CRÔNICA - Conversa-surpresa no restaurante. Por Juliana Fernandes Gontijo.

Em um restaurante sofisticado da cidade, um casal inicia uma discussão.

— Você está me traindo, Alberto!

— Como assim, meu bem?

— Simples assim, me tra-in-do!

— Fale baixo!

— Não estou gritando para o restaurante ouvir.

— Mas eu não fiz nada, Janaína.

— Justo hoje, Beto, no Dia dos Namorados? — Disse ela em tom mais baixo, porém com rispidez.

— O que é isso, Jana?

— Não me venha com mais uma de suas conversas, Beto!

— Santo Deus, como eu gostaria de acreditar que isso fosse mentira ou que eu estivesse sonhando.

— Não envolva Deus nisso, cara!

— Cara? Olha como fala comigo, mocinha!

— Mocinha?

— Sim!

— Está me ameaçando, é, Beto?

— Sem essa, Janaína!

— Isso é uma ameaça, você sabia?

— Ah… me belisca, para ver se estou sonhando!

— Não me venha de novo com desculpas!

— Desculpas?

— A filha da irmã da Maura me falou que…

— Eu não entendi!

— Sim, a filha da irmã da Maura!

— Não, Jana.

— Sim, Beto!

— A vizinha do 302, pelo amor de Deus! Todo mundo sabe que ela fala “pelos cotovelos”.

— Não coloque Deus na parada, eu já falei!

— Mulher futriqueira.

— Cale a boca, Beto!

— Vamos embora, Jana. — Ele faz um sinal com a mão, chamando o garçom, a fim de pedir a conta.

— Eu não vou embora!

— Mas restaurante não é lugar para discussão!

— Não saí do outro lado da cidade para me encontrar com você e ir embora com apenas uma taça de vinho.

— E eu não vim de outra cidade para ficar discutindo num restaurante justo no Dia dos Namorados.

— Mas você está me traindo, Beto!

— Quantas vezes vou ter que te implorar para não acreditar naquela futriqueira da Alaíde?

— Então, quem é Clara?

— Clara?

— Sim, Clara! Quem é?

— Eu não conheço ninguém com o nome de Clara.

— Alaíde mandou mensagem para a Maura dizendo que você fala muito nessa Clara.

— Ela não tem ocupação?

— Sei lá!

— Isso é calúnia, sabia? Ou difamação?

— Calúnia? Quem é Clara?

— Eu não conheço nenhuma Clara, eu já falei.

— Ela falou que o dia inteiro você chama essa “Clara”. Pergunta onde ela está, chama de meu amor, meu benzinho.

— Mulher maluca.

“Nhau, nhau…”

— Você ouviu isso?

— Isso o quê? Não ouvi nada.

“Nhau, nhau…”

— De novo!

— Chiii! Quieta, Kyara. — Disse o namorado, quase sussurrando.

— Olha, até meu nome você está trocando, me chamando de Clara? — Janaína, levanta-se da mesa.

— Como é que é? Eu não falei Clara, eu disse “Kyara”!

— Ah… então o nome dela é Kyara? — Disse a namorada, empurrando a cadeira com raiva.

— Não estou acreditando! Senta, Jana, por favor! — Ele coça a testa.

— Quem não acredita sou eu!

— Nós viemos de longe para nos encontrar e passar uma noite romântica, e você…

— Eu, o quê?

— Ou pior, essa Alaíde estragou tudo!

— Não coloque a Alaíde nessa história!

— Ah… mas ela é a responsável por essa briga idiota num restaurante caro que reservei há seis meses.

— Anda, fala! Quem é Kyara?

— Essa mulher estragou a minha surpresa! Ah… mas ela me paga amanhã! E, além disso, escuta tudo atravessado!

— Não muda de assunto, cara!

“Nhau, nhau…”

— Já vai, Kyara, já vai… Fala Beto, olhando para debaixo da mesa.

— De novo? Ouviu? Kyara! P’ra mim, chega, Beto! Peça a conta agora! E o que você tanto olha para debaixo dessa mesa? Pensa que não estou vendo?

— Pela última vez, Jana, me deixa explicar?

— OK… é sua última chance!

“Nhau, nhau…”

— Calma! — O namorado pega uma caixa redonda de presente e entrega à namorada.

— Calma? O que é isso? — Ela olha, com estranheza, a caixa colorida.

— Meu bem, é seu presente, o que você queria tanto. — Diz Beto, carinhosamente, e ela abre o presente.

— Meu Deus! — Fala admirada, quase chorando de emoção.

— Não coloque Deus nessa história, Jana! — Diz o rapaz, dando uma leve risada. — Eu te apresento “Kyara”, a gatinha que você tanto me pediu.

— Que vergonha! — Fala Janaína e, em seguida, beija o namorado.

— E a Alaíde achando que era Clara, uma suposta namorada minha… Mulheres!

— E vocês… homens!

— São as nossas imperfeições, meu bem, não é verdade?

— Ela é realmente um “amor”, Beto. Uma fofura!

Janaína acaricia a gatinha branca. Dá-lhe um beijo entre as orelhas, mas olha fixamente o namorado.

— Você me desculpa? Eu pensei que…

— Tudo bem. — Ele interrompe. — Eu jamais iria fazer isso com você, Jana. Eu te amo! — Fala o namorado, desenrolando a pequena coleira de Kyara onde estão escondidas duas alianças:

— Quer se casar comigo?

— Clara! Não! Claro… que sim, Beto! Eu te amo tanto! Abraçados a Kyara, os dois se beijam.

Imagem gerada por IA (Google) / licença Creative Commons.

Juliana Fernandes Gontijo é jornalista por formação e atriz. Uma redatora apaixonada pela escrita criativa, cultura de maneira geral, que ama escrever, contar histórias reais ou fictícias.