A situação econômica no Brasil... O presente e o passado que eu vivo. Por Patricia Vieira.

Desde muito nova eu me inseri no mercado de trabalho, e como qualquer menina pobre o que restava era ser empregada doméstica, dividir meu tempo entre o trabalho e a escola. Algo que desde cedo me encantava era a escola, imagina, ter um lugar mágico onde pode-se conhecer coisas que meu mundo não possibilitaria.

Mas não era tão simples assim, meu pai acreditava que filho de pobre e ainda mulher não devia perder tempo estudando e sim trabalhar para ajudar a família ou pelo menos ser uma despesa a menos, minha mãe mesmo sem muito estudo era visionária, com seu dinheirinho das costuras parcelava em várias prestações a compra de livros, coleções que os vendedores de porta em porta levavam até ela.

Eu lia tudo e achava aquilo maravilhoso, não me importava o que tinha nos livros e sim que servia para trazer novos conhecimentos, para me tirar daquele mundo tão discrepante, onde uns podiam ter muitas coisas e outros só o básico – muitas vezes nem o básico -, tempos difíceis, passado da história do Brasil em que a rua onde morava não tinha saneamento básico ou calçamento, água potável era raridade, fartura na mesa era coisa de rico, shopping center ambiente de rico, cortiço era moradia de pobre, escola pública só para alguns e hospital público só o Sandu que era horrível e não era para todos, desigualdade social – um abismo intransponível.

Mas hoje a economia melhorou, diminuiu o abismo social, criaram-se igualdades, isso é o que ouço falar, mas cada novo evento que tenho conhecimento o espanto e a tristeza me fazem entender que brigamos apenas para sobreviver. E não são eventos que mereçam um olhar apurado para grande parte da população, são eventos que doem na alma mas só daqueles que estão acostumados a conviver com eles, somente nesta semana meu sentimento de revolta foi manifestado diversas vezes por motivos diferentes, em alguns momentos parece que ainda sou aquela garotinha e o Brasil está estagnado. Será que só eu envelheci? O tempo passou só p’ra mim e todo resto ficou como no passado?

A economia no país visivelmente melhorou mas porque ainda vejo notícias de um rapaz genial que criou uma mochila maravilhosa para filtrar água suja e transformá-la em água potável, a notícia em si é ótima, acredito eu que salvaria muitas vidas em locais distantes, na África que sempre me disseram era um lugar muito pobre, mas a realidade é muito dura, e muito pobres somos nós – a mochila foi pensada não para o lugar tão, tão distante, e – sim – para aqui, muito perto, em Gramacho/RJ, onde várias famílias não têm acesso a água potável, com os baldes na cabeça voltando à minha lembrança… estou confusa, isso é passado ou presente?

Em outra notícia, um rapaz foi abordado e agredido dentro de loja em shopping, o que ele fez? Nem mesmo se houvesse roubado mereceria tal abordagem, será o que ele fez tão horrendo para merecer esse tratamento? O que passa pela minha cabeça é que seu grande pecado é ser pobre e com um agravante, negro. No Brasil, ser pobre e ainda mais negro é atestado p’ra levar porrada, humilhação, segregação… calma aí! Já vi essa cena quando era criança… ainda sou criança? Estou falando do passado ou do presente?

Meu pai é negro, pedreiro, e muitas vezes foi abordado pela polícia sendo obrigado a mostrar a mão calejada e a carteira de trabalho para não apanhar de madrugada. Não, ele não vinha da balada, ele ia para o trabalho, saia cedo porque não tinha ônibus e necessitava andar muito para conseguir uma Kombi e chegar no trabalho. Acabo de ver uma notícia e dois idosos caminham na estrada – não estão passeando? Não, estão andando para conseguir chegar a algum lugar que possam ter uma condução para ir ao médico. Meu pai no passado, eles no presente, estou confusa, a economia vai bem? Algo mudou?

Falando em meu pai, ele passou anos trabalhando na construção civil, muitos sacos de cimento nas costas, respirando muito pó, nenhuma proteção, salário de miséria e a aposentadoria de um salário mínimo foi a recompensa para alavancar a economia que melhorou mas não para ele, não para milhões de brasileiros. Hoje, ele com uma doença que deveria estar erradicada no país, a tuberculose, doença de pobre, foi internado em hospital público e negligenciado em seu tratamento… sofreu uma queda e sofre com as consequências. Nos seus últimos dias, tudo o que doou ao país não possibilitou nem uma condição digna para se tratar, e ele é só mais um.

No país, somos milhões que – devido ao abismo social -, a preocupação em melhorar a economia mas não as escolas, não os hospitais, não em diminuir o valor da cesta básica ou as condições de moradia nos torna a cada dia mais distantes de um país digno dos próprios brasileiros, digno para quem acorda cedo e constrói com seu suor o Brasil, não para quem se esforça para estudar em escolas precárias, não para que tem a cor do Brasil.

O passado permanece no presente e para a maioria da população ele é um ciclo infindável de falta de opção, os que conseguem como eu com muita dificuldade ultrapassar a barreira dos quatro salários mínimos, somos privilegiados – mas não se iluda, logo uma crise chega e nos coloca de novo frente a realidade, o país não foi feito p’ra você crescer, melhorar sua condição, e vamos nos agarrando a cada esperança de melhorar nossa vida e vamos lutando para sobreviver… e a economia vai bem?

Patricia Vieira é contadora, professora, escritora, conteudista, designer instrucional, mãe, mulher, voluntária. Pós-graduada em Gestão Empresarial, Logística e Ensino à Distância, e Licenciada em História.