Ainda bastante zonza, Alexandra acordou da anestesia. O cirurgião aproximou-se da maca, estendeu a mão para a paciente, dizendo:
— Como se sente?
— Um pouco lerda, meio grogue, sabe? As pernas estão meio pesadas.
— É assim mesmo. O procedimento foi um sucesso. Não há risco de malignidade dado o aspecto do mioma. No entanto, é preciso encaminhar para a biopsia, senhora.
— Graças a Deus, doutor. Eu estava tão preocupada! Até fiz uma promessa de cortar os meus cabelos e doar para pessoas com câncer se o problema não fosse grave.
— Então pode fazer a sua doação. Provavelmente não terá problemas. Somente aguardar o resultado do exame e cerca de 45 dias de cicatrização, vai voltar à vida normal.
— Nem acredito, doutor, que fiquei livre disso.
— Mas pode voltar, viu?
— Deus é maior, não vai! Eu creio!
— Assim também esperamos. Amanhã, passarei no seu quarto para dar alta ainda cedo, caso não haja intercorrência durante a noite, certo?
— Tudo bem.
— A senhorita ainda vai aguardar um pouco aqui na sala, não demora muito. E depois vai para o quarto.
— Obrigada, doutor.
— Até amanhã! É o meu trabalho. A partir de agora é com a enfermagem. Qualquer problema, basta acionar a campainha no quarto.
Alexandra foi liberada e, ao chegar à enfermaria, sua irmã, Adriana, já aguardava na porta.
— Maninha, está tudo bem? Precisa de alguma coisa para eu ajudar? Ainda posso ficar aqui no quarto até às 20 horas.
— Não, Dri. Está tudo bem. Só estou um pouco cansada, mas já sei que não vou dormir à noite. A minha cama vai fazer falta, viu?
— Só quando estamos fora de casa e numa cama de hospital que a gente valoriza, não é?
Alexandra estava muito sonolenta e nem viu a irmã se retirar. A “vizinha” de quarto apenas disse:
— A sua irmã já foi e deixou um beijo para você. Disse que amanhã volta cedo para sua alta. Meu nome é Valdete. E esta é minha mãe, Elvira.
— Oi… pra… zer… O… bri… ga… da. — Disse Alexandra, balbuciando as palavras.
A moça ainda estava muito tonta. Parecia ter bebido uma garrafa de vinho. Não podia se levantar, devido à sonda no corpo.
Para uma cirurgia que ocorreu por volta das 15 horas, a dieta já estava liberada, depois das 20. Ela, porém, não conseguiu jantar, pois não tinha costume. Comeu apenas um pouco de arroz, deixou o resto no prato.
Dormiu, acordou, pegou o celular. Não se passaram 20 minutos. Dormiu de novo, acordou outra vez, ainda não eram 21:30. Por volta das 22 horas, um técnico chegou no quarto, conferiu as medicações, pressão e deu “boa-noite”. Pelo andar da hora, o hospital ia ficando mais silencioso e começou a chover.
Alexandra jamais gostou de chuva e ela estava na cama ao lado da janela. O ar-condicionado externo não permitia ver a chuva que era muito forte. “Ao menos, não é de vento, nem trovão ou relâmpago”, pensou ela.
Ela tentava esconder a cabeça debaixo da coberta a fim de não ouvir o barulho da chuva que passou a lhe incomodar. De repente, começou a ouvir uma goteira, possivelmente de alguma calha, ou até do motor do ar-condicionado que estava na frente da janela. Os roncos de mãe e filha também incomodavam. Ela estava ficando irritada.
Pegou o celular novamente, pensando ter alguma mensagem de família ou amigos pedindo notícias. Nada! Já era tarde. Tentou contato com as tias que moravam nos EUA e não teve resposta. Possivelmente todas já estavam dormindo ou em seus compromissos, mesmo com a diferença de fuso-horário.
Procurou um texto para ler na internet e cochilou. Voltou a si e não havia passado 15 minutos.
“A noite vai ser longa, Alexandra; tenha paciência”, pensou ela.
Pegou um joguinho do celular. Largou em poucos minutos. Resolveu ouvir música, porém tudo lhe cansava.
