CRÔNICA - A sunga desaparecida. Por Juliana Fernandes Gontijo.

Renato se inscreveu em um congresso de setor imobiliário numa cidade bastante conhecida do interior de Minas Gerais e escolheu, para se hospedar, o Start Resort, onde seria o evento.

Após a reserva no hotel, ele tomou conhecimento de que vários colegas de outros escritórios fizeram a mesma escolha. Muitos deles estudaram juntos na faculdade de Administração, então talvez fosse uma espécie de confraternização de longa data, algo que relembrasse os “embalos” dos tempos da juventude.

Grande parte do resort estava reservada para os participantes do congresso. Corretores de imóveis, engenheiros, arquitetos e decoradores procuraram pela hospedagem.

Ele sabia que o evento era uma porta de entrada para novos contatos e reativar os antigos, boa parte deles perdidos, uma vez que o tempo de 5 anos fora do Brasil o fez dar alguns “passos para trás” na carreira.

Na tarde do terceiro dia do congresso, ele não compareceu à sessão de debates. Sentia-se um pouco cansado da “maratona” de palestras e preferiu passar o restante do dia na piscina para “esfriar a cabeça”. Ficou quase 5 horas debaixo de um Sol escaldante. Há vários anos que não fazia tanto calor como naquele dia.

Ele, já refeito de uma boa tarde de descanso, subiu para o quarto, tomou um banho e, como de costume, lavou a sunga debaixo do chuveiro. Era assim que fazia com suas cuecas. Pendurou a peça na janela aberta do banheiro (no sexto andar do hotel). Em seguida, foi se encontrar com alguns colegas no happy hour combinado anteriormente.

Não havia passado mais de meia hora que estava no encontro do bar perto da área de camping do resort e o tempo começou a mudar de maneira estranha. Primeiro, veio aquela nuvem enorme e escura, junto de uma ventania.

“Deve ser apenas um refresco no dia quente e uma chuvinha não seria nada mal.” — Pensou o corretor. Ele e os amigos decidiram continuar o encontro, recordando a época da faculdade, os casais que se formaram, os casamentos e até as separações de alguns deles.

O que parecia uma brisa noturna deu lugar a um vento mais forte, mas como estavam dentro do hotel, eles não se preocuparam em voltar para os seus quartos.

A ventania continuou e em poucos minutos “o mundo veio abaixo”, como dizia o povo antigo de interior. Uma mistura de tempestade com redemoinhos de vento começou a derrubar tudo o que estava “de pé”. Não deu tempo para as pessoas saírem sem se molhar. Como era preciso atravessar a extensa área de camping, muitas delas ficaram encharcadas. E não havia como se proteger da chuva que só aumentava. Com pouco mais de 10 minutos de tempestade, a energia do resort acabou. Rapidamente, os geradores foram ligados e tudo voltou à normalidade.

A forte chuva continuou por quase uma hora. Foi um alvoroço no local. Vários carros tiveram os alarmes acionados, as quadras de esportes ficaram alagadas e parte do revestimento da fachada do edifício também foi danificada. Algumas pequenas árvores caíram.

Quando a chuva começou a parar, as pessoas puderam voltar para seus quartos. Todo sujo de barro e com receio de pegar um resfriado, Renato entrou direto para debaixo do chuveiro e nem percebeu que a sunga não estava na janela.

Saiu do banheiro, ligou a TV… já passava das 22 horas. Caiu no sono sem terminar o filme de suspense que começara a assistir.

Acordou às 7 da manhã. Quando foi ao banheiro, deu falta da peça de roupa: “minha sunga desapareceu! E justo a que comprei na Suíça”.

Desceu para tomar o café da manhã, mas antes passou pela Recepção a fim de registrar o sumiço da peça de roupa:

Chamou o gerente do hotel para uma conversa reservada:

— Oi, bom dia. Qual o nome do senhor?

— Júlio César, o gerente. Estou às ordens. Em que posso ajudar?

