COMUNICAÇÃO NA ESTANTE - Nem só de Turma da Mônica e Tio Patinhas é feito o universo dos quadrinhos. Por Carolina Bessa.

Como as HQs incentivam a leitura e trazem diversidade  – e os desafios de  furar “a bolha”.

Entrevista com Cassius Medauar, gerente editorial da Conrad.

Na minha infância eu tinha dezenas de “revistinhas”: diversos Tios Patinhas, Luluzinha, Almanaque da Turma da Mônica… Depois, eu adorava as tirinhas de Laerte, Glauco e Angeli. Eu lia Lobato, Lygia Bojunga Nunes, J. M. Simmel, João Carlos Marinho, Júlio Verne… E adoro ainda os quadrinhos, mas, confesso que os deixei de lado, não lembro em que momento. Acho só que fui crescendo e achando que isso era coisa de criança. “Quando me perguntam se quadrinhos é coisa de criança, respondo que também são coisas de criança, mas não só”, diz Cassius Medauar, gerente editorial da Conrad, meu entrevistado de hoje.

Cassius é um dos poucos editores especializados na área no Brasil (há ótimos editores do segmento, mas, em proporção aos profissionais que editam outros gêneros literários, temos um universo ainda reduzido). Passou por editoras como a JBC, trabalhando com os icônicos “Cavaleiros do Zodíaco”, entre muitos outros mangás que hoje são uma coqueluche nacional. Jornalista de formação, ele é um apaixonado pelo gênero que, como ele mesmo diz, todo editor da área é.

Nessa conversa, ele nos conta os desafios de trabalhar neste segmento e como é ainda difícil chegar a um público mais amplo – aquele que, como eu, deixou em algum momento de ler quadrinhos ou aquele que nunca leu uma HQ. Cassius também mostra que quadrinhos podem incentivar o gosto pela leitura, tanto como porta de entrada para exercitar o hábito, quanto podem provocar a reflexão, a absorção de conhecimento e nos conectar com o mundo (como qualquer outro gênero literário). “Há quadrinhos de todos os tipos, formas, profundidade, mais ou menos artísticos, históricos e por aí vai. Por serem como são, texto e arte em perfeito amálgama, tem um enorme apelo para qualquer faixa etária, podendo ser uma enorme ferramenta de incentivo à leitura”, destaca.

Se o futebol tem muitos apaixonados, o segmento de quadrinhos também os tem. É um nicho com uma comunidade grande e muito engajada. Como profissional de comunicação e marketing, sempre vi aí um case de “sucesso”: a interação com e a criação de comunidades – que é um desafio imenso, ainda hoje, para diversos outros nichos. Nos quadrinhos já é uma verdade estabelecida. Nesse segmento, autores e editores são influencers (o Cassius é um deles!) e têm um papel fundamental na divulgação das novidades da marca editorial. “Os editores, ou mesmo as equipes editoriais, se envolvem muito com estratégias de marketing e comunicação devido à especificidade dos produtos. Como os leitores são, em geral, apaixonados, querem saber da trama, do autor, de temas relacionados, do formato, de como foi o trabalho para publicar aquela HQ, dos planos futuros etc. Quem trabalha com HQs, em geral, também é um apaixonado e, por isso, os leitores se sentem muito mais próximos da editora ao perceber esse envolvimento do editor nas comunicações”, conta ele.

Outra diferença desse nicho: o leitor sabe o nome da editora que publica ou que vai publicar tal título, espera seus anúncios com animação, muitos leitores são quase embaixadores orgânicos das editoras. Ao contrário de outros gêneros dos quais o leitor ainda vai perguntar na livraria: – Qual é aquele livro da capa azul, do fulano de tal? Isso porque o consumidor final, com algumas exceções (também de nichos como Young Adult e Romantasia), segue com afinco publicações de determinada editora. Ou seja, as HQs  são um gênero peculiar  do mercado editorial, no entanto, por essas especificidade, elas enfrentam um outro obstáculo: “furar a bolha” dos fãs e alcançar mais amplitude de leitores, além de contar com profissionais de comunicação e marketing especializados na área. É bem verdade que os mangás são um fenômeno, por exemplo, mas eles ainda são vistos como destinados para o jovem ou nerd. Convido você a ler a entrevista e aprender mais sobre esse universo – quem sabe não se anima a trabalhar nesse mercado?.

Obs: Em minha defesa, retomei a leitura de HQs e, hoje, sou uma curiosa e entusiasta da área. Fico olhando o que ela pode nos trazer de novidades e tendências. Aliás, num momento em que muitas organizações estão descontinuando seus programas de diversidade, no mercado editorial, sobretudo, nos quadrinhos, a diversidade só tende a crescer. Para Cassius, ela veio para ficar.

– Qual a diferença do trabalho de marketing e comunicação para o segmento de quadrinhos em relação aos demais gêneros do mercado editorial?

Cassius Medauar –  Acredito que no básico do dia a dia o trabalho é o mesmo: divulgar os lançamentos para o público já leitor de quadrinhos e tentar chegar também aos outros leitores que não estão acostumados a ler quadrinhos, conseguindo visibilidade e tentando não ser soterrado pelos algoritmos.