“Vou rezar; agradecer a Deus, pelo sucesso da cirurgia e pedir a ele que eu saia amanhã cedo desse hospital. Após retirar a sonda, basta ir ao banheiro normalmente e está tudo certo. Eu quero dormir na minha cama”, pensava Alexandra irritada.
Mal começou o Pai-Nosso e… cochilou de novo.
Acordou, pegou o celular. Eram 2 horas da manhã. A chuva não parava. Na verdade, parecia ter aumentado, mesmo sem vento e trovão. Na janela, não caía uma gota de água sequer. O “pinga-pinga” do lado de fora não cessava, uma vez que o barulho interno do hospital diminuíra com o passar das horas.
Dormiu de novo, acordou. Cochilou outra vez, despertou novamente. Alexandra perdeu a conta de quantas vezes… olhou as horas no celular. As “vizinhas” continuavam dormindo e roncando alto.
Em um dos cochilos, sonhou que ganhou na loteria e, quando foi resgatar o prêmio, a loja pegou fogo. Acordou. O outro sonho foi bem confuso. Estava correndo no meio de uma tempestade para chegar à faculdade e fazer a prova, mas caiu no bueiro cheio de ratos na esquina da rua de baixo e perdeu o exame do fim do curso. “Essa chuva entrando até no meu sonho e a maldita goteira que não para”, pensou ela já bastante irritada por não conseguir dormir.
Passava das 4 horas da manhã e ela finalmente “pegou no sono”. Este sono foi maior, afinal Alexandra havia dormido pouquíssimo durante a noite anterior. Por volta das 5 horas da manhã, a enfermeira chegou no quarto, deu a medicação, aferiu a pressão e disse:
— Bom dia. Dormiu bem? Lá pelas 7 da manhã uma técnica vem retirar a sonda, certo?
A moça não conseguiu responder direito, pois estava com muito sono.
— Vejo que está ainda bem sonolenta. Mais tarde, a gente conversa. Após a retirada da sonda e você conseguindo ir ao banheiro para urinar, estará de alta. É só o médico assinar o prontuário e você poderá ir para casa.
— Ah… sim. Obrigada. — Disse Alexandra, voltando a dormir.
Às 7:20, outra técnica chegou ao quarto e Adriana estava mais desperta, já havia tomado o café da manhã.
A profissional, antes de iniciar o procedimento de retirada da sonda, perguntou:
— Dormiu bem à noite, Alexandra? Passou bem, sentiu dores? Ou não? Como está?
— Não dormi praticamente nada. Estranhei a cama e a chuva não deixou. Choveu demais, meu Deus. Ainda essa goteira que não para de pingar.
— Hã? Mas não choveu durante a noite. Estava uma lua lindíssima no céu. — Disse a funcionária do hospital.
— Como não? E esse barulho aí fora?
— É o motor do ar-condicionado, senhora.
— Não acredito! — Disse começando a rir. — E essa goteira?
— Pode ser do ar-condicionado realmente… Bem, só um momento que vamos retirar a sonda. Peço que não se mexa, OK?
— Siiiiiiiiiiiiiiiiiiim.
Naquele momento, Alexandra sentiu como se um desentupidor de pia estivesse dentro do seu corpo, puxando tudo o que era órgão para fora.
Depois de um longo suspiro, ela voltou a si e disse rindo:
— Ué! Parou de fazer barulho! Então a goteira acabou!
— Como assim, a goteira acabou? — Sem conseguir conter o riso, perguntou a técnica.
— A chuva, você me disse que foi o barulho do ar-condicionado. Então a goteira era o barulho do xixi pingando no recipiente embaixo da cama. — Respondeu Alexandra.
A técnica não conseguiu prender o riso. Valdete e Elvira também caíram na risada.
— Moça, você é muito engraçada! Então, agora está tudo certo. Não teve chuva, nem ar-condicionado com goteira, não é verdade? Levante-se devagar. Quer ajuda? Pode ir ao banheiro. Se sentir alguma coisa, é só pedir para me chamar, certo? Daqui a pouco o médico vem te dar alta.
E a profissional saiu da enfermaria sem conseguir conter o riso.
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Imagem: Alexander Grey por Pixabay.
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Juliana Fernandes Gontijo é jornalista por formação e atriz. Uma redatora apaixonada pela escrita criativa, cultura de maneira geral, que ama escrever, contar histórias reais ou fictícias.