COLOCA NA RODA - Jornalismo: o sonho ainda vive ou se transforma?

Em sua essência vital, o jornalismo é uma profissão movida pela função social. Estudamos e aprendemos sobre a importância de ‘enfiar os pés na lama’, de ouvir o outro em suas singularidades e não esquecer de máximas como a do jornalista George Orwell que diz que ‘Jornalismo é publicar aquilo que alguém não quer que se publique. Todo o resto é publicidade’

Mas qual é o cenário que os jovens jornalistas encontram ao sair da universidade? O sonho de trabalhar em redações ainda vive, embora em tempos nos quais tais redações dos sonhos não existam mais. Ou melhor, existem, mas não são aquelas que vemos em filmes inspiradores como a do filme ‘Spotlight: segredos revelados’, que além do vencedor do Oscar de melhor filme é baseado em fatos reais. Vivemos em uma época de tantas transformações que, de fato, fica difícil sincronizar o ritmo entre a academia e o mercado.

As redações com suas urgências digitais propõem uma nova visão do mercado que também muda. É comum encontrar jornalistas que sequer passaram por algum grande veículo e neste ritmo da vida digital acabam migrando para áreas envolvendo marketing digital, produção de conteúdo e redes sociais. Neste caso, como falar de um sonho que nem chegou a se iniciar para essas pessoas?

Acredito que não estar dentro de uma redação tradicional não faz de ninguém, menos jornalista. O pior é trabalhar em um veículo e sentir que não se cumpre um propósito. O documentário ‘Mercado de Notícias’, do cineasta Jorge Furtado, é muito assertivo ao criticar essa relação do jornalismo que é feito para bater audiência e que muitas vezes se esquece do principal: a ética e o compromisso com o público. Infelizmente esse mercado é real. Hoje, já há veículos que se moldam no que as pessoas mais pesquisam no Google para elaborar as suas pautas. Neste contexto, como entender a relação do que é interesse público e função social do jornalista, transformada e submetida ao que dá mais audiência?

Apesar do cenário e das impressões que podem parecer pessimistas, o sonho ainda vive e revive em várias iniciativas. Jornais como o The Intercept, que, infelizmente no momento passa por uma série de ataques por conta do trabalho do jornalista e diretor do veículo, Glenn Greenwald, renovam as esperanças. Neste caso, o jornal divulgou uma série de materiais revelando mensagens secretas da Operação Lava Jato e desde então sofre represálias e ameaças do governo federal. Independente do caso, esse é um exemplo de jornalismo que incomoda e traz à tona a reflexão da função dessa atividade diante do público, da responsabilidade jornalística ao divulgar informações, do sigilo de fonte e da liberdade de imprensa.

Além do The Intercept, há um movimento de iniciativas como A Pública, A Ponte, Alma Preta, Nexo, Plural, e outros exemplos que, por meio de financiamento coletivo e outras alternativas ainda pensam no essencial: o jornalismo em sua essência. Obviamente essas iniciativas possuem desafios de sustentação econômica, mas é uma inspiração saber que há um caminho, seja para integrar esses coletivos ou criar novos projetos.

Nem tudo está perdido. Ainda há pessoas que usam o que aprenderam com o bom jornalismo para criar projetos no Terceiro Setor, na Educomunicação, na produção de conteúdo com jovens em situação de vulnerabilidade. O sonho não acaba. Ele se alimenta, se transforma, e assumir outras possibilidades para viver o jornalismo como um meio para algo construtivo não é deixar o espírito da coisa. É renovação.

A comunicação é um mundo de possibilidades e integrar habilidades, expertises e conhecimentos, seja para produzir conteúdos, escrever matérias jornalísticas ou usar esses conhecimentos para gerar impacto é dar continuidade aos sonhos.

Independente de rótulos profissionais, uma coisa é a que mais deveria importar: a ética no que se faz. Afinal, estar em um cargo dentro de um veículo reconhecido ou uma iniciativa com status sem propósito mantém os sonhos vivos? Ter a tranquilidade de desempenhar atividades profissionais que permitam um sono sem peso na consciência é algo que vale muito mais. De que lado você está? Coloca na roda!

Bruna Martins Oliveira é jornalista formada pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. É autora da monografia ‘O Transtorno Bipolar na perspectiva da mídia: uma análise do Paraná no Ar’. Tem experiência no jornalismo de rádio (Grupo Lumen de Comunicação), além de ter trabalhado como repórter freelancer na Secretaria do Esporte e do Turismo do Paraná e no jornal Gazeta do Povo.