COMUNICAÇÃO NA ESTANTE - A coqueluche “Café com Deus Pai” e o mercado de livros devocionais e religiosos: crescendo e fazendo bons barulhos. Por Carolina Bessa.

Um segmento que nunca cai de moda e para o qual ninguém deve torcer o nariz.

Entrevista com Fernando Garcia, gerente da Thomas Nelson Brasil.

A Bíblia é um dos livros mais vendidos de todo o mercado editorial, mas a “literatura religiosa” vai muito além dela! A começar pela nomenclatura, há diferenças entre literatura religiosa (obras que contemplam várias religiões) e literatura cristã ou evangélica. Esse é um segmento que cresceu muito nos últimos anos e a tendência é continuar crescendo e ganhando relevância e atraindo olhares. Não à toa, a concorrência também está aumentando: recentemente o Grupo Editorial Alta Books anunciou a compra da Fonte Editorial, estreando sua atuação no nicho.

Para um overview desse universo nada desprezível, os livros desta categoria cresceram 6% em faturamento segundo a pesquisa “Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro em 2022”, com mais de 48,6 milhões de exemplares produzidos, e a variação positiva no preço do livro foi de 7,4% – um resultado acima da inflação do período. “Estima-se que, até 2032, o número de evangélicos ultrapassará o de católicos no país e isso gradativamente tem sido percebido no nosso mercado. Além disso, o cristão tem sentido a necessidade de se aprofundar mais na palavra, seja por meio da Bíblia ou dos livros de teologia”, diz o meu entrevistado de hoje, Fernando Garcia. Expert nesse segmento, Fernando é gerente comercial do selo Thomas Nelson Brasil e acompanha de perto essa performance positiva. Por conta desse cenário, por exemplo, a Thomas Nelson decidiu investir em um estande único na Bienal do Livro nas últimas edições (antes o selo Thomas Nelson tinha um espaço dentro do estande da HarperCollins, grupo do qual faz parte). Embora  a Bienal do Livro não seja um evento específico do público cristão, o selo viu seu estande lotar e o público sair de sacolas cheias, sinal de que o investimento e o tiro foram certeiros.

Embora as livrarias especializadas e as igrejas e templos religiosos ainda sejam fundamentais para as vendas do setor, os canais de distribuição têm se diversificado. “O selo cresceu muito nos últimos cinco anos, e o grupo HarperCollins já vinha entendendo e sentindo a necessidade de se comunicar com o público cristão de forma independente. O leitor de livros cristãos está em todo lugar e não somente nas livrarias especializadas como no passado”, diz Fernando. Por isso, trabalhar a comunicação e o marketing desse segmento também é muito desafiador, com especificidades bem diferentes dos gêneros de ficção adulta, young adult, romantasia, negócios etc. Mesmo com o rejuvenescimento do público consumidor, trabalhar esses títulos e fazer com que sejam conhecidos não é tão simples quanto parece e ainda faltam dados e números específicos para compreender melhor o nicho. “Nosso mercado ainda está entendendo melhor a importância das ações de marketing além dos preços agressivos, principal tônica até então. Hoje, o mercado entende a importância de fidelizar o cliente de outras formas, seja com uma entrega mais rápida, um brinde específico, e assim por diante. O preço tem deixado de ser o foco”, completa Fernando, que ressaltou também, durante a nossa conversa, que o fenômeno “Café com Deus Pai” impulsionou o crescimento das vendas do segmento e fez com que muita gente olhasse esse universo de outra maneira. “Vejo que este livro não teve tanta influência no crescimento das vendas no mercado cristão quanto teve (e tem) no mercado secular. Essa foi a grande diferença na minha visão. E, quando vemos um livro cristão na lista dos mais vendidos do mercado geral, devemos comemorar”, avalia.

Veja abaixo o que será tendência (ficção cristã, sem dúvida, segundo meu querido entrevistado), quais as características desse mercado e quais as habilidades um profissional deve ter para atuar nessa área.

Boa leitura!

– Por que o público de livros religiosos cresce tanto no Brasil?

Fernando Garcia – O crescimento está diretamente ligado ao aumento de cristãos no país. Só para ter uma ideia, estima-se que, até 2032, o número de evangélicos ultrapassará o de católicos no Brasil e isso gradativamente tem sido percebido no nosso mercado. Além disso, o cristão tem sentido a necessidade de estudar e se aprofundar mais na palavra, seja por meio da Bíblia ou dos livros de teologia, por isso as vendas de livros desse segmento crescem ano a ano, além, é claro, das vendas de bíblias em geral.

– O selo Thomas Nelson, de dois anos para cá, ganhou um estande exclusivo nas Bienais do Livro. A que se deve este crescimento? O próprio fenômeno do “Café com Deus Pai” contribuiu para o crescimento deste mercado, que já vinha em curva ascendente antes disso?

