CRÔNICA - A farsa na escola. Por Juliana Fernandes Gontijo.

— Ei, você não vai sair logo desse banho, Joana?

— Por quê, Pedro?

— E precisa responder?

— Ah… mano, aguenta aí!

— É o seu quarto banho hoje!

— Achei que fosse o quinto!

— Me erra, garota!

— Só mais um pouquinho.

— Já chega, irmã! Vou desligar o relógio lá na rua.

— Ah… para, mano!

— Sim, igual ao que papai fazia. Aí você termina de tomar banho frio.

Os dois discutiram por mais de meia hora enquanto Joana tomava banho.

— Não era para menos, depois de 35 minutos com o chuveiro ligado! Eu marquei no relógio, hein? Anda, porque isso aí já deve estar uma sauna. Só falta o cheiro de eucalipto.

— Já vou!

— Vai se arrumando, enquanto entro num pé e volto no outro. Você sabe que eu não demoro no chuveiro.

Ele tomou um banho rápido, até porque era impossível ficar no banheiro depois de tanto tempo de água “pelando a cacunda” como dizia a avó deles.

Joana, para se redimir com o irmão, arrumou-se rapidamente, mas estranhando a tal surpresa.

Em menos de 10 minutos, os dois saíram de casa e pegaram o carro. Ele foi dirigindo, pois colocou uma venda nos olhos de Joana.

— É só para eu ter a certeza de que você não vai tentar estragar tudo!

— O quê?

— Maninha, nós chegaremos rápido, certo? Mas não quero papo como você.

— Desculpa, Pedro. Você sabe que sou apaixonada por um banho quente, mesmo no calor.

— O problema é que está passando dos limites!

— Vamos mudar de assunto? Vou tentar diminuir o tempo do banho. Aonde vai me levar mesmo?

— Espero mesmo que diminua os banhos. A conta de luz está bem alta! Já disse que é sur-pre-sa!

— Pedro!

— Se eu contar, não vai ser surpresa.

— Já está chegando?

— Sim, Joana!

— Barulho de crianças? Na escola, mano? Hoje é sábado!

— Pode ser!

— Ah… não acredito que você me trouxe até a escola para comemorar meu aniversário aqui… É só na próxima semana, lembra?

Ele não respondeu. No entanto, pediu silêncio às crianças quando chegou ao auditório. Elas já estavam todas preparadas para a apresentação.

Muitos dos alunos de Joana queriam abraçá-la, mas o irmão não deixou:

— Depois, galerinha. Depois! Tomem seus lugares no palco.

Ele tirou a venda dos olhos dela. Joana ficou sem entender, porque estava sozinha na plateia:

— Por que não há alunos aqui? E os meus queridos, onde estão?

No entanto, já estava tudo programado. A diretora da escola convidou as 6 turmas do 2o. ano e várias professoras para assistirem à surpresa também. Quando o auditório estava cheio, as cortinas se abriram e 25 alunos, entre meninos e meninas, começaram em coro:

— Bom dia, querida professora, Joana! Nós te amamos! Hoje, vamos falar sobre conservação ambiental.

Joana, emocionada, com os olhos marejados, respondeu aos alunos:

— Eu amo vocês também, meus queridos!

Stela e Noa começaram a apresentação:

Escolhemos o dia de hoje, querida professora, para fazer uma homenagem no seu aniversário.

Ela, mais emocionada ainda, interrompeu:

— Não precisava, crianças. Vocês são meu futuro de ouro!

— Deixa os meninos continuarem, maninha. — Interrompeu o irmão.

Todos estavam todos muito bem ensaiados nas falas e iniciaram uma aula sobre conservação ambiental.

Com cartazes cheios de desenhos e letras de próprio punho, as crianças davam dicas sobre sustentabilidade:

— Vamos fazer uma horta no fundo da escola, Joana? Assim vai ter verdura fresquinha na hora do almoço. — Falou Pérola.

— Eu vou juntar as garrafas PET em casa e doar para um moço que passa na porta da minha casa. Ele disse que leva para reciclar. — Disse Ravi.

— Falei com minha mãe que não pode deixar o cocô do Fred na calçada do vizinho. Tem que colocar o cocô do “doguinho” dentro da sacolinha de papel e jogar na lixeira. — Gritou João escondido atrás da cortina.

Os alunos, um por um, iam dando as mais variadas dicas sobre o meio ambiente com pequenos exemplos que viam em casa ou na convivência da escola. Joana ficava cada vez mais orgulhosa.

Mas, de repente, os 25 alunos novamente entraram em cena a fim de mostrar a última parte da apresentação. João não estava no meio deles. As meninas entraram de touca de banho na cabeça com uma grande bucha vegetal nas mãos. Os meninos chegaram com uma toalha enrolada sobre o uniforme e uma caixa grande escrito “sabonete”.

Elas iniciaram o diálogo:

— Todos nós gostamos de um banho quentinho, não é verdade?

— Sim, tomar banho é tão gostoso, mas não podemos demorar muito debaixo do chuveiro. — Responderam os meninos.

Ao ouvir isso, Joana se estremeceu. Voltou em sua cabeça a discussão com o irmão sobre o banho demorado. Ela começou a ficar vermelha de vergonha.

As meninas continuaram a falar:

— Se demoramos no chuveiro, estamos gastando energia elétrica e água. Vocês sabiam que um dia a água pode faltar no planeta?

Eles concluíram:

— Economizar água e energia elétrica faz parte da conservação do meio ambiente. Se todas as pessoas economizarem água, ela nunca vai faltar. Também não vamos ficar sem luz.

Todos saíram de cena e as cortinas começaram a se fechar, até que João entrou correndo e disse:

— A minha mãe falou que, se a gente economiza água e luz, a conta vem mais barata e ainda sobra dinheiro p’ra comprar mais comida e colocar na geladeira.

As cortinas se fecharam e todos aplaudiram a apresentação das crianças do 2o. ano.

Pedro estava feliz com a lição que Joana havia recebido. Nem ele imaginara tamanha repercussão da apresentação para aquelas crianças. Agradecido pela ajuda da escola, ainda assistiu a irmã chorando, talvez, de alegria, surpresa ou até mesmo de vergonha em frente aos seus alunos.

— Hoje, eu me sinto a mais envergonhada de todas as pessoas que estão aqui. Logo eu, que sempre ensinei as crianças sobre a importância da conservação ambiental, tomei o quinto banho. Mas este banho foi de conscientização sobre não demorar mais debaixo do chuveiro, algo que tanto faço. Que vergonha! Sim, nós professores aprendemos muito mais do que ensinamos! Obrigada, meus queridos, por aprender com vocês! Esta será uma lição que levarei para o resto de minha vida!

Imagem gerada por IA (Google) / licença Creative Commons.

Juliana Fernandes Gontijo é jornalista por formação e atriz. Uma redatora apaixonada pela escrita criativa, cultura de maneira geral, que ama escrever, contar histórias reais ou fictícias.