Amber Heard, #MeToo e a Corte da opinião pública. Por Raquel da Cruz.

Há algumas semanas, vimos – ao vivo – o julgamento do caso Johnny Depp contra Amber Heard. Em um resumo rápido da história, Depp processou, por difamação, Amber, por uma carta publicada no Washington Post em 2018, em que a atriz se dizia vítima de violência doméstica. Na última quarta-feira (01/06) o júri decidiu que, embora os dois tenham abusado um do outro, houve sim a difamação, fazendo o ator sair como vitorioso.

O caso de tornou notório devido à reação inflamada das redes sociais, em sua maioria, a favor de Depp. Ora, a fanbase do ator é muito maior do que a de Amber e era de se esperar que algo assim acontecesse. Semelhantemente, foi o que se passou com Michael Jackson à época da acusação de abuso infantil. Embora em 2005 a internet fosse um lugar muito mais calmo do que é hoje, os fãs sempre foram conhecidos pelas suas reações apaixonadas e, por vezes, um tanto quanto cegas.

Ainda assim, duas questões chamam atenção: Até que ponto é desejável que a opinião pública interfira em um processo da justiça? E, por onde anda o Me Too?

Comecemos pelo primeiro. É bem sabido que a mídia e a opinião pública que dela emana, constituem um poder em conjunto com o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. A mídia tem uma função fundamental para a democracia – de investigar, fiscalizar e dar transparência aos atos do governo e do Estado. Entretanto, ela também tem a habilidade de convencer e em certos momentos, isto pode tender a opinião pública para lados que lhe mais convenham.

Em 2010, quando houve o julgamento do caso de Isabella Nardoni, eu estava no cursinho pré-vestibular e lembro que uma professora pôs a seguinte pergunta em classe: não estariam o pai e a madrasta já condenados pela opinião pública? Poderia haveria outro desfecho que não a condenação dos dois, visto que a pressão da opinião pública era tamanha? É fato que este caso era muito mais complexo que o de Depp contra Heard, mas o argumento estava posto. Existem situações em que a opinião pública é imprescindível para que haja justiça, para que os réus paguem perante a sociedade. É o mesmo com as inúmeras agressões raciais que temos visto nos últimos anos. Ver as cenas chocantes, gravadas por testemunhas e até mesmo pelas próprias vítimas, no noticiário nacional é importante para que nos sensibilizemos e assim, pressionemos pela mudança.

Agora, o contrário também precisa ser considerado. E quando uma pessoa inocente é condenada pela justiça por causa da opinião pública? Para além de cancelamentos sociais, que hoje se fazem principalmente online, algumas pessoas acabam pagando pela inversão da narrativa que a opinião pública tem o poder de desempenhar. Isto acaba afetando principalmente as minorias. Quantas pessoas negras não são condenadas por apenas se enquadrarem em um determinado estereótipo? A mídia também é responsável por disseminar certos valores.

As mulheres são outro grupo que sofre com esta batalha de narrativas. E, assim, chegamos ao segundo ponto: o Me Too. Em 2016, após um grupo de mulheres vir a público denunciar o produtor de Hollywood, Harvey Weinstein, por assédio sexual, algumas artistas e ativistas se uniram para por em prática uma agenda feminista. Elas alcançaram muita visibilidade, outros predadores foram denunciados e punidos, políticas foram implantadas pelos estúdios… mas, ao que parece, um novo dia não amanheceu, como proclamou Oprah Winfrey em seu discurso honorário do Golden Globe de 2018. O Me Too simplesmente desapareceu neste julgamento de agora.

Como uma matéria do Hollywood Reporter explica, o movimento já vinha perdendo força há alguns anos por divergências internas, mas teve um abalo significativo após oferecer consultoria ao governador de Nova York, Andrew Cuomo. De forma que, desta vez, não houve um posicionamento do grupo, nem mesmo das embaixadoras mais famosas, embora a pressão pela escolha de um lado tenha sido grande. Ainda de acordo com a matéria, uma declaração da instituição afirmava que o julgamento “não era sobre violência sexual em sua essência”.

