Mais uma vez, com a proximidade das eleições municipais, muitas Prefeituras e Câmaras pelo Brasil decidiram desativar sites oficiais e perfis nas redes sociais. A medida visa cumprir, segundo os próprios órgãos públicos, determinação da Justiça Eleitoral.
Preocupada em garantir a igualdade na disputa para cargos de prefeito e a vereador, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) vem, desde janeiro, publicando resoluções com orientações, vedações e restrições para agentes públicos, instituições governamentais e meios de comunicação.
A Resolução 23.735, que trata dos ilícitos eleitorais, trata do assunto no capítulo V, inciso VI. Neste trecho, o Tribunal determina a ocultação de conteúdos que tragam nomes, slogans, símbolos ou qualquer elemento que identifique candidatos. Em nenhum momento exige a suspensão total do trabalho de comunicação feito pelos órgãos públicos.
Entretanto, seja por decisão própria ou imposição judicial, o fato é que ao longo dos próximos meses muitos cidadãos no Brasil não terão garantido o seu direito à informação pública.
Sim, muitos, como diz o ditado, “jogam fora a água da bacia com criança dentro”. É menos trabalhoso retirar do ar do que refletir sobre como manter a comunicação pública ativa para que um de seus princípios – o da transparência – prevaleça independentemente do pleito.
Vale ressaltar que a Resolução já citada alerta que a comunicação deve prosseguir em cumprimento à Lei Complementar 101/2000 e as Leis 12.527/2011 e 14.129/2021. Isso significa continuar a divulgação de audiências públicas, discussões e votações de leis orçamentárias e a transmissão de Sessões Ordinárias, no caso de Câmaras Municipais, bem como responder aos questionamentos via Lei de Acesso à Informação e manutenção de dados do Governo Digital.
Mas, por que afinal restrições viram proibições e causam – como disse muito bem o professor Wilson Bueno – um verdadeiro “apagão “ de informações?
A ABC Pública, entidade dedicada a discutir a comunicação pública e que reúne centenas de profissionais por todo Brasil, aponta a dificuldade de diferenciação, seja pela sociedade ou por autoridades entre publicidade institucional e comunicação pública.
O termo publicidade consta do artigo 37 da Constituição Federal. Ali, entre outros pontos, os legisladores afirmam que a publicidade deve ter caráter informativo e educativo, com foco em transparência e não na promoção pessoal de agentes públicos. Em outra oportunidade, eu trouxe aqui um debate sobre publicizar e propagandear. A norma constitucional teve um objetivo ao ser inserida: evitar que recursos públicos fossem aplicados em estratégias de propaganda de governo em vez de divulgação de serviços à população. Na prática, porém, o que se vê de forma explícita ou não, paga ou disfarçada de notícia, é propaganda de prefeitos e vereadores ao longo do exercício de mandato, deixando a informação obrigatória em segundo plano, para dizer o mínimo.
Portanto, o que nos três meses antes do pleito é tratado como ilícito é praticado ao longo dos mandatos com pouca ou nenhuma atenção dos órgãos de fiscalização sobre sua legalidade.
Dessa forma, fica dado de maneira tácita que órgãos públicos não informam – são apenas instrumentos de publicidade do gestor de plantão. E, por isso, tudo o que publicaram antes das eleições deve ser descartado. E pronto.
Ocorre que propaganda financiada com dinheiro público precisa ser restrita ao longo de todo o período de governo para que cumpra efetivamente sua função cidadã, limitando o uso de slogans, jargões e imagens dos governantes e legisladores. Há uma enorme diferença entre escrever um relise com a frase “A Prefeitura inaugura uma UBS”… e “O prefeito entrega mais uma obra para a população”, são exemplos pequenos mas que dão a dimensão de como é fazer comunicação pública, focada no cidadão, e fazer promoção pessoal disfarçada de notícia.
A lei também faz essa confusão ao utilizar o termo publicidade institucional em sentido amplo abarcando toda e qualquer ação de comunicação de órgãos de governo. Publicidade – em sentido geral – quer dizer dar publicidade a; dar visibilidade e conhecimento. Trata essencialmente de um dos princípios da administração pública vinculado a transparência. Já, propaganda, é o uso de estratégias de divulgação, normalmente pagas com dinheiro do contribuinte, de ações de um governo ou de um Poder constituído, seja o Legislativo ou o Judiciário. Ou mesmo a excessiva exploração em redes sociais oficiais das imagens de prefeitos, legisladores ou presidentes de órgãos feita por assessorias de imprensa de órgãos públicos.
Comunicação pública é informação de interesse geral que se preocupa com educação para a cidadania, principalmente em aproximar a instituição do cidadão, orientando-o quanto a seus direitos. Essa prestação de serviço dos profissionais de comunicação de órgãos públicos é que deve ser mantida e defendida dentro ou fora do ano eleitoral.
Sem isso, o que o ano eleitoral produz é um paradoxo: na ânsia de proteger o cidadão da propaganda e da influência indevida na hora do voto acaba por restringir ou impedir o exercício de seu direito à informação.
Ah… e vale um adendo: se o vereador continua a legislar e o prefeito a “prefeitar” – com as devidas ponderações judiciais – porque a comunicação precisa parar de comunicar?
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Silmara Helena Pereira de Paula é jornalista formada pela Universidade de Mogi das Cruzes (UMC). Atua na área desde 1994 e trabalha em comunicação pública desde 2003. É pós-graduada em Docência em Ensino Superior pelo SENAC-SP (2015) e em Filosofia e Autoconhecimento: uso pessoal e profissional pela PUC-RS (2021). Atualmente é assessora de imprensa concursada na Câmara Municipal de Arujá.