COMUNICANDO NO TERCEIRO SETOR - Funcionários de ONGs e a difícil tarefa de não 'somatizar' as experiências do trabalho.

No mercado de trabalho, já atuei em ONGs e instituições filantrópicas, e percorrendo esses caminhos encarei diversas vezes algumas daquelas realidades as quais uma parcela considerável da população só assiste pela tela do computador ou da televisão e que, possivelmente, serão esquecidas no próximo ‘plim-plim’ ou na notícia ‘chocante’ seguinte.

Sendo a profissional responsável pela comunicação desses contextos, meu trabalho era traduzir cenários reais em histórias bem contadas para os públicos das organizações sociais. Assim, por exemplo, conversei com mães ‘invisíveis’, que com vários malabarismos, salários mínimos – ou até abaixo – e Bolsa-Família, sustentam sozinhas seus filhos em casas de cômodo único, estas à beira de esgotos a ‘céu aberto’, em ruas ‘de terra’ e longe de serem esquecidas, pois nunca foram sequer notadas. Também vi de perto crianças lutando contra subnutrição extrema e câncer. Do mesmo modo, tive acesso a jovens deficientes, vítimas de maus-tratos e tantas outras realidades difíceis de serem compreendidas.

Como ser humano, cada um desses momentos foi impressionante e trouxe algum tipo de dor e reflexão.

Diversas instituições, sejam ONGs ou empresas, exigem de seus profissionais a habilidade de saber separar ‘pessoal’ e ‘profissional’, o que implicitamente pode significar o interesse dos gestores no rendimento máximo de sua equipe sem a influência negativa de ‘humanidades banais’ para a organização, mas relevantes para os indivíduos. Porém, no caso de ONGs, essa divisão pode ser um bom conselho. Não que os funcionários devam esquecer a importância de seu trabalho e as pessoas afetadas positivamente por ele, mas é fundamental àqueles atuantes nesses espaços encerrar o expediente no local, isso em prol da própria saúde.

Desenvolver estratégias para conseguir fragmentar mentalmente preocupações e sentimentos é árduo, mas é necessário. Infelizmente, há no mundo muita desigualdade e inúmeros cenários horripilantes; preocupar-se em investir o seu melhor em cada atividade desempenhada para beneficiar a sociedade e a realidade daqueles que sofrem é um dever, entretanto compreender o valor da distinção das emoções sentidas durante a atuação profissional do restante da vida também deve ser um compromisso, pois apenas uma pessoa mentalmente saudável consegue ser forte e encarar seus desafios, sejam eles pessoais ou profissionais.

Meu avô materno Alfeu, o qual cuidou de mim como um pai, faleceu de câncer em 2009. Quando cinco anos depois, em 2014, comecei a trabalhar em uma organização de atendimento a crianças e adolescentes com câncer, lembro de elogios recebidos à minha ‘postura profissional’, visto que normalmente os ‘novatos’ sentem muita tristeza ao ver pessoas tão jovens e inocentes nessa situação. Mas, acredite, o que menos crianças passando por momentos como esse precisam é ver adultos sentindo pena delas, isso só pioraria o quadro. Ou seja, pelos ‘pequenos’, seus familiares e também por mim, o melhor era – e é – vê-las como pessoas, não doentes – ou, pior, ‘coitadinhos’.

Dessa organização adquiri vários aprendizados e um dos mais importantes foi ver pessoas acima de quaisquer adjetivos ou advérbios. Àqueles que estiverem lendo e se depararem com situações semelhantes, aconselho o mesmo. Talvez com essa ‘dica’ seja menos complexo lembrar que emoções devem ser sentidas e respeitadas, entretanto não devemos nos esquecer de cuidar de nós para cuidar dos outros.

Larissa Maschio é jornalista formada pela UNESP e pós-graduada em Gestão da Comunicação Integrada pelo SENAC-SP. Contato: maschiolarissa@gmail.com