Afinal, sobre o que este julgamento era, então? Sim, porque, quando a exposição é tamanha, dúvidas pairam no ar e é neste momento em que as conspirações veem à tona. Às vezes, a opinião pública chega a turvar a situação a um ponto em que fica impossível dizer o que realmente aconteceu.

Talvez fosse sobre reputação e a dos dois saiu muito manchada. Não tenho a intensão de mensurá-las com precisão por agora, mas é possível dizer que Depp tem um poder midiático maior do que Heard. Amber também estava sozinha. Não era como Ashley Judd e Salma Hayek que estavam juntas com tantas outras contra Weinstein. Isso aconteceu com Amber quando já era uma mulher adulta, diferentemente de Dylan Farrow. Dylan ainda contou com o apoio de Natalie Portman em um protesto do Dia das Mulheres nos EUA. Haveria então um complô contra Woody Allen e não contra Johnny Depp? Ou era apenas uma estratégia comercial para atrair mais visibilidade aos dois em uma tática “falem mal, mas falem de mim?”. Afinal, esta indústria tem origem neste tipo de exploração da vida pessoal das celebridades. Além disso, histórias de true crime estão em alta. Esta última especulação parece uma verdadeira perda de tempo para um assunto tão sério, não?

O que sabemos de fato é que estamos tratando de uma acusação gravíssima. Dessa maneira, há um simbolismo grande nisso tudo. Amber sair como a grande perdedora desencoraja vítimas da “vida real” a virem a público. Por mais que tenha havido avanços na luta feminista, a voz da mulher ainda é pouco ouvida e pouco acolhida. Inevitavelmente, este episódio interfere sim na decisão de uma vítima em denunciar. O comportamento de Depp e seus advogados durante o julgamento, como se aquele fosse um campeonato masculino a ser vencido, também não contribui para dar coragem a essas pessoas.

É fato que alguns homens sofrem de violência doméstica e, nesses casos, são levados menos a sério ainda do que mulheres. Contudo, também é fácil para um homem inverter a narrativa. Um grupo muito pequeno de mulheres é realmente louco, de forma que a maioria delas são levadas à insanidade pelo machismo estrutural que sofrem todos os dias. Assim, quando há uma tentativa de mudança na lógica de poder, a classe dominante, a que deseja perpetuar o poder, os sexistas, se esforça para dar luz a casos de mulheres que pertencem a esta pequena quantidade de loucas. Nesta situação, todos saem perdendo! Tanto mulheres quanto homens que realmente sofrem abuso, como a sociedade num geral, que não consegue avançar com o debate público.

Na minha visão, a exposição pública deste caso, da maneira como foi feita, amplamente, sem o acompanhamento de profissionais especializados, foi um erro. Esse sim, era um evento que merecia a filtragem precisa feita pela mídia. Deixemos este meio de transparência para situações em que a atenção da sociedade possa ser canalizada para atos de cidadania, enquanto temas particulares sobre celebridades recebem o olhar cuidadoso de peritos em Direito, Psicologia, Ciências Sociais, Comunicação etc. O julgamento sobre a tutela da Britney não foi exposto da mesma forma que o de Depp contra Amber, mas os fãs da cantora deram o recado e a justiça se fez de forma equilibrada. Portanto, não há necessidade deste tipo de divulgação o tempo inteiro.

Imagem: Pexels / Ekaterina Bolovtsova.

Raquel da Cruz é mestranda do PPGCOM / Unesp e bacharela em Comunicação Social – Relações Públicas pela UEL. Concluiu sua especialização pelo GESTCORP da ECA-USP. Tem interesse em assuntos que envolvem relações públicas, celebridades, fãs e letramento transmídia.