ANTEVASIN - Narrativas poderosas e construção de sentido: economia, linguística e valor.

Acompanhando o dono de uma grande marca nacional de óculos, ouvi de forma consistente e constante que sua marca traduz uma história e essa história transborda seus valores, identidade e essência. Da mesma forma, suas coleções trazem esse mesmo repertório.

Tal realidade tem se mostrado cada vez mais comum. Reconhecemos as contribuições das narrativas na vida em sociedade com papéis variados e cumprindo bem cada um deles. Novidade nisso? Quem dera! Lendas, parábolas, contos, fábulas, novelas, romances, crônicas são tipos de narrativa com as quais convivemos por toda a nossa vida.

Você já deve ter notado como o termo storytelling está presente em vários textos que lemos atualmente: dos variados formatos de conteúdo nos ambientes digitais aos livros impressos. E storytelling é nossa tão conhecida narrativa. Mas trocando uma só letrinha temos storyselling. Enquanto storytelling traz a condução de narrativas com seus elementos fundamentais (personagem, ambiente, conflito e mensagem), criando conexão e identificação e transmitindo uma mensagem; o storyselling mobiliza conexão, identificação e empatia com produtos, marcas e empresas favorecendo compra e venda.

Em várias oportunidades, já ouvimos falar que nossas emoções nos mobilizam a comprar, certo? Boas narrativas atraem a atenção, criam conexão, favorecem a identificação e acionam a empatia. E vendem.

Em 2013, o economista Robert James Shiller, da Universidade de Yale, foi um dos laureados com o Prêmio Nobel de Economia por seu trabalho que apresenta uma análise empírica dos preços dos ativos. No contexto desta pesquisa, Shiller também trouxe contribuições sobre a importância das narrativas na economia. Vale conhecer seu livro de 2019, ainda sem tradução para o português, ‘Narrative Economics: How Stories Go Viral and Drive Major Economic Events’ (em tradução livre, ‘Economia narrativa: como as histórias se tornam virais e impulsionam os principais eventos econômicos’), editado pela Princeton University Press.

Em um artigo de 2017, Shiller discute como a dinâmica e disseminação de narrativas populares ajudam a entender as flutuações econômicas. Economia, linguística e psicologia a serviço da compreensão de como histórias que mobilizam o interesse e as emoções das pessoas podem ajudar a entender as dinâmicas econômicas. Como anuncia no título do livro, a disseminação de ideias e conceitos seguiriam modelos de proliferação de doenças virais que se espalhariam como epidemias, sendo possível modelá-las com equações diferenciais que permitiriam analisar as dinâmicas de espalhamento de ideias, influências e transformações na sociedade, considerando adequações do modelo ao contexto analisado. O processo depende de uma combinação de dinâmicas orientadas por padrões individuais que se reforçam nos padrões coletivos e vice-versa.

Vale conhecer também o trabalho ‘Linked – a Nova Ciência dos Networks’, do físico húngaro-americano Albert-Làszló Barabási, editado e distribuído no Brasil pelas editoras Leopardo e Hemus, em 2009. O autor mostra como a ciência das redes pode apoiar a compreensão das dinâmicas de projeção de valor de negócios e influenciar as trocas de ideias e informações a partir das conexões e seus fluxos com hubs relevantes.

O trabalho do economista suíço Christian Marazzi, ‘O lugar das meias: a virada linguística da economia e seus efeitos sobre a política’, editado, em 2009 pela Editora Civilização, aponta a comunicação como elemento que lubrifica o processo produtivo global potencializando o consumo (da produção à distribuição).

Narrativas transportam informação e atraem, retém e mobilizam atenção; ou não. Num artigo apresentado em 2018, assinado com meu orientador (*), apresentamos argumentos sinalizando que a produção de valor de ativos intangíveis culturais é mobilizada nos fluxos de informação. As narrativas são permeadas de simbolismo, significados, sentidos e emoções com toda complexidade semântica e semiológica comuns a elas. Algoritmos criam caminhos, norteiam e aumentam a velocidade da circulação da informação. Narrativas transportam sentido, afetos, identidades e movem identificação. Algoritmos são linguagem, código, caminho e permitem a disseminação das narrativas.

A tecnologia acelera e amplifica a circulação e alcance das narrativas por meio dos algoritmos, colabora para a ratificação de identidades e marcas, e potencializa o conteúdo que as narrativas transportam. Algumas vezes, focamos exclusivamente nos algoritmos e desatentamos das narrativas. Outras focamos nas narrativas e desatentamos dos algoritmos. O processo que vivemos hoje considera a conjugação do uso de narrativas e algoritmos com processamento de linguagem natural. Atenção é consequência [ou não] da conjugação de boas narrativas aliadas ao recurso que amplia e acelera seu alcance. Vivemos processos semânticos e semiológicos de construção de conexões, identificação, sentidos e empatia conduzidos por boas narrativas, mobilizando processos econômicos e decisões de consumo. Narrativas mobilizando decisões com efeitos econômicos, com ou sem atenção consistente, mas com identificações substanciais e significativas.

A partir do Nobel de Economia, Robert Shiller, podemos acreditar na conjugação de economia e linguística afetando o comportamento econômico. Mas é importante ficarmos atentos às narrativas construídas e que construímos, que nos movem e levam a contribuir com resultados econômicos de médio e longo prazos e efeitos reais no cotidiano.

(*) DANTAS, D.C; CAVALCANTI, M. B. do C. Ativos intangíveis culturais e produção de valor em fluxos informacionais. II Simpósio Internacional Network Science, 2018. Disponível em <http://networkscience.com.br/wp-content/uploads/2018/11/IISINS_AtivosIntangiveis_Artigo_AtivosIntangiveisCulturais.pdf>

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Daniele Dantas é profissional da área de gestão de dados e cultura com experiências em instituições públicas, privadas e do terceiro setor, atuando com artes visuais, teatro, museus e artes integradas nas áreas de planejamento, gestão e produção, prestação de contas e avaliação de projetos, impactos e resultados. É doutoranda na UFRJ / IBICT (Instituto Brasileiro de Informação, Ciência e Tecnologia) com pesquisa em ativos intangíveis e valor em cultura, com mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais pela Escola Nacional de Ciências Estatísticas (IBGE / ENCE) e pesquisa sobre construção e uso de indicadores na gestão cultural e especialização em estatística aplicada (DEMAT/UFRRJ). Sócia fundadora da Axía Inteligência em Negócios Culturais.