Uma reflexão baseada na história de uma das bolsas mais icônicas de todos os tempos
No dia 16 de julho de 2023, o mundo da moda perdeu uma de suas maiores musas inspiradoras. Jane Birkin foi possivelmente o primeiro fashion icon da modernidade. A atriz e cantora britânica ficou mundialmente conhecida na década de 1960, quando se tornou uma figura amada na França.
Jane inspirou a criação da icônica Birkin, a bolsa da Hermès que está entre as mais desejadas do mundo. Neste artigo, você conhecerá mais sobre essa história e como eu dificilmente acredito que ela se repetiria nos dias de hoje.
A história do nascimento da bolsa Birkin
A bolsa Birkin nasceu do encontro entre Jane Birkin e Jean-Louis Dumas, presidente e designer-chefe da Hermès, em um avião.
A sacola que Jane carregava arrebentou durante o voo e ela reclamou com Dumas que a bolsa Kelly (outro modelo famoso da marca, nomeado assim por causa de Grace Kelly) não comportava todos os seus pertences.
Jane pegou um saquinho de enjoo e desenhou uma bolsa maior, que ela pudesse deixar aberta e carregar tudo o que quisesse.
Assim nascia a bolsa Birkin.
A bolsa mais valiosa do mundo
As primeiras bolsas Birkin, batizadas desta forma em homenagem a Jane Birkin, foram lançadas em 1984, e desde então se tornaram um símbolo de status. Nos Estados Unidos, as bolsas custam entre US$ 10 mil (R$ 48 mil) e US$ 60 mil (R$ 289 mil), alcançando as inacreditáveis cifras de US$ 2,6 milhões (R$ 9 milhões) na bolsa Sac Bijou Birkin, lançada na coleção de 2012, com inspiração nas joias da Haute Bijouterie Collection e cravejada de 2.712 diamantes.
As listas de espera para os modelos mais raros podem se estender por meses ou anos, e as clientes que disputam essas raridades precisam ser convidadas pessoalmente para comprar uma Birkin pelos vendedores da grife. Ter uma bolsa Birkin vai muito além de querer e poder pagar.
Celebridades conhecidas por amar a Birkin Bag incluem Kate Moss, Jennifer Lopez, Victoria Beckham, Mary-Kate e Ashley Olsen e as irmãs Kardashian-Jenner, que, juntas, contam com dezenas de Birkins no closet.
Homenagem?
Em 2015, Jane Birkin escreveu uma carta à Hermès pedindo que tirassem seu nome dos modelos feitos com pele de crocodilo – entre os mais caros – em repúdio à crueldade contra os animais, motivada por um vídeo divulgado pela ONG ambiental PETA (People for the Ethical Treatment of Animals) sobre as condições das fazendas de crocodilos no Texas e no Zimbábue.
A Hermès até deixou de usar peles da fazenda do Texas, mas a solicitada mudança do nome não aconteceu, provavelmente em virtude de termos legais e financeiros estabelecidos previamente.
Segundo a Hermès, a marca pagava a Jane anualmente cerca de US$ 40 mil em royalties pelo uso de seu nome, devidamente doados pela musa para uma instituição de caridade de sua escolha.
A diferença de um acordo de licenciamento bem-feito
Eu sempre trago em meus conteúdos a visão de que marcas são os maiores ativos de uma vida ou de um negócio. Marcas pessoais de valor são passíveis de licenciamento, tal como Michael Jordan fez com a Nike na criação da linha Jordan.
De acordo com a publicação Front Office Sports, a marca Jordan, fruto da parceria, teve faturamento de US$ 5,1 bilhões (cerca de R$ 25,8 bilhões) em 2022. Como Michael Jordan tinha direito a 5% das receitas, ele faturou em torno de US$ 255 milhões (R$ 1,2 bilhão) apenas em 2022 com o licenciamento do seu nome para a empresa americana.
Imagine se Jordan tivesse permitido que a Nike fizesse apenas uma “homenagem” ao seu nome com a marca Jordan ao invés de construir um acordo de licenciamento estruturado?
Uma decisão equivocada na gestão da sua marca pode comprometer seus resultados futuros
É verdade que o mercado de licenciamentos evoluiu muito nas últimas décadas. Na era de humanização das marcas, empresas passaram a recorrer cada vez mais a grandes personalidades e influenciadores para representá-las e até mesmo para desenvolver produtos em colaboração.
Hoje temos uma visão muito mais ampla sobre o valor de marcas pessoais que tínhamos na década de 1980.
Mas é verdade também que uma única decisão estratégica assertiva pode mudar o rumo de uma história. Como vimos no filme Air: A história por trás do logo, Deloris Jordan, mãe de Michael, foi visionária ao ter a clareza de que a imagem do seu filho agregaria muito valor à Nike e, portanto, ele merecia os royalties dos produtos que carregassem o seu nome.
Proteção de marca em novos territórios: internet não é bailão
A Hermès, por sua vez, detentora da marca Birkin, tem muita clareza do valor que suas marcas representam para o negócio e as protege com unhas e dentes, mesmo diante de novos mercados e novas tecnologias.
A empresa venceu, no início de 2023, um processo contra o artista Mason Rothschild, que criou NFTs de bolsas da Hermès, acusado de cyberposse. O julgamento foi um dos primeiros nos EUA a tratar de violação de marca por tokens não-fungíveis, já que o júri considerou que os “MetaBirkins” não-autorizados do artista provavelmente confundiriam os consumidores.
David Leichtman, sócio do escritório Leichtman Law, alegou ainda que o caso não era necessariamente sobre o uso da marca Birkin, mas sim sobre a possibilidade de o artista induzir consumidores a acreditarem que os NFTs MetaBirkin eram associados à Hermès. O artista, por sua vez, tentou se defender, alegando que a decisão criava um precedente perigoso para artistas no futuro em relação à criatividade e propriedade intelectual. Mas não estaria ele mesmo violando um direito sobre a criação de uma propriedade de outrem?
Independente da discussão filosófica, fato é que Rothschild estava, por meio de sua iniciativa, ameaçando de alguma forma uma operação que gerou mais de US$ 1 bilhão de receita em Birkins nos Estados Unidos, de acordo com o documento judicial do processo. E é claro que a Hermès não deixaria barato.
Enxergar-se como uma marca de valor, com potencial substancial de crescimento, é o primeiro passo para abrir caminhos para possibilidades exponenciais.
Todas as histórias presentes neste artigo começaram com uma visão (ou a falta dela) sobre o impacto que uma estratégia assertiva de construção de marca pode ter em vidas e negócios. Como eu sempre digo, nunca existiu alguém que se arrependeu de fortalecer a sua marca. Já o contrário, são muitas e muita histórias não tão felizes assim para contar.
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Com 27 prêmios em sua carreira, Izabel Barbosa é especialista em branding. É designer pela PUC-Rio/ENSAD Paris, com MBA em Marketing pela FGV. Por acreditar que marcas podem mudar o rumo de uma vida ou de um negócio, fundou a Brand HUB e desenvolve, a partir de metodologias proprietárias, consultoria e projetos para executivos e empresas que querem desenvolver estratégias para catalisar a construção de valor para as suas marcas. Com mais de 13 anos de experiência, já desenvolveu projetos de branding e comunicação integrada para pessoas e empresas nos 4 cantos do globo. Já transformou histórias no Qatar, Turquia, Áustria, Estados Unidos, Malta e no Brasil.