para a Eslovênia.

O menino, finalmente, iria conhecer outro país da Europa Oriental. A vontade dele era conhecer o Japão, no entanto, seria preciso esperar pela próxima oportunidade.

Sergio chamava a atenção do filho, seguidamente. A todo momento, o menino se levantava da cadeira para ler o letreiro com as indicações de voos. Outras vezes, ia ao banheiro, voltava correndo. Saía para comprar uma água ou um refrigerante e se dirigia ao letreiro novamente. Os minutos pareciam horas. Em dado instante, Aleksei ficou estático observando um rapaz com necessidades especiais:

— Pai, eu conheço aquele rapaz.

— Quem, filho?

— Aquele moço que usa muletas e está com a blusa verde.

— De onde, Aleksei?

— É o ex-soldado combatente, Nikolai Andrei, que respondeu à minha carta pela internet.

— Pela quinta vez, você vê um homem que tem necessidade especial e pensa ser o soldado da Ucrânia.

— Da Rússia, pai. Da Rússia! É Andrei. Agora eu sei que é ele. Posso ir lá?

— Não! Daqui a 10 minutos, vamos embarcar.

— É rápido, pai. Só para eu tirar a minha dúvida!

— Não, filho. Das outras quatro vezes, você estava errado e se decepcionava. Olha lá, já estão chamando o nosso voo. Parece que foi antecipado o embarque.

— E se for ele, pai?

— Sinto muito, Aleksei.

Os dois pegaram as bagagens e se dirigiram ao portão de embarque. Aleksei estava cabisbaixo, pois sentia que realmente pudesse ser Andrei.

Entraram no avião. A classe econômica já estava cheia e eles tiveram que se sentar nas poltronas da executiva, uma vez que as passagens também foram trocadas. Uma comissária de bordo avisou que o voo iria se atrasar, pois estavam esperando por um passageiro com necessidades especiais. Sergio disse ao filho que permanecesse quieto, pois, mesmo com o atraso do voo, não era hora para transitar dentro do avião. Isso poderia atrapalhar os outros passageiros. O menino prontamente obedeceu, pois sabia que poderia ficar sem o celular durante a viagem.

Alguns minutos mais tarde, o passageiro com necessidades especiais entrou e foi indicada a ele a poltrona ao lado direito de Aleksei. A moça acompanhante, que poderia ser esposa ou namorada, sentou-se na fileira ao lado. Para a surpresa do garoto ucraniano, era o mesmo rapaz com quem ele cismou no saguão do aeroporto. Num ímpeto, cutucou o pai e sussurrou no ouvido:

— É ele, pai. Eu tenho certeza! Vi muita foto na internet. Posso?

— Filho…

— Por favor?

— Deixa o rapaz se instalar primeiro.

— Ok.

As portas do avião foram fechadas, os cintos afivelados. Os comissários de bordo iniciaram as coordenadas para o voo. A aeronave começou a taxiar na pista. O piloto cumprimentou os passageiros, deu a fala de praxe da viagem e iniciou a decolagem.

O menino se dirigiu ao “vizinho” de poltrona:

— Pryvit! — “Olá” em ucraniano.

— Pryvit! — Você é ucraniano, garoto?

— Tak. — Aleksei respondeu “sim” na língua da Ucrânia. — Mas hoje moro em Milano com meus pais italianos. Eu fui adotado há 3 anos. E você é de lá também ou é russo?

— Sou da Rússia. Qual é seu nome, garoto?

— Aleksei…

— É um nome bonito. Se eu tiver um filho, quero colocar este nome nele.

— Verdade? — Disse Rusla emocionado. — E por quê?

— Não gosto de falar sobre isso, mas, há muito tempo, procuro por um menino da Ucrânia. Ah, mas isso não é papo de criança… É como se eu procurasse um rolo de linha no palheiro dos cavalos do meu avô.

— Adoro cavalos. E o seu nome, qual é? Por que não é papo de criança, moço?

— Andrei. Nikolai Andrei.

Aleksei ficou mudo de surpresa. Seria verdade? Finalmente, ele se encontrou com o ex-amigo soldado? Poderia também ser apenas uma coincidência.

— Quieto, filho! Deixa o rapaz descansar. — Repreendeu Sergio.

— Tudo bem. O senhor é pai dele? — Falou o rapaz em italiano com um sotaque bastante carregado na língua russa.

— Sim. Prazer, Sergio Bambrilla. Não se preocupe com as conversas do menino. Ele gosta de conversar bastante. Não para quieto.

— Tudo certo. Vejo que seu filho é muito inteligente.

— Deixa que conversemos em paz, meu pai! — Disse o menino com a cara fechada.

Sergio se calou e começou a prestar atenção no diálogo do menino com o rapaz.

