Aristóteles no século XXI: a retórica a favor do populismo de direita. Por Beatriz Amaro.

Ethos, pathos, logos: se um dia considerei que Aristóteles não merecia mais atenção que qualquer outro pensador ateniense, hoje a retórica faz-me pensar que merece.

Em poucas palavras, retórica é a capacidade de argumentar, de sustentar um debate com base em argumentos persuasivos. É falar e/ou escrever de maneira hábil, eloquente. O conceito caminha de mãos dadas com discursos políticos, e muitas vezes as personalidades públicas escoram-se em métodos retóricos para convencer suas audiências da validade de determinados posicionamentos.

Ainda que tenha surgido no século V a.C., na Sicília, a retórica propagou-se pela Grécia e caiu no gosto de Aristóteles, que fundamentou seu estudo e formulou as bases para que se compreenda como um bom enunciado é sustentado. Não tenciono explanar as definições aristotélicas, mas, para perceber como a retórica é utilizada como estratégia política (especialmente em contextos populistas), é importante saber os significados de ethos, pathos e logos, pilares fundamentais da persuasão.

São três os componentes principais de um discurso: emissor, receptor e mensagem. Ethos relaciona-se ao emissor, ou seja, ao orador; é a maneira através da qual o orador convence a audiência sobre suas habilidades, qualificação e prestígio para que seja levado a sério. Pathos, que significa ‘sofrimento’, ‘experiência’, ‘paixão’, refere-se ao apelo emocional direcionado aos receptores; é o uso da empatia e a evocação da emoção para persuadir a audiência. Logos, por sua vez, está ligado à mensagem, à construção do discurso em si; é o raciocínio criado, por meio de indução ou dedução, para amparar os argumentos.

De maneira geral, tudo isto está intimamente ligado à linguagem – e é a linguagem que move o populismo, um regime político caracterizado pela centralidade dos anseios do povo diante das demandas da elite e que normalmente emerge como resposta a eventuais crises democráticas. Se um dia os populistas foram relacionados apenas à esquerda, hoje os líderes carismáticos podem ser liberais na economia, conservadores nos costumes, a favor do Estado mínimo e, vez ou outra, afeitos à intolerância. O que os diferencia é a abrangência do conceito de povo: a esquerda é mais inclusiva, enquanto a direita mostra-se demasiado apegada às fronteiras étnicas (vide políticas anti-imigração).

Jair Bolsonaro e Donald Trump são exemplos de populistas de direita cujos discursos caíram como luvas nos corações aflitos de populações desencantadas com a democracia liberal. ‘A pergunta de amanhã é: – Quem vocês querem que governe a América, a classe política corrupta ou o povo?’, questionava Trump às vésperas das eleições presidenciais estadunidenses de 2016. ‘Vamos unir o povo, valorizar a família. (…) Nada aconteceria sem o esforço e o engajamento de cada um dos brasileiros que tomaram as ruas para preservar a nossa liberdade’, disse Bolsonaro em seu discurso de posse.

Se o líder populista é o representante-mor do povo, sua mensagem precisa estar alinhada com os interesses populares. É aqui que entra a retórica: o governante deve convencer as pessoas de que é o melhor para representá-las e de que partilha suas aflições e necessidades – ethos, pathos e logos o ajudam a aproximar-se da sociedade, a mesclar-se, a disfarçar-se de ‘gente como a gente’ com um quê de autoridade.

Trump exclamou, a 20 de janeiro de 2017: ‘A cerimônia de hoje tem um significado muito especial porque estamos transferindo o poder de Washington e o dando de volta para vocês, o povo. (…) Os políticos prosperaram, mas os empregos acabaram e as fábricas foram fechadas’. O apelo à emoção (pathos) fica claro, bem como o uso da razão, de um fato, para sustentar o argumento (logos). Em 6 de fevereiro deste ano, disse: ‘Se eu não tivesse sido eleito presidente dos Estados Unidos, nós estaríamos agora em uma grande guerra com a Coreia do Norte’. Ao sublinhar suas ações como representante popular, Trump lança mão do ethos para afirmar-se e prestigiar a si próprio em busca do prestígio junto à audiência.

Assim caminham Bolsonaro (‘O compromisso que assumimos com os brasileiros foi o de fazer um governo decente, com o país e com o nosso povo. E eu garanto que assim será’, a 1º. de janeiro de 2019), Rodrigo Duterte, presidente das Filipinas (‘Esqueçam as leis sobre direitos humanos. Se eu for eleito presidente, farei como quando fui prefeito: traficantes, ladrões armados e vadios, melhor sumirem, porque vou matá-los’, em um comício em 2016), e Recep Tayyip Erdogan, presidente da Turquia (‘Pela primeira vez na história desde os tempos otomanos, a Turquia fez uma escolha numa altura decisiva sem ser por força de um golpe militar, mas pela vontade da nossa nação’, a 10 de julho de 2018), por exemplo. Noruega, Polônia, Hungria, Áustria e Itália também estão sob o comando de líderes populistas de direita.

Há quem diga que o populismo matou a retórica de outrora, aquela de Platão, voltada à persuasão por meio da instrução. Parece-me que os populistas de direita, em ascensão contínua no século XXI, subverteram-na: subtraíram a instrução da equação, multiplicaram o ethos, elevaram o pathos à enésima potência e reduziram o logos. O que houve foi um processo de vulgarização da ‘arte de falar bem’, por meio da qual Platão convencia demos (o povo), devidamente informado, a participar das decisões na democracia ateniense. Fala-se mal, mas com afinco; não se informa, não se instrui, não se participa – o povo ouve, acena, consente e, inflamado, tende a esquecer que a política vai muito além dos discursos.