A grande reunião. Por Juliana Fernandes Gontijo.

O despertador tocou às 6 da manhã, porém Cristina só bateu a mão e desligou o celular. Ela virou-se para o lado e caiu no sono outra vez. Uma hora e meia depois, a diretora administrativa da Freitas & Cia., grande indústria de tecidos brasileira, deu um pulo da cama e olhou novamente o celular. Faltavam apenas 30 minutos para uma reunião de fusão com outra gigante do ramo. Era a chegada da empresa ao mercado internacional, começando pela África. Esse era o grande projeto empreendedor deixado por seu pai, Marcos Paulo. “Era tudo ou nada!”

Cristina tomou um banho rápido daqueles somente para acordar o corpo. Vestiu o uniforme, calçou os sapatos, pegou a bolsa. O carro da empresa já estava à sua espera há mais de 1 hora.

– Alex, voe com esse carro, por favor. Minha reunião é em 10 minutos! – Disse desesperada ao motorista.

– Por que a senhora se atrasou tanto? Fiquei preocupado…

– Sem conversa, preciso me concentrar. – Quando Cristina dizia aquela frase, era fim de papo.

Chegou com 15 minutos de atraso na empresa. Por sorte ou destino mesmo, os acionistas também estavam atrasados. Ou seria vergonha: a diretora da empresa, simplesmente, perdeu a hora…

– Ana Lúcia, meu café, rápido! Perdão, bom dia… – A secretária olhou a diretora estranhamente. Não fez comentário, sabe que ali era o “fim da linha”. A mulher não queria papo.

A reunião de hoje será a grande oportunidade da Freitas & Cia. ultrapassar as fronteiras do Brasil e chegar ao mercado africano como potência em todos os países daquele continente. Ali, dando certo, seria somente questão de meses para a conquista dos demais continentes.

A diretora vai para a sala de reuniões e aguarda o café. Enquanto isso, organiza seus documentos, planilhas e já abre o arquivo para apresentação. Tudo pronto. Cristina era, digamos, metódica, tudo deveria estar no seu devido lugar.

A secretária entra na sala, olha a diretora novamente com estranheza, deixa o café com bolo de chocolate e sai. Novamente, Cristina fica sem entender Ana Lúcia, uma vez que as duas sempre se comunicavam muito pelo olhar. Todos na família diziam: “Nem parece que são primas. A cumplicidade de vocês é de irmãs”.

Os acionistas chegam em poucos minutos, seguidos do African Textile Group. Todos se olham estranhamente, cumprimentam-se e vão direto ao projeto da Freitas & Cia. A pausa para o café seria após a apresentação da diretora. Por vários minutos, contou a história da empresa; como seu Marcos Paulo e dona Célia transformaram, com muito esforço, a pequena tecelagem de fundo de quintal em uma empresa com 5 mil funcionários. Cristina sabia comandar bem a empresa que herdou dos seus pais. Mais de 40 anos de tradição têxtil no mercado brasileiro. Era toda uma história de vida que estava em jogo ali. Sob seu comando, a Freitas & Cia. já estava há mais de 15 anos.

A diretora começou como estagiária no almoxarifado ainda adolescente, passou pelo atendimento de vendas, supervisão e, depois do curso de Direito, fez mestrado em Administração. A partir daí, seu pai percebeu que ela era a pessoa ideal para comandar os negócios da família. Marcos Paulo nunca “deu mole” aos filhos, o que muito servia de exemplo aos funcionários.

Se tudo fosse aprovado ali naquela reunião, em uma semana a fusão estaria concretizada com os conselhos diretores das duas empresas. A diretora estava convicta de que a fusão era certa. Os empresários africanos pareciam gostar da proposta brasileira. Após as conferências de várias planilhas, eles aplaudiam os números de faturamento, planos de carreira, o planejamento tributário, a preocupação com sustentabilidade. Tudo na mais perfeita ordem.

A cada pergunta que os acionistas internacionais faziam, Cristina respondia com mais entusiasmo e certeza de que tudo estava indo bem. Após 4 horas de “sabatina” na Freitas & Cia., é chegada a hora da decisão. O principal diretor do grupo africano agradece a disponibilidade da empresa brasileira por meio de um tradutor:

– Antes de chegarmos aqui, já estávamos certos desta fusão. E após esta excelente explanação sobre o mercado têxtil brasileiro, todo o raio X da Freitas & Cia., mostrando ser uma empresa idônea, e a grande responsabilidade que a senhora tem como dirigente da segunda maior empresa do ramo no Brasil, acreditávamos que seria o melhor negócio de nosso grupo, mas infelizmente não podemos fechar a parceria.

Mesmo de pé, Cristina apoiou-se na mesa, mas não deixou a “peteca” cair.

– Mas… o que aconteceu? Já estávamos todos certos disso, não é mesmo?… Perguntou calmamente.

– Como a senhora pretende fazer a fusão da sua empresa com a nossa, se vem a uma reunião com touca de banho, meia-calça toda rasgada e ainda com os sapatos trocados? Veja! Um roxo e outro azul.

Ao ouvir isso, a filha de Marcos Paulo desmaiou. Os outros diretores da empresa tentaram acordá-la por alguns segundos, fizeram-na cheirar álcool. Quando ela voltou a si, pediu um espelho… E percebeu que realmente o estrago estava feito. Levantou-se depressa, abriu a porta da sala e saiu correndo aos gritos em direção à garagem. Só queria sumir da empresa.

– Por que não falaram alguma coisa? Como pude ser traída?

No carro disse a Alex:

– Custava me dizer alguma coisa? E Lucinha? Nem ela me disse algo que pudesse me ajudar! Eu não mereço isso.

Cristina chegou em casa, jogou os sapatos (o azul e o roxo) debaixo da cama e se esparramou na king size. Ela não queria ver nenhuma alma viva… Apenas chorar ou tentar dormir.

O despertador toca com a seguinte gravação da própria Cristina:

– Pi, pi, pi… São 6 horas da manhã! É hora de levantar! O continente africano está à sua espera, Cris! Seus pais, com certeza, estão muito felizes com o legado que te deixaram. Seja você mesma em sua carreira internacional! Honestidade e muito trabalho resultam em SUCESSO! Seu pai já dizia isso…

Cristina levanta assustada, mas todo o sufoco foi apenas um grande pesadelo. A reunião verdadeira foi incrível. A fusão estava concretizada e seus pais, mesmo com Alzheimer avançado, entendiam que, de alguma forma, tudo estava no caminho certo.

Foto: Pixabay.

Juliana Fernandes Gontijo é jornalista por formação e atriz. Apaixonada pela língua portuguesa e cultura de maneira geral, tem bastante preocupação com sustentabilidade e o destino do lixo produzido no planeta.