As aparências enganam. Por Carlos Brickmann.

São duas notícias boas, são duas notícias ruins.

As duas boas: apesar das pressões sobre a Lava Jato, apesar – chamemos as coisas pelo nome – da queda de Deltan Dallagnol, a Polícia Federal, com ordem judicial, promoveu gigantesca operação de busca e apreensão, tendo como alvos 74 escritórios e pessoas, incluindo filhos de importantes juízes e ex-juízes, empresas de porte, advogados de primeiro time; e a operação foi apartidária, atingindo gente de múltiplos setores políticos, de Lula a Bolsonaro, passando por áreas como a de Sérgio Cabral e chegando bem perto de Queiroz e do senador Flávio, o filho 01 do presidente.

As duas ruins: aparentemente, houve buscas e apreensões com base só numa delação premiada, uma denúncia que pode ou não ser verdadeira (já se disse que houve casos em que o candidato a delator se sentiu pressionado a revelar algo contra alguém em especial); em resumo, pode ter ocorrido o lançamento de uma rede ao mar, para tentar pescar algo sem ninguém se dar ao trabalho de investigações preliminares. Segundo, algo de extremo perigo, a violação de inúmeros escritórios de advocacia. As invasões de escritórios de advocacia não ocorreram nem durante a ditadura militar, com ministros da Justiça como Gama e Silva e Alfredo Buzaid, que eram ditatoriais mas entendiam de Direito. Comunicações entre advogados e clientes são, por lei, sigilosas. Uma operação dessas abre as comunicações, rompe o sigilo legal.

E dai?

Digamos que o caro leitor queira se separar e tenha pedido ao advogado um cálculo da divisão dos bens do casal e da pensão que terá de receber ou pagar. Uma operação causada por suspeita de propina em que esteja envolvido outro cliente romperá o sigilo do caso do caro leitor. Diz a lei que documentos não relacionados com o caso que motivou a busca serão devolvidos, com o sigilo preservado. A quantidade de casos em segredo de justiça que caem nas mãos da imprensa (‘documentos a que este jornal teve acesso…’) mostra a fragilidade das garantias. Vamos mais longe? Imaginemos um casal que consulta o advogado por ser vítima de extorsão.

Como agir?

Quem inaugurou as buscas e apreensões em escritórios de advocacia foi o ministro da Justiça de Lula, Márcio Thomaz Bastos. Foi criticadíssimo por isso. Mas mesmo ele, que criou a moda, achava que a medida exigia cuidado extremo. Assim de baciada, de baleia a lambari, nem Márcio ousou propor.

Palpites

Com mais de 70 alvos, com certeza haverá descobertas interessantes. Já no mesmo dia das buscas, anunciava-se que tinham sido achados R$ 100 mil em dinheiro vivo e um cheque de R$ 700 mil no escritório de Eduardo Martins. Seu pai, ministro Humberto Martins, assumiu há duas semanas a presidência do Superior Tribunal de Justiça, STJ. Não é proibido ter dinheiro e cheques em casa, desde que com origem legítima; mas não é comum. Caso o dinheiro seja irregular, pode haver processo. E, no caso, se for comprovado que a origem da busca e apreensão foi apenas uma delação, abre-se campo para que todo o processo seja contestado e, eventualmente, até anulado.

Em baixa

De acordo com as últimas pesquisas, o juiz Sergio Moro é um candidato forte à Presidência: se as eleições fossem hoje, estaria em condições de, no segundo turno, desafiar o presidente Bolsonaro. Isso significa que, hoje, a Lava Jato tem bom número de adeptos. Mas está em baixa política, e pelos mais diversos motivos: o maior deles é que tanto Lula quanto Bolsonaro não querem saber de Moro, nem querem a Lava Jato por perto. Parlamentares se proclamam lavajatistas e defendem o início do cumprimento da pena após a condenação em segunda instância. Proclamam-se; mas não são. Ninguém quer correr o risco de tomar uma denúncia e iniciar o cumprimento da pena sem esgotar todos os recursos possíveis, e mais alguns. Muita gente sabe o que fez no verão passado e prefere processos demorados, embora diga que quer abolir as longas tramitações. Fora Bolsonaro e Lula, fora boa parte dos parlamentares, nenhum ministro do STF esqueceu a ideia da Lava Toga. Se todos os que se dizem defensores da Lava Jato a defendessem, Moro ainda seria o ministro da Justiça e a segunda instância já seria o final dos processos.

Levantando a bola

É maldade dizer que o ministro do Meio Ambiente não percebeu que, no vídeo segundo o qual a Amazônia não está queimando, desmente-se um órgão oficial, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, que apontou quase 30 mil focos de calor na área amazônica só no mês passado – um número espantoso. É maldade dizer que Sua Excelência não percebeu que, no bucólico vídeo a respeito da Amazônia, a calma floresta que aparece é a Mata Atlântica, bem distante, com mico-leão dourado e tudo. Não pense que o ministro quis nos iludir. É que não deve saber a diferença entre uma e outra.