— Meu nome é Renato Figueiras. Eu gostaria de registrar o desaparecimento de uma peça de roupa dentro da minha suíte, número 605, no banheiro. Uma sunga azul de banho.

— Podemos verificar as câmeras, senhor. No entanto, quando o hóspede realiza o check-in, nenhum de nossos colaboradores entra nas suítes sem permissão. É uma regra do Start Resort.

— Mas eu fui lesado. Falo de uma peça de roupa importada. Eu fico no prejuízo?

— O senhor está colocando nosso trabalho sob suspeita. Nós prezamos pela legitimidade do “pessoal” da empresa.

— Isso é um roubo! Eu terei que arcar com o prejuízo? Um roubo em hotel de luxo. Que absurdo!

— Tome cuidado com as palavras, senhor.

— Eu fui lesado e quero muito de uma reparação de danos.

— Vamos olhar as câmeras,OK? Na hora do almoço, pode voltar aqui, pois já teremos um retorno. Tudo será resolvido.

— Assim espero!

Após o almoço, o corretor de imóveis procurou novamente o gerente:

— Por favor, Júlio César, já tem uma resposta?

— Onde o senhor esteve ontem?

— Pela manhã, no salão de convenções. À tarde, na piscina. Voltei no início da noite para o quarto, tomei banho e fui para a área de camping a fim de curtir um happy hour com uns amigos. Depois da chuva, consegui voltar para o quarto, tomei banho e dormi. Só hoje percebi que a sunga não estava pendurada no banheiro.

— Sim, choveu muito mesmo e tivemos alguns problemas em nosso resort. Já acionamos a nossa equipe de reparos para continuarmos prestando um serviço de qualidade aos nossos clientes.

— Sei…

— Bem, verificamos as câmeras internas, senhor Renato. Não houve movimentação estranha nos corredores do 6o. andar.

— Está me chamando de mentiroso?

— Não disse isso, senhor! Deve ter esquecido no banheiro perto da piscina…

— Como? Então, disse o quê, que a minha sunga possa ter criado asas e voado para longe? É sério isso?

— Calma, senhor. Vamos conversar na sala do lado.

— Estou calmo, Júlio César! Mas eu fui lesado! E quero danos morais pelo roubo na suíte 605.

— Deixe-me falar, senhor! Nas câmaras internas, não encontramos problemas, porém, em algumas câmeras externas, vimos algo estranho. É melhor o senhor mesmo conferir as imagens.

Júlio mostrou as gravações de três câmeras externas e, na sequência, ele pôde perceber algo voando de um dos banheiros do edifício. Parecia uma pequena roupa. Nos outros dois monitores, ele pôde acompanhar o objeto caindo na piscina.

— Não é possível! — Disse o hóspede perplexo.

— Olha esta foto que nossa equipe da limpeza nos enviou. Esta é a sua sunga?

— Exatamente! É ela.

— Logicamente, isso não foi um roubo, senhor!

— Por favor, me desculpe! Mas eu pensei que…

— É bom medir as palavras, não é verdade? Porém, eu entendo a sua indignação. Nosso problema foi resolvido, certo? Aqui está a sunga. Agora tome cuidado e não a pendure mais na vidraça ou ela…

— Pode sair voando… — Mesmo sem graça, Renato ainda fez uma piada.

— Isso mesmo, senhor. Então, está tudo resolvido.

No dia seguinte, o principal site de fofocas da região trouxe no post principal:

Homem acusa Start Resort de roubo.

De quem é a culpa do sumiço da sunga azul comprada na Suíça?

Resposta rápida e precisa:

Da tempestade do dia anterior.

A sunga foi encontrada, boiando na piscina do hotel.

Imagem gerada por IA (Google) / licença Creative Commons.

Juliana Fernandes Gontijo é jornalista por formação e atriz. Uma redatora apaixonada pela escrita criativa, cultura de maneira geral, que ama escrever, contar histórias reais ou fictícias.