A propriedade intelectual no metaverso e as consequências no mundo real. Por Luciana Manica Gössling.

Metaverso é como a internet nos anos 1990. No início parecia utopia, mas depois ninguém mais viveu sem ela. Querendo ou não, o mundo de realidade virtual e compartilhado é realidade, com o perdão do trocadilho.

Empresas passaram a explorar esse novo mercado por meio de oferta de produtos e serviços dentro de plataformas, tais como: Fortnite, Decentraland (MANA), Axie Infinity (AXS), The Sandbox (SAND), Enjin Coin (ENJ), WAX (WAXP) etc. Os titulares podem digitalizar suas criações e, através de um NFT (non fungible token, ou token não fungível) passar a ocupar o mundo virtual.

O NFT está em voga, pois garante exclusividade do que representa; agrega valor por ser único, colecionável. A partir dele, sabe-se de onde veio o bem intangível, pois permite a rastreabilidade das transações, embora não seja possível afirmar que a sua representação seja de determinado autor. Dito de outro modo, comprova de onde veio (a transação em si), mas não a autoria.

Considerando que atualmente tudo pode ser tokenizado, desde que seja um ativo em formato digital (seja um iate, um meme, uma pintura, um tênis, uma foto, um serviço), a exploração da representação desses bens intangíveis em comunidades, principalmente nos games, tornou o metaverso propício para negócios e para o marketing das empresas.

A questão é que, assim como a comercialização de bens reais geram direitos, vínculos contratuais e violações, o mesmo ocorre no mundo virtual, mas o desafio para se coibir imitações é ainda maior.

Vejamos: enquanto a proteção de um desenho industrial requer o registro em cada país no qual o titular pretende explorar o bem, protegendo sua criação no mundo “real”, impedindo terceiros de copiar, imitar ou reproduzir; esses mesmos bens podem ser revendidos, sem autorização do autor no metaverso, em games ou por um avatar, por exemplo, pois não há um órgão protetor no metaverso.

O desafio é que o mundo virtual não tem uma territorialidade específica, inexistindo uma regulamentação, de forma que facilita-se o aproveitamento desautorizado. E mais; os bens (intangíveis) não são fabricados, não exigem loja física, tampouco transporte ou matéria-prima. Outro fator é a dificuldade de identificação do infrator e as diferentes legislações dos países.

Empresas como a Nike e a Hermès já foram vítimas nesse novo ambiente de negócios. A Hermès processou o artista Mason Rothschild por colocar as famosas bolsas Birkins no metaverso sob a marca “MetaBirkins”, infringindo direito marcário da fashionista francesa. Já a Nike está litigando com a revendedora StockX por suposta venda de tênis que requer licença para tal. Essas marcas se diferenciam pois possuem proteção especial no mundo real, mas no metaverso, qual lei aplicar?

Empresas que queiram evitar as mesmas dores de cabeça devem fazer a proteção dos seus bens intangíveis, passíveis de registro, nos países em que haja maior número de provedores e de usuários do metaverso. E mais: cabe atentar também para os nichos de proteção, voltando-se, por exemplo, para registro de marcas destinadas a mercadorias virtuais descarregáveis (classe 09), comércio varejista de produtos virtuais (classe 35) e serviços de entretenimento cibernético não baixável (classe 41).

Além disso, poderão focar nos países que permitem a proteção de marcas sonoras ou até de imagens com movimento, visando coibir a violação por terceiros, trazendo maior efetividade para a remoção imediata dos conteúdos violadores.

Verdade é que o mundo virtual, por mais idealizado que seja, não exclui as angústias, incertezas e inseguranças que permeiam o mundo real. Mas, certamente, estar no metaverso permitirá às empresas maior atenção e proteção dos seus ativos, uma vez que passarão a ocupar o seu espaço e se fazer presente não apenas para a nova concorrência, mas sim para o mais novo e potencial mercado consumidor.

Luciana Manica Gössling é sócia do escritório Carpena Advogados Associados, head da área de Propriedade Intelectual. Graduada em Direito e Especialista em Propriedade Intelectual pela PUCRS, mestre em Direito pela UFSM, licenciada em Direito pelo Curso de Formação de Professores para a Educação Profissional pela UFSM, especialista em Direito Processual Civil pela Academia Brasileira de Direito Processual Civil em Direito Público com ênfase em Direito Processual Civil pelo Complexo Jurídico Damásio de Jesus, e pós-graduada em Propriedade Industrial pela Universidade Federal de Buenos Aires.