A diferença é que as HQs têm um público bem específico, que podemos até comparar com os fãs de futebol: tem leitores que são “torcedores” de editoras, alguns que só compram de uma ou que simpatizam mais com uma ou duas editoras, por exemplo. Também são apaixonados por formatos e acabamentos –  e sempre discutem isso em relação aos preços. E, é claro, há um vocabulário e nomenclatura específicos que os leitores entendem e esperam ver nas comunicações. Tudo isso torna o marketing e a comunicação do mercado de HQs desafiadores.

– Por que existem poucos profissionais de comunicação e marketing especializados em quadrinhos e mangás (assim como editores)?

Cassius Medauar – Alguns fatores explicam isso. Primeiro, o tamanho do mercado que, apesar de estar em crescimento e nunca ter se lançado tantas HQs no Brasil quanto hoje, a cena dos quadrinhos no país ainda pode ser considerada pequena. A grande maioria das editoras ainda são pequenas e com pouco orçamento, não tendo assim budget para marketing, por exemplo. Em segundo lugar, além disso, por ser muito específico, é difícil encontrar pessoas que já entendam de HQs e queiram trabalhar na área ou que queiram aprender. Por último, existe também o mesmo problema do mercado editorial como um todo; muitas editoras ainda não compreendem a importância do marketing e da comunicação para seu negócio, já que, na maioria das vezes, os resultados não são palpáveis ou evidentes a curto prazo.

– Quais são os desafios para bom marketing e boa comunicação para este segmento?

Cassius Medauar – Retomando o que falei na primeira pergunta, também temos os mesmos desafios dos profissionais do mercado editorial como um todo: conseguir aparecer em um mundo em que tudo é muito fugaz e comandado por algoritmos; enfrentar a falta de um orçamento decente; conseguir encontrar canais eficazes que falem com o nosso público.

Ainda é bom conseguir matérias em jornais e revistas, mas, isso vale mais para projeção da marca da editora do que para ajudar nas vendas. Além disso, acho que o maior desafio específico do segmento é furar a bolha de quem já lê HQs e chegar a quem já leu e parou ou aqueles que nunca leram e a outros leitores que acreditam que quadrinhos são apenas para crianças (isso nunca foi verdade)..

– No caso dos quadrinhos e mangás, os editores se envolvem muito mais no alinhamento de estratégias de marketing e comunicação e, muitas vezes, até são os próprios editores que fazem este papel. Isso se deve à escassez de profissionais de marketing para este segmento ou também é mais natural em função do tamanho das editoras (que costumam ser de pequeno porte)?

Cassius Medauar –  As duas coisas são verdade. É natural pelo tamanho das editoras, pela falta de profissionais especializados e também pela falta de dinheiro. Mas não é apenas por isso. Os editores, ou mesmo as equipes editoriais, também se envolvem muito com estratégias de marketing e comunicação, devido a especificidade dos produtos, como os leitores, em geral apaixonados, que querem saber da trama, do autor, de temas relacionados, do formato, de como foi o trabalho para publicar aquela HQ, dos planos futuros etc. A isso se soma a geração de influencers e o universo das redes sociais, no qual todos precisam ser um pouco influenciadores – ou seja, os leitores adoram saber de tudo isso da boca dos próprios autores ou editores. Quem trabalha com HQs, em geral, também é um apaixonado e, por isso, os leitores se sentem muito mais próximos da editora ao perceber esse envolvimento do editor nas comunicações.

– O que podemos apontar como tendências na área de quadrinhos, as quais os profissionais interessados em se especializar devem prestar atenção?

Cassius Medauar – Essa resposta é difícil, pois as tendências mudam em uma velocidade assustadora atualmente, não só para os quadrinhos, mas para o mercado editorial como um todo. No entanto, eu diria que a diversidade é algo que veio para ficar e vai se manter. Outro ponto a destacar são as publicações (ou até mesmo a publicação pela primeira vez) de clássicos e também, cada vez mais, as edições de luxo voltadas para colecionadores.

– Os quadrinhos são considerados um gênero menor (digo com menos prestígio do que literatura etc.)?

Cassius Medauar –  Muitas pessoas aqui no Brasil ainda acham que as HQs são um gênero menor, pois acreditam que é coisa de criança. O que sempre respondo é que “também são coisas de criança, mas não só”. Há quadrinhos de todos os tipos, formas, profundidade, mais ou menos artísticos, históricos e por aí vai. Por serem como são, texto e arte em perfeito amálgama, tem um enorme apelo com qualquer faixa etária, podendo ser uma enorme ferramenta de incentivo à leitura.

Carolina Bessa é jornalista graduada pela Cásper Líbero, especialista em Marketing e Comunicação para o mercado editorial e Educação. Atuou em editoras como Gente, Grupo Editorial Pensamento e Companhia das Letras, além de agências como Inpress Porter Novelli e Ogilvy. Colabora com players do mercado de livros nas áreas de comunicação e conteúdo.