COMUNICANDO NO TERCEIRO SETOR - O coronavírus e os funcionários invisíveis dos hospitais.

No dia 18, tomei sorvete em uma loja de shopping. Peço a quem está de quarentena que me perdoe, mas precisava pensar e engolir todos os sentimentos que andam me atormentando durante os últimos dias.

Demorei um bom tempo para terminar a coluna de março, o que só aumentou a minha aflição. Cheguei a escrever, há alguns dias, um artigo sobre lugar de fala e o politicamente correto, e o texto parecia promissor, porém algo não estava certo, não se encaixava. O que? A resposta, à qual não cheguei facilmente, foi de que ele não representava o meu atual interior.

Foi enquanto tomava o gelado de pistache que minha aflição finalmente deixou de ser uma nuvem e virou palavras.

Como tenho a rotina de ler notícias, acompanho a Covid-19 desde o final de dezembro, o começo. Por mais de dois meses, mantive a calma, tranquilidade e racionalidade, isso até ela chegar ao Brasil. A doença está mexendo com o psicológico de muitos, porém é um pouco diferente quando você está 10 horas por dia dentro de um ambiente hospitalar. Não sou enfermeira e nem médica, não toco os pacientes – mas cruzo com eles nos corredores –, almoço lado a lado com profissionais que atendem diretamente essas pessoas e que nem sempre higienizam as mãos ou tiram a roupa privativa para se alimentar no refeitório; utilizo o mesmo banheiro que alguns, trabalho perto de um setor crítico, e não tenho máscara. Não há máscaras para todos. Não há para os setores administrativos e nem para os de apoio. E isso, infelizmente, não é uma exclusividade de onde estou, a demanda é intensa e nem todos os locais conseguem encontrar fornecedores com estoques do material. Sobram eu, o álcool gel e, quando possível, o metro de distância.

E se as fake news sobre o tema circulam livremente entre toda a população, as falas alarmistas de ‘um futuro e inevitável apocalipse da humanidade’ chegam primeiro aqui. É difícil se manter lúcida em meio a esta tormenta.

São tempos muito complexos e difíceis para todos nós. Com certeza, a humanidade sobreviverá a mais este baque, afinal não é a primeira pandemia que vivemos, mas haverá perdas e cicatrizes. Ciente disto, é praticamente impossível se manter inerte. Acredito que tudo bem eu estar me sentindo assim e tudo bem se você estiver também; às vezes é preciso chorar.

Novamente, desculpem pelo meu sorvete não essencial. Pelas próximas semanas, foi o último.

Em Tempo: aproveito para deixar meu apoio e desejos de saúde, luz e força para todos os profissionais da área da saúde, tanto os assistenciais, como auxiliares e técnicos de enfermagem, enfermeiros e médicos, quanto os dos demais setores (perdoem-me se esquecer algum): higiene, CME, manutenção, engenharia clínica, nutrição, copa, cozinha, controladoria de acesso, segurança, contabilidade, SAC, glosas, agendamento, comercial, relacionamento médico, laboratórios e exames, marketing, comunicação, assistência social, jurídico, recursos humanos, recepção, tecnologia da informação, apoio, qualidade, compras, farmácia, faturamento, financeiro, repasse médico, almoxarifado, filantropia, SESMT, banco de sangue, telefonia, secretarias e lavanderia.

Larissa Maschio é jornalista formada pela UNESP e pós-graduada em Gestão da Comunicação Integrada pelo SENAC-SP. Desde 2012 no mercado de trabalho, já atuou nas áreas de comunicação e marketing da Fundação Abrinq, GRAACC, Sicoob Santa e dois hospitais filantrópicos; Sepaco e Stella Maris.