Sim, Fernando Pessoa já disse que navegar é preciso. Disse também que viver não é preciso; sim, disse. Mas, por vezes, levamos muito tempo para entender o que essas palavras nos dizem. 2020 nos apresentou o exercício reflexivo que Pessoa trouxe, em forma de poesia, aos limites da prática em nossos dias.
Não, o preciso de Pessoa não carrega o sentido de necessidade. Esse preciso conduz o sentido de precisão, exatidão. Logo, dizer que navegar é preciso nos faz olhar para os equipamentos e parâmetros de exatidão que a navegação traz em sua essência. O papel do conhecimento e da destreza no uso dos referenciais que permitem e encaminham o exercício de navegante na direção do sucesso desejado e planejado. Faz todo sentido afirmar que viver não é preciso e 2020 evidenciou isso em praticamente todos os seus 366 dias. Viver não é exato. Não é, mesmo! E essa imprecisão, inexatidão nos pedem recursos que temos e podemos estar deixando empoeirar.
E por que essa conversa de navegar, viver, preciso e não preciso? Porque, em minha proposta de reflexão de começo de ano, é interessante olharmos para os dados na gestão cultural como os equipamentos e parâmetros da navegação nesse mar a desbravar em 2021, sem esquecer que estamos lidando com a vida: surpreendente, desafiadora e rica. Linda!
Resiliência como capacidade de superar desafios e obstáculos – daqueles que alcançamos sem precisar ficar na ponta dos pés aos mais traumáticos, que exigem musculaturas bem desenvolvidas. Resiliência como capacidade de adaptação, resistência às pressões. Contorne as pedras, como água, e siga em flow!
Começamos 2021 com meses de exercício de resiliência acumulados em 2020, OK? Mas 2021 pede de nós o que o autor libanês, Nassim Nicholas Taleb chamou de antifrágil (1), em seu livro homônimo publicado em 2012. Ser antifrágil é mais do que superar, se adaptar ou se recuperar. Ser antifrágil é aprender com experiência vivida e tornar-se melhor com ela. É avançar. É corrigir os processos para que eles não se tornem desafios maiores no futuro. É viver a complexidade aceitando que alguns desafios são gerenciados, nunca solucionados. É aprender com as experiências vividas.
E o que isso tem a ver com os dados culturais? Como não tem plano que dê conta da realidade do mundo VUCA, ou VICA (Volatility/Volatilidade; Uncertainty/Incerteza; Complexity/Complexidade e Ambiguity/Ambiguidade), a virtude a ser desenvolvida é a antifragilidade e com ela um conjunto de soft skills que nos permitirão usar os equipamentos, ler os instrumentos. Para isso, os dados podem nos ajudar aliados a um conjunto de habilidades humanas, de uma leitura mais humanizada deles. Isto porque volatilidade, incerteza, ambiguidade e complexidade foram tônicas de 2020 e parecem ter chegado para ficar.
Paula Abreu (2) é uma profissional da área de gestão de carreiras que tem proposto que se encurte o tempo de planejamentos e de revisão do que se tem planejado. Ter dados para apoiar tanto seu planejamento quanto suas revisões é um passo essencial na busca por resultados mais próximos do que você deseja. Mas usar aquelas outras habilidades socioemocionais e psicossociais que bons navegadores usam bem, também é necessário. Não os dados pelos dados. Mas contextualizados, situados e com boas doses de exercício de escutatória, permitindo que eles nos digam como podem nos ajudar. Empatia no uso dos dados. Não dataficação do cotidiano.
Se o meio a sua volta não tem os dados estruturados que você precisa, organize os seus e tome suas decisões baseadas na realidade do seu cotidiano. Construa sua visão de futuro! Se você tem dados estruturados e seus parceiros também, por que não reunir os dados que não sejam sensíveis dos negócios de cada um para ter uma base um pouco maior sobre o universo onde estão inseridos? Se tiverem dados do meio a sua volta, bingo! Vocês podem analisar seus dados em perspectiva com os do ambiente onde estão. O design de sua visão de futuro tende a ficar ainda mais robusto. Mas ainda aí, sensibilidade, empatia e revisões contextualizadas, de curto prazo, com escutatória dos dados e das pessoas em volta ainda mais.
Isso tende a dar referências mais claras para a ação, para o planejamento de rotas e planos alternativos, para a identificação de oportunidades e os ajustes demandados por contingências. Mas é importante lembrar que a antifragilidade e doses de empatia serão necessárias em diversos momentos nesse percurso.
Criando juntos. Colaborando. Construindo o futuro que desejamos. E lembrando sempre de Pessoa: “Navegar é preciso. Viver não é preciso.”.
Feliz 2021!
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(1) Antifrágil: coisas que se beneficiam com o caos, de Nassim Nicholas Taleb, de 2012. Publicado no Brasil pela editora Best Business.
(2) http://escolhasuavida.com.br/sitenovo/sobre/
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Imagem | Fonte – https://br.depositphotos.com/21975291/stock-photo-yacht-sailing-against-sunset-sailboat.html
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Daniele Dantas é profissional da área de gestão de dados e cultura com experiências em instituições públicas, privadas e do terceiro setor, atuando com artes visuais, teatro, museus e artes integradas nas áreas de planejamento, gestão e produção, prestação de contas e avaliação de projetos, impactos e resultados. É doutoranda na UFRJ / IBICT (Instituto Brasileiro de Informação, Ciência e Tecnologia) com pesquisa em ativos intangíveis e valor em cultura, com mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais pela Escola Nacional de Ciências Estatísticas (IBGE / ENCE) e pesquisa sobre construção e uso de indicadores na gestão cultural e especialização em estatística aplicada (DEMAT/UFRRJ). Sócia fundadora da Axía Inteligência em Negócios Culturais.