CRÔNICA - À espera do voo. Por Juliana Fernandes Gontijo.

Aquela seria a viagem dos sonhos de Michele. Afinal, não é qualquer pessoa que ganha um presente “desses” de um amigo. Ela recusou por tantos anos, uma vez que não tinha dinheiro para conhecer a Dinamarca.

Leila sempre lhe dizia:

— Venha passar alguns dias aqui comigo. Você vai ficar hospedada na minha casa e não se preocupe com as despesas. É só tirar o passaporte. Na Dinamarca, não precisa de visto para brasileiros.

A amiga se desculpava com frases do tipo:

“Daqui a um tempo eu vou, porque agora a faculdade está muito apertada.” “Este ano, estou trabalhando bastante para pagar o carro”. Outras vezes, a desculpa era as prestações do apartamento novo.

E assim, Michele ia disfarçando os problemas financeiros, pois não gostava de falar sobre sua situação particular com outras pessoas e nem com a amiga de infância.

Ela estava com o financiamento do carro e do “apertamento”, pois já havia concluído a faculdade de Filosofia e, mesmo assim, negava o convite o quanto podia.

Quando, finalmente, decidiu ir para a Dinamarca, pensou que lá poderia ser um trampolim para outro país, mas preferiu não comentar a situação com outras pessoas. A ideia era manter silêncio para a inveja alheia não atrapalhar seus planos.

Foram três meses de preparativos, desde a emissão do passaporte até a compra das passagens na Europa pela amiga Leila. Adquiri-las fora do Brasil saía mais barato, ainda mais por ser em baixa temporada. A amiga conseguiu uma promoção daquelas que não aparecem todos os dias.

Michele estava radiante porque as despesas não ficariam tão altas e ainda conseguiu reservar um dinheiro extra para comprar umas lembrancinhas prometidas à família.

Naquele tempo, ainda era possível levar mais bagagem nas malas, logo ela não se preocupou muito. Como seu intuito era talvez ficar por mais tempo na Europa, colocou roupas e sapatos que pudesse utilizar por, ao menos, um mês. O combinado com a amiga era de ficar 20 dias, mas a sua programação pessoal seria para 30. Ainda passaria por outros países para pensar em algo que pudesse mudar a sua vida.

Com os preparativos, as amigas se falavam todos os dias e Leila dava dicas de como se comportar no aeroporto, na alfândega. Falava sobre o cuidado que Michele deveria ter com as malas, o que poderia evitar qualquer problema de trocas de bagagens ou pequenos furtos, tão comuns nos tempos de hoje.

O grande dia chegou! Ela estava radiante. Seria a primeira vez em um voo internacional, cerca de 17 horas até Copenhague e assim chegar ao encontro da amiga de infância que não via pessoalmente há mais de 15 anos.

Despediu-se da família, dizendo que, em menos de um mês, estaria de volta. Na verdade, 30 em sua programação pessoal.

No trajeto, o pneu do carro de aplicativo furou e, como já estava um pouco atrasada, interrompeu a viagem ali e tomou um táxi.

Chegou ao aeroporto com alguns minutos de atraso, mas dentro da sua previsão. No balcão da companhia aérea, fez o despacho das malas e a conferência de check-in das passagens.  Foi rapidamente para a sala de embarque, porque, em menos de 2 horas, o avião iria decolar.

Comeu parte dos aperitivos que levou para a viagem, tomou um suco, passeou pela loja de conveniência até o início da chamada de embarque. Ao escutar o anúncio do número do voo, dirigiu-se à fila e estranhou alguns policiais perto do portão.

Quando abriu a bolsa a fim de pegar os documentos, um policial federal a abordou com tanta rispidez que ela logo se assustou:

— A senhora está presa por emissão de passaporte e passagens falsas.

— Não, não! Isso só pode ser brincadeira! É um engano. Entrei no site da companhia aérea, o antivírus demonstrou ser um link seguro.

— Mostre logo seus documentos pessoais e a senhora será encaminhada para as dependências da Polícia Federal.

— Sou inocente!

— Todos dizem isso. A senhora ainda tentou burlar a segurança com produtos inapropriados para o tráfego aéreo, como objetos cortantes e explosivos, mesmo sabendo da proibição.

— Eu? — Gritou a mulher. — Como assim? O alarme nem apitou!

— Anda logo! — Diz o policial, movimentando-se para algemá-la. — Terá direito apenas a um telefonema para alguém da família ou seu advogado.  Ele continua a gritar:

— Senhora…

— Michele de Oliveira Diniz? — Fala um rapaz, enquanto cutuca o braço da amiga de Leila.

— Sim, sou eu! Eu não falsifiquei documentos! Eles são verda… — Grita, assustada ao acordar.

— Calma! — Interrompeu o rapaz. Li seu nome na passagem. Você já estava dormindo há quase uma hora, mas é a última chamada do seu voo com destino à Dinamarca. Não vai querer perder a viagem, vai?

— Meu Deus! Que pesadelo foi esse! Não vai acreditar! Pode me ajudar? Vou me lembrar de você para o resto da minha vida. Muito obrigada! Qual é seu nome mesmo? — Disse Michele, desesperada.

— Diogo. Sim, ajudo você! Não vai perder seu voo, só porque caiu no sono, jamais! — Disse ele sorrindo.

Ela e o rapaz que nunca havia visto na vida saíram correndo até o portão de embarque. Por 10 segundos, a moça perderia o voo que mudaria de vez a sua vida.

Imagem: Jan Vašek por Pixabay.

Juliana Fernandes Gontijo é jornalista por formação e atriz. Uma redatora apaixonada pela escrita criativa, cultura de maneira geral, que ama escrever, contar histórias reais ou fictícias.