— Como é seu nome mesmo? Você disse…

— Andrei. Nikolai Andrei.

— Você falou que procura um menino…

— Eu não queria falar sobre isso, mas…

— Deixa o rapaz quieto, filho!

— Pai…

— Eu falo, mas me causa muita emoção. — Disse o homem, enquanto pegava um lenço com a moça ao lado.

— É sua namorada ou noiva, Natalya?

— Como sabe?

— Ouvi a comissária falando o nome dela na entrada do avião.

— Mas ela não…

— Falou sim!

— Você é mesmo muito esperto, Aleksei. É minha esposa. Linda, não é?

— Sim. Mas e esse garoto que você tanto procura?

— É uma história muito triste.

— Pode contar, sou forte!

— Encontrei uma carta dele sobre um dos pneus do tanque em que eu combatia.

— Uma carta de criança? No meio da guerra?

— Sim, em 2022.

— Em março!

— Como sabe, garoto?

— Foi no início da guerra, não foi?

— Exatamente. Esse garoto me deixou muito emocionado com o relato triste da guerra e…

— Meu Deus, não estou acreditando no que você me fala.

— É verdade, Aleksei. O relato dele foi tão triste que ali eu decidi dar baixa no exército russo e…

— Mas algo inesperado aconteceu, não foi?

— Garoto, quantos anos você tem? Percebo que entende rápido o pensamento de um adulto.

— Tenho 13 anos! E já estamos no terceiro ano de guerra. Um tamanho absurdo o que aconteceu no meu país e esses presidentes não entram em acordo. Para a minha sorte, fui adotado na Itália pelo Sergio e a esposa dele, Marisa.

— Acredito que o menino da carta tem a sua idade, pois tinha 10 naquele tempo.

— E o que aconteceu com você? Por isso, perdeu a perna e um braço? Desculpe a pergunta, Andrei. Acho que ficamos amigos, não é verdade? Mas eu não gosto muito de soldados. Porque soldados amam pessoas. Só que combatem por pessoas (governantes) que se odeiam, mas não se matam!

— Aleksei, de onde você tirou isso?

— Essa é a verdade sobre a guerra! Eu rezo a Deus todos os dias para que eu possa me tornar médico para cuidar das pessoas e tentar não deixar nenhuma delas morrer. Porque hoje eu entendo que todos nós vamos morrer um dia, mas eu não quero o mesmo destino de tantos amigos meus como Dimitri e Yuri.

— Eram seus amigos? — Disse Nikolai. — É muita coincidência!

— Como assim? — Perguntou Aleksei fazendo-se de desentendido.

— Meu braço e minha perna foram dilacerados por uma bomba e eu perdi…

— Perdeu muito sangue. Ficou no hospital por 3 meses, não foi?

— Você leu a minha carta na internet, garoto? Só pode ter lido.

— Como eu poderia imaginar que um dia eu estivesse conversando com você, Andrei? Quando Olga e mais algumas moças que cuidavam de mim e dos outros colegas do orfanato nos levaram para…

— Você disse O… O… Ol… ga?! — Perguntou, gaguejando o ex-combatente.

— Sim, Olga Rusvanov. Ela nos levou à divisa com a Polônia para pegarmos o trem. Foi a viagem mais difícil da minha vida.

— Não pode ser, Aleksei. Espera um momento.

Nikolai tirou da bolsa um papel dobrado, porém um pouco amassado.

— Você conhece isso, garoto?

— “Soldado, pare com esta guerra! Eu peço, por favor! Com muita tristeza, Aleksei Rusla”. — Disse o garoto sem abrir a carta.

Ao ouvir essas palavras da boca do menino ucraniano, o “ex-amigo soldado” não conteve as lágrimas:

— Você me perdoa, Rusla? Pelo amor de Deus! Eu peço o seu perdão a Ele todos os dias. Tudo o que escrevi na carta que publiquei na rede social foi a mais profunda verdade. Estou tentando uma vaga na equipe de natação paralímpica da Espanha. Nunca imaginei que nós pudéssemos nos conhecer.

— Pela quinta vez, depois de tanta procura, Nikolai, eu encontrei você. Hoje, eu entendo que a guerra não foi culpa sua. Deus já te perdoou. Eu gostaria muito que fôssemos amigos, o que você acha? — Disse o menino, enquanto tirava a impressão da carta de Andrei da mochila.

Eles então se abraçaram ao som de muitas palmas dentro do voo que pousaria, em poucos minutos, no principal aeroporto de Zagrebe.

Imagem gerada por IA (Google) / licença Creative Commons.

Juliana Fernandes Gontijo é jornalista por formação e atriz. Uma redatora apaixonada pela escrita criativa, cultura de maneira geral, que ama escrever, contar histórias reais ou fictícias.