A dificuldade de se manter bem informado sobre Economia em tempos de 'cherry-picking' de dados. Por Bruna Cataldo.

Na minha última coluna, falei sobre a importância da comunicação para a economia e como é necessário haver canais de divulgação estruturados para aumentar a chance de sucesso dos projetos. Antes de começar a usar meu espaço no O.C.I. para fazer análises econômicas de fato, resolvi propor nova reflexão e contextualização da economia na sociedade. Analistas econômicos tendem a ter suas opiniões consideradas como de grande valor pelo povo por conta da complexidade e relevância dos temas abordados. Por isso é conferido certo poder sobre a opinião pública, ainda mais se as pessoas apenas recebem o conteúdo ao invés de ativamente buscá-lo.

Nesta coluna, portanto, vou discutir um tema que, espero, ajude todos a consumir de forma mais crítica conteúdos econômicos, inclusive o meu, antes de fazer qualquer tipo de análise do tema.

O começo de um novo ano traz debates sobre os resultados do anterior e previsões para o atual, principalmente porque acabamos de passar pelo primeiro ano de uma nova administração no Executivo. Em um mundo em que dados são gerados e interpretados em grande quantidade e os limites do seu uso têm sido constantemente debatidos, economistas viram uma oportunidade de tornar seus estudos mais precisos. Há também cada vez mais demanda para que decisões políticas sejam baseadas nas evidências geradas a partir destes estudos. No entanto, a própria identificação e seleção de evidências têm sido debatidas. O debate entrou em voga durante a Reforma da Previdência, em que deputados do PDT e PSB surpreenderam a parte do eleitorado mais identificada com a esquerda e contrária ao projeto ao votarem a favor. Deram a justificativa que a decisão foi técnica porque evidências indicavam a necessidade da reforma. Essas evidências realmente existem, mas houve questionamento para o fato de também haver dados e evidências do contrário. Uma população pouco íntima dos debates técnicos e acadêmicos dentro da economia se mostrou compreensivelmente confusa e se sentiu traída. Há, então, um aumento do discurso público em defesa da importância de usar dados na política, o que parece óbvio e é positivo, mas não tão simples.

Acredito que o ponto de cautela é não incentivar que o público considere a mera presença de dados como legitimação de um argumento. Como eles são usados importa: quais evidências, como foram desenvolvidas, por quem etc. Na academia funciona assim, mas ainda não é a realidade do debate público. Como a economia é uma ciência social, as premissas afetam os resultados porque há uma visão de mundo implícita nas escolhas. Sendo assim, existem bons trabalhos com metodologias sólidas que chegam a conclusões diferentes porque mudam as abordagens teóricas. Isso já torna mais frágil o argumento de que uma escolha é ‘certa’ porque ‘os dados mostram’. Essa dinâmica inerente à economia gera dificuldade para o leigo diferenciar o que é divergência de resultados comum das ciências sociais, o que é negacionismo por parte dos críticos e o que é uso indevido dos dados por parte dos analistas.

A prática mais comum de uso indevido de dados é o cherry-picking, em que um autor apresenta só as evidências que corroboram a conclusão que ele pretende defender. O ato pode ocorrer em todas as ciências, mas as sociais são bastante suscetíveis pelos motivos apresentados acima. Um caso que se destacou recentemente envolveu as análises sobre as manifestações do Chile feitas em jornais, blogs, podcasts e Twitter por economistas influentes. Alguns deles foram questionados pelo público, mídia e outros economistas sobre suas conclusões de que a causa dos levantes não teriam sido as políticas econômicas porque indicadores como PIB per capita, crescimento, IDH mostravam que o país ia muito bem, obrigada. O debate tomou grandes proporções nas redes sociais, tendo tido participação de jornalistas de grande exposição como Leandro Demori, do The Intercept. A resposta às críticas? Acusações de uma tentativa de promover discurso anti-ciência pois as conclusões partiram da análise dos dados.

