BRANDING CONSCIENTE - 'Intel inside' & inovação. Por Patricia Rabello.

Pesquisando a estratégia de sustentabilidade da Michelin, encontrei o documento público chamado ‘Carta Desempenho e Responsabilidade’, que apresenta os valores da Companhia, conforme informações do texto. Muito bom entrar na vida de uma empresa pela porta da sustentabilidade, mesmo que à distância, ‘ouvindo’ atentamente as estratégias traçadas, imaginando os desafios enfrentados e as escolhas nem sempre fáceis para o equilíbrio das forças do triple bottom line.

‘No papel tudo é possível’, me dizia outro dia uma pessoa ligada ao fornecimento de licenças ambientais referindo-se ao RIMA (Relatório de Impacto no Meio Ambiente) de uma indústria que pretende se instalar próximo a Porto Alegre. Pois, ‘no papel’ – apesar de hoje tudo ser virtual – é também onde se firmam os acordos. É onde ‘se assina embaixo’, colocando-se um nome e uma assinatura de compromisso, de promessa de entrega de valor de uma marca, nesse caso, a assinatura de Édouard Michelin, antigo CEO da empresa.

Dentre todas as questões, RESPEITO AOS FATOS foi a que mais me chamou a atenção: Michelin afirma que ‘Quando um fato contradiz a teoria, fiquemos com o fato’. Imagino as implicações dessa afirmação, cujo valor está na observação imparcial, na manutenção da objetividade e honestidade intelectual como exigência – exigência! – acima de opiniões e prejulgamentos (texto quase literal do documento). Aliás, o texto todo que segue a citação é rico e cheio de mensagens subliminares incríveis e me imagino lá, observando o sentimento envolvido dos funcionários e as relações que se formam, imaginando se esse valor realmente acontece nas práticas cotidianas.

Me vem à mente o conceito relacionado a sujeito, objeto e a visão de mundo em cada uma dessas posições, mas não vou entrar nesse mérito muito profundo e rico, e não sei se consigo ir até lá. Parto para a ‘Teoria U’ (*) e o potencial que uma citação como a de Michelin pode influenciar na cultura de uma marca, no cultivo das condições para que as novas realidades realmente possam emergir e as inovações aconteçam.

‘[…] Fiquemos com o fato’ pressupõe uma abertura de mente, uma curiosidade que não opina, mas observa. Como reforça a ‘Carta’, é a ‘observação imparcial dos fatos acima dos prejulgamentos e das opiniões’ o passo inicial, um valor da empresa que correspondente à primeira fase dos processos de inovação, segundo a Teoria U. Nunca tinha visto um valor tão explícito nesse sentido, que não tem o foco no resultado (a própria inovação), mas a visão e abertura para tal, a ignição desse processo.

Indo adiante, ainda explicando o conceito de RESPEITO AOS FATOS, o texto afirma que ‘É ousar reconhecer que um problema existe e admitir a realidade do seu impacto, mesmo quando a solução não parece estar ao nosso alcance’ – e minha leitura é que, além de ‘abrir a primeira porta’ para que a inovação aconteça, a empresa propõe a descida de mais um ‘degrau’ no U, de aprofundamento, de deixar o coração aberto, de ‘ousar’ ver as questões com um novo olhar sem o cinismo de quem gosta de estar no controle.

Enfim, é muito bom entrar na ‘vida’ de uma marca por essa porta documental, analisando discursos em ‘cartas, políticas e códigos’: é uma forma de vislumbrar o que a empresa valoriza e compreender potências que podem levar o negócio ainda mais longe e ao reconhecimento de uma marca inovadora. Só resta mesmo saber se nesse sistema são incentivadas as práticas para que isso aconteça. Tomara!

(*) Teoria U – Em uma época de inúmeros fracassos institucionais, uma nova consciência aliada a uma capacidade peculiar de liderança coletiva tornase requisito essencial de sobrevivência. Inovador e reflexivo, este livro nos convida a ver o mundo sob uma ótica nova e fornece elementos para o desenvolvimento de uma liderança revolucionária. Em que prestamos atenção e como o fazemos é a chave para o que criamos. O que nos impede de prestar atenção às situações de forma mais eficaz é que não estamos plenamente conscientes e em contato com o lugar interior do qual a atenção e a intenção se originam. A isso o autor dá o nome de ponto cego. Ao passar pelo processo do U de Scharmer, acessamos conscientemente o ponto cego e aprendemos a nos conectar ao nosso autêntico Eu – a fonte mais profunda de conhecimento e inspiração – no reino do presencing, termo cunhado por Scharmer que combina os conceitos de presence (presença) e sensing (sentir). Com base em 10 anos de pesquisas e ações de aprendizagem e entrevistas com mais de 150 profissionais e líderes, Teoria U oferece uma rica diversidade de histórias e exemplos cativantes e inclui dezenas de exercícios e práticas que permitem que líderes e organizações desloquem sua consciência, conectem-se com sua melhor possibilidade futura e adquiram a capacidade de realizá-la. Fonte: Google Books.

Patricia Rabello é relações-públicas (PUCRS), com MBA em Branding (ESPM), profissional com experiência nos processos de gestão estratégica de sustentabilidade empresarial e em eventos, elaborando e coordenando campanhas, projetos e ações das marcas relacionados a indicadores de sustentabilidade relevantes para o negócio. Atualmente participa do processo de Certificação MetaIntegral (Consultoria e Facilitação baseada na Teoria Integral). (LinkedIn.com/in/patriciarabello/).