ANÁLISE CRÍTICA - Redes sociais, personalismo e comunicação pública. Por Silmara Helena Pereira de Paula.

As instituições públicas têm a responsabilidade de dar publicidade às suas ações e garantir ao cidadão o direito à informação. Esse processo comunicativo deve primar pela transparência e pela impessoalidade. Deve se pautar, portanto, pelo interesse público e pela permanente construção do diálogo com a sociedade – ou seja, por uma estratégia de comunicação pública em sua essência.

O mesmo se aplica às redes sociais. É imprescindível que, diante do papel central exercido pelas mídias digitas na sociedade atual, e seus impactos na formação da opinião pública, o Poder Público estabeleça planos para fortalecer sua presença nesses espaços de comunicação.

As redes sociais, no entanto, apesar do nome, tendem na prática a fortalecer o individualismo e a formação das chamadas “bolhas”. Há um empoderamento do indivíduo que, de uma hora para outra, pode ganhar milhões de seguidores, tornar-se uma celebridade e ter supervalorizada a sua opinião sobre absolutamente qualquer coisa, mesmo sem ter conhecimento profundo sobre o assunto. Se por um lado, sem dúvida, as redes sociais democratizam a fala, por outro, estimulam a disseminação de absurdos, dados falsos e informações falaciosas.

Mas o objetivo desse texto não é discutir especificamente o papel das redes sociais no mundo moderno, mas como elas estão impactando a comunicação do Poder Executivo com a população. Vejam: Prefeituras precisam estar presentes nas redes sociais prestando contas, trazendo informações de utilidade pública. Mas… e o prefeito? Ou a prefeita? Como ele ou ela, sendo gestores públicos de cidades, devem se apresentar em suas páginas ou perfis pessoais sem que isso implique na transgressão do princípio da impessoalidade?

Mesmo com as ponderações já feitas às redes sociais nesse texto, o fato é que nenhuma instituição pública pode prescindir de sua presença nas redes. Até porque as mídias digitais podem realmente ampliar a capacidade de comunicação com a população, além de possibilitar a interação com o público.

Porém, isto me suscita uma grande inquietação – quando essas mesmas mídias são utilizadas pelos prefeitos e prefeitas de forma abusiva.

Tornou-se corriqueiro que os gestores de cidades postem vídeos, fotos e dados de inaugurações, atividades ou ações públicas em suas páginas pessoais. Ocorre que essas atualizações são feitas sem muita transparência. Não se sabe quem as faz, como faz, em que horário faz e quem paga pelo trabalho. Algumas vezes é o próprio prefeito, quando este tem mais habilidade e registra os seus “momentos” como governante.

Esse tipo de atitude deveria – ou não – acender a luz amarela dos órgãos de fiscalização do Poder Executivo? Afinal, há justificativa para que gestores públicos divulguem em suas próprias redes ações financiadas com dinheiro público? Com qual objetivo? Será que essa prática não infringe o princípio da impessoalidade e transforma a comunicação pública em espelho da figura do gestor reforçando o personalismo na gestão pública?

No site ‘A Terra é redonda’, o acadêmico Rafael Valim defende que declarações de agentes públicos em suas redes devem se submeter às regras da Administração Pública. Valim contraria entendimento do Ministério Público Federal que, ao analisar o Mandado de Segurança 36.666/DF, afirmou que: “Apesar de a conta pessoal do Presidente da República veicular informações de interesse social, as publicações efetuadas na rede social não geram obrigações para a Administração Pública, tampouco podem ser enquadradas como atos administrativos”.

Para Valim, há um equívoco nessa análise. “Todas as informações que os agentes públicos prestam ao público – no ambiente físico ou virtual – constituem “atos administrativos declaratórios” e, nessa medida, estão sujeitos aos princípios que regem a atividade informativa da Administração Pública, entre os quais, avultam a veracidade e a impessoalidade”.

Diferente do Brasil, nos Estados Unidos a Justiça reconheceu a natureza pública do perfil de Donald Trump no Twitter, dando conta de que, por meio da rede, ele “se aproximava de autoridades e anunciava decisões”.

Em tese intitulada ‘A comunicação dos chefes do Poder Executivo em tempos de redes sociais: transparência administrativa ou promoção pessoal’, defendida na PUC-SP, o então doutorando Tony Ferreira de Carvalho Issaac Chalita conclui, após análise do artigo 37 da Constituição Federal e outros dispositivos legais, que a comunicação do agente público em suas redes não caracterizaria promoção social. Diz ele: “Por fim a conclusão que se propõe é no sentido de que é absolutamente justo e inerente ao Estado Democrático de Direito, que o bom governante obtenha dividendos políticos de sua atuação, sem que isso, seja a todo custo encarado como promoção pessoal”. Para ele, exercer um controle mais efetivo dessa comunicação seria atentar contra a liberdade de expressão.

Eis aí um bom debate.

Referências

Agentes públicos nas redes sociais: imunidade do poder? Valim, Rafael. https://aterraeredonda.com.br/agentes-publicos-nas-redes-sociais-imunidade-do-poder/ – em 12/08/2022.

Tese defendida na PUC-SP. ‘A comunicação dos chefes do Poder Executivo em tempos de redes sociais: transparência administrativa ou promoção pessoal’. https://tede2.pucsp.br/handle/handle/22760 – em 12/08/2022.

Silmara Helena Pereira de Paula é jornalista formada pela Universidade de Mogi das Cruzes (UMC). Atua na área desde 1994 e trabalha em comunicação pública desde 2003. É pós-graduada em Docência em Ensino Superior pelo SENAC-SP (2015) e em Filosofia e Autoconhecimento: uso pessoal e profissional pela PUC-RS (2021). Atualmente é assessora de imprensa concursada na Câmara Municipal de Arujá.