A realidade é que foi um caso claro de cherry-picking, já que há diversos dados conhecidos sobre problemas sociais do Chile que foram agravados por políticas econômicas que promoveram crescimento concentrador, como a alta desigualdade e a baixa qualidade de vida dos idosos devido às baixas aposentadorias. A forma mais correta de fazer a análise, portanto, seria apresentar tanto os indicadores tradicionais de economia positivos quanto os indicadores sociais problemáticos e só então sugerir uma possível interpretação sobre qual a influência da economia na insatisfação da população e o que podemos aprender com os acertos e erros do país.

É nessas circunstâncias que as pessoas ficam confusas e perdem a referência sobre como formular suas opiniões, já que o uso de dados fica banalizado por conta de práticas dignas do famoso livro ‘Como mentir com estatística?’ e da falácia ‘números não mentem’. Precisamos sempre reafirmar a importância de usar dados e promover a ciência para uma melhor qualidade das políticas públicas, mas isso requer que o debate público seja acompanhado da defesa incondicional da honestidade intelectual como é exigida no mundo acadêmico.

A pergunta que permanece é: como acompanhar questões econômicas sem ser da área em tempos tão confusos de excesso de informação e em que há dificuldade de identificar quando os dados estão sendo apresentados de forma a corroborar o ponto de vista do autor? O que escreverei é apenas uma sugestão, mas é como eu mesma aprendi a fazer desde que entendia muito pouco ou quase nada de economia em meu primeiro período de faculdade.

Em primeiro lugar, é importante variar as fontes e ter uma abordagem ativa para se informar. Em geral, as informações que chegam a nós sobre economia pela grande mídia são bastante padronizadas em termos de posicionamento político-econômico. É preciso olhar essas análises, mas também as do jornalismo independente e acompanhar colunas, Twitter e/ou podcasts de diferentes analistas e debates entre eles. Exemplos recentes que ocorreram na grande mídia e no Twitter foram os debates entre economistas como Laura de Carvalho, Samuel Pessoa, Marcos Lisboa, Pedro Rossi e Esther Dweck. Eram economistas qualificados debatendo diferentes visões de economia a partir de dados e argumentos que desenvolveram em seus trabalhos. Ser exposto aos dados de cada um e às críticas a eles evita que sejamos vítimas de análises enviesadas por seleção de dados.

Mesmo que se acompanhe um debate em que algum dos envolvidos faça esse tipo de coisa, a própria estrutura de debate tende a expor o comportamento. Nesse sentido, variar os veículos nos quais consumimos informação também é importante porque evita que aqueles mais dogmáticos se aproveitem da fidelidade do leitor para fins indevidos de afirmar narrativas de interesse próprio a partir de cherry-picking de dados.

Outro ponto que pode ajudar, para quem tem maior conhecimento e interesse no tema, é ler as interpretações dos dados direto da fonte. IBGE, INEP e IPEA, por exemplo, sempre divulgam relatórios que possuem apenas a descrição e apresentação de tendências dos dados. Dessa forma, tira-se o viés do analista. Também é interessante escolher um tema por vez dentre os que estão atualmente em voga, como aumento da desigualdade, reforma tributária, FUNDEB, previsões de crescimento etc.

Escolhido o tema, selecionar o que ler de diversas visões e fontes e ler tudo antes de formar uma opinião ou mudar de tema. Certamente existem muitas outras dicas, mas a realidade é que com o pouco tempo que temos, mesmo essas já são difíceis de colocar em prática. O que faço é separar um tempo do fim de semana apenas para isso. Não sou fã de podcasts, mas é bem comum também aproveitar o transporte e a academia (de ginástica) para ouvi-los.

Tudo isso pode parecer terrivelmente óbvio, mas nunca foi tão necessário reforçar o óbvio como no Brasil de 2020. Inclusive, espero que essas dicas façam com que eu mesma possa ser lida de forma mais crítica por quem quer que venha a escolher um texto meu aqui do portal O.C.I. para se informar sobre economia.

Bruna Cataldo é economista pela UFRJ e mestre e doutoranda em Economia pela UFF. Suas pesquisas atuais são na área de Educação e Economia Criativa, com enfoque em políticas públicas. Pesquisou e eventualmente colabora em trabalhos de Economia da Inovação. É defensora de uma abordagem mais interdisciplinar da Economia.