A cultura do cancelamento, uma sentença sem julgamento. Por Naomi Tatekawa.

Eleito o termo de 2019 pelo Dicionário Macquarie, a cultura do cancelamento vem ganhando força e poder dia após dia em nossa sociedade. Essa cultura de banir marcas, pessoas famosas ou personalidades não é recente, porém com a disseminação das redes sociais e suas facilidades, este ato vem se popularizando, e suas ações ganham cada vez mais um caráter de ‘justiça social’. Normalmente o tribunal da internet entra em ação após temas ‘censuráveis’ serem levantados, e neste caso não importa se trata de uma marca ou de uma personalidade, pois os juízes de plantão irão sem piedade ‘analisar’ os casos e darem suas mais duras sentenças diante do caso exposto.

Mas de fato o que se trata a ‘cultura do cancelamento’? É um ataque à reputação do alvo que está sendo atacado, que há como objetivo retirá-lo dos holofotes e puni-lo, e isto acontece de uma maneira dura, sem piedade ou julgamentos. Muitas vezes um fato isolado é ‘julgado’, compartilhado milhares de vezes, mensagens de ódio e ameaças são enviadas (há um verdadeiro linchamento virtual), e o réu, já julgado e sem defesa, acaba sofrendo com as consequências, que muitas vezes vai muito além de perdas financeiras.

O fenômeno nasceu entre as décadas de 1960 e 1970 nos Estados Unidos e visava dar voz e visibilidade aos movimentos identitários – negros, feministas, LGBT+ entre outras minorias, uma vez que seus porta vozes eram na maioria homens brancos, de classe média e europeus que opinavam como se suas interpretações representassem a visão de todos, o que poderia não representar as reais necessidades destas minorias. Mas ao longo dos anos foi ganhando uma nova roupagem e força em seu discurso e posicionamento, hoje podemos considerar que todo e qualquer tema pode ser cabível dessa corte instalada na internet, sendo que cada país possui da sua maneira ‘regras’ para classificar os temas que são admissíveis a enfrentarem um julgamento.

Sem regras claras, e sem diretrizes legais, a cultura do cancelamento pode patinar e escorregar em suas próprias ganas, uma vez que muitas vezes há uma analise superficial de fatos, recortes de momentos, ou dúbias interpretações de acontecimentos, e isto pode fazer com que fatos isolados sejam duramente criticados e sofram as mais duras penas deste tribunal online. Há a necessidade que o tema seja debatido pela sociedade com a sobriedade que merece o assunto, pois ao mesmo tempo em que se trata de temas relevantes e pertinentes de serem debatidos, há a necessidade que seus “julgamentos” sejam feitos de forma madura e que realmente reflita em uma melhoria na sociedade.

Trata-se de uma faca de dois gumes e que deve ser tratada com muito cuidado, uma vez que a cultura do cancelamento as vezes não passa de uma represália (ou intolerância) as visões contrarias daquelas que uma pessoa (ou grupo de pessoas) julga ser correta, e ao pararmos para refletir friamente, qual a diferença disto para uma censura? Antes de adotarmos uma postura a favor do cancelamento de uma marca, pessoa famosa ou personalidade devemos refletir se a crítica é válida, se de fato vai ajudar a melhorar a nossa sociedade, ou se trata somente de uma maneira de esbravejar nossas frustrações em cima de um terceiro.

E fosse você, de fato, como encararia este júri sem chance de defesa?

Naomi Tatekawa, graduada em Relações Internacionais, especialista em Inteligência de Mercado, com experiência de 10 anos nos maiores e mais renomados institutos de Pesquisa de Mercado do mundo. Durante estes 10 anos foi responsável pelo gerenciamento de alguns projetos importantes do mercado no segmento de Consumer Experience.