Fernando Garcia – O selo cresceu muito nos últimos cinco anos, e o grupo HarperCollins já vinha entendendo e sentindo a necessidade de se comunicar com o público cristão de forma independente, mesmo a Bienal não sendo um evento específico para isso (na teoria, é claro), pois, na prática, os resultados foram muito melhores do que imaginávamos. O leitor de livros cristãos está em todo lugar e não somente nas livrarias especializadas como era no passado. Com relação ao sucesso do “Café com Deus Pai”, vejo que ele não teve tanta influência no crescimento das vendas no mercado cristão quanto teve (e tem) no mercado secular. Essa foi a grande diferença na minha visão. E, quando vemos um livro cristão na lista dos mais vendidos do mercado geral, devemos sim comemorar. Livros devocionais não são novidade no mercado evangélico, pois existem vários livros que vendem muito bem há muito tempo, antes até do que o “Café”, mas devemos sim mencionar que o sucesso dele ajudou bastante a impulsionar as vendas de todos os demais livros do segmento. Não há dúvidas quanto a isso.

– O público que consome livros religiosos é mais adulto ou mais jovem?

Fernando Garcia – Há pouco tempo poderia dizer que eram os adultos quem mais compravam livros desse nicho, no entanto, com a chegada da ficção cristã no mercado, o público mais jovem tem tido uma participação grande. E novos leitores são sempre bem-vindos. Além disso, o público mais jovem também tem procurado bastante bíblias em versões que falam a língua deles, como no caso da NTLH (nova tradução na linguagem de hoje).

– Podemos chamar, aliás, de literatura religiosa?

Fernando Garcia – O termo literatura religiosa se refere a algo mais amplo, que contempla outras religiões. Os termos literatura cristã ou literatura evangélica se encaixam melhor.

– No que ela difere dos demais gêneros como autoajuda, autoconhecimento, por exemplo? E em que ela se assemelha com esses outros segmentos citados?

Fernando Garcia – A literatura cristã é muito diversificada hoje em dia, falamos de livros de ficção, não ficção, autoajuda e até livros policiais. A grande diferença é que Deus é o centro de tudo, no começo, meio e fim, seja de forma sutil ou mais explícita. Por exemplo, num livro policial, o detetive é cristão; num romance adolescente, a menina se apaixona pelo garoto mais popular da escola, e os dois são cristãos e seguem os valores e os ensinamentos da Bíblia – e assim por diante.

– Quais são os desafios de se trabalhar com este segmento?

Fernando Garcia – O grande desafio desse mercado é o acesso a números e dados para podermos mapear melhor o que acontece com ele. A pandemia melhorou esse cenário de forma geral, pois muitas livrarias tiveram que migrar para o meio online e, com isso, entender a importância dos metadados, curvas e venda e melhorar as estratégias de venda.

– Como criar estratégias para canais de vendas e como divulgar esse segmento? Há diferenças, por exemplo, em relação ao trabalho de marketing de influência que se faz para outros segmentos?

Fernando Garcia – Nosso mercado ainda está entendendo melhor a importância das ações de marketing além dos preços agressivos que sempre foram sua tônica. Todas as ações comerciais e de marketing sempre foram voltadas ao preço mais baixo e isso deixou de ser saudável. Hoje, o mercado entende a importância de fidelizar o cliente de outras formas, seja com uma entrega mais rápida, um brinde específico e assim por diante. Entende também a importância de manter uma margem saudável para seu negócio. O preço tem deixado de ser o foco. Pastores e igrejas têm um papel importante para divulgar os nossos livros, sejam eles livros de teologia, literatura ou com as nossas bíblias. Recentemente, temos também  as influencers cristãs aparecendo mais, justamente na divulgação dos livros de ficção cristã.

– O que é preciso para ser um profissional do mercado editorial nesta área?

Fernando Garcia – Para um profissional de vendas é sempre importante conhecer o mercado no qual atua. Mas, para mim, começar a estudar a história do cristianismo e um pouco de teologia fez a diferença. Outro ponto é entender que para muitos clientes o propósito de disseminar a palavra de Deus é mais importante do que comprar muito ou pouco. Muitas vezes, as negociações são conduzidas de formas bem diferentes do que somente oferecer descontos ou prazos atraentes.

Quais as tendências deste segmento hoje?

Fernando Garcia – A principal tendência sem dúvida alguma é a ficção cristã. É um mercado ainda em expansão com potencial de crescer muito pelos próximos dois anos. Além disso,  apostaremos nas “bíblias ultra luxo”, ainda pouco exploradas no Brasil. As bíblias que mais vendem no mercado em geral são as bíblias mais baratas, (que chamamos de bíblias de evangelização), porém, a Thomas Nelson tem se consolidado nas de médio custo, pois entregam qualidade a um preço ainda acessível. Já as “ultra luxo” não estarão focadas em preço, mas sim em acabamento como couro legítimo e outros destaques exclusivos, fazendo com que seja um item para guardar e utilizar por toda a vida.

Imagem: Freepik.

Carolina Bessa é jornalista graduada pela Cásper Líbero, especialista em Marketing e Comunicação para o mercado editorial e Educação. Atuou em editoras como Gente, Grupo Editorial Pensamento e Companhia das Letras, além de agências como Inpress Porter Novelli e Ogilvy. Colabora com players do mercado de livros nas áreas de comunicação e conteúdo.