A convergência das pessoas físicas e jurídicas geram imagem e reputação: você e sua empresa estão preparados de forma positiva? Por Andrea Nakane.

A expressão “não sabe da missa um terço” reflete uma espécie de advertência sobre superficialidade ou leviandade em comentar-se fatos sem o domínio adequado ou embasamento devido.

E é exatamente assim que me sinto quando me deparo com o caso do ex-CEO da Abercrombie & Fitch, uma marca mundialmente famosa por vender um estilo de vida no qual beleza e despojamento são elementos correlacionados e é considerada uma das mais antigas dos EUA, pois foi fundada em 1892.

Mike Jeffries, ex-CEO da marca foi libertado no mês passado após o pagamento de uma fiança de US$ 10 milhões (R$ 57,2 milhões). Ele é acusado pela Justiça americana de tráfico sexual e prostituição interestadual de diversos jovens entre 2008 e 2015, período em que detinha o cargo de executivo da companhia.

Jeffries, hoje octagenário, presidiu a Abercrombie & Fitch e sua marca associada, a Hollister, entre 1992 e 2014.

Ambas fizeram muito sucesso nos anos 2000 e eram associadas a um público jovem, com campanhas frequentes que retratavam modelos masculinos sem camisas. Os atores Channing Tatum, Jamie Dornan, Ashton Kutcher, Chris Carmack e Scott Eastwood foram modelos para o grupo. Entre as mulheres estão Olivia Wilde, Jennifer Lawrence, Michelle Trachtenberg e January Jones, entre outras.

O ex-CEO teria utilizado sua posição de influência para atrair homens jovens interessados em ser modelos para as marcas. Esses jovens teriam sido abusados sexualmente por ele e seu parceiro, Matthew Smith, de 61 anos. Eles ainda contavam com o auxílio de um intermediário, James Jacobson. O trio recebeu 16 acusações formais de tráfico sexual e prostituição interestadual pelo Departamento de Justiça.

E os relatos de “eventos sexuais” realizados no balneário de luxo dos Hamptons, em Long Island, na cidade de Nova York, assim como na Inglaterra, França, Itália, Marrocos e na ilha de Saint Barthélémy, estão em níveis muito próximos das acusações contra o Diddy, famoso empresário do show business norte-americano.

Segundo as denúncias, Jacobson viajava para “recrutar” e “entrevistar” potenciais candidatos para os abusos. Ele ainda teria “testado” esses candidatos, exigindo que eles realizassem atos sexuais comerciais com ele antes de se encontrarem com o CEO e seu parceiro. A recusa em realizar algum ato sexual era respondida com ameaça de uma retaliação que arruinaria suas vidas profissionais. Alguns, após orgias em caráter de coação, iam trabalhar em lojas da marca ou estrelavam campanhas promocionais.

Após investigações das denúncias e de uma série de reportagens investigativas da BBC de Londres intitulada Abercrombie & Fitch: Ascensão e Queda”, posteriormente (2022), lançada como documentário pela Netflix, a empresa foi pressionada a oficialmente responder sobre o caso.

A posição oficial da Abercrombie é a de que sua atual equipe “abomina abusos sexuais e condena a suposta conduta do ex-CEO e outros envolvidos”. Em seguida, a empresa publicou – em outubro de 2023 – um comunicado em suas redes sociais garantindo ter contratado um escritório de advocacia para realizar uma investigação independente dos fatos dentro da empresa – cujos resultados não são conhecidos.

Jeffries deixou o cargo de CEO em 2014, após uma queda em popularidade e lucros na Abercrombie. Ele recebeu um pacote de aposentadoria de US$ 25 milhões à época, apesar de ter sido sempre considerado uma figura controversa que lidou com acusações de discriminação por parte de funcionários, gastos excessivos e pela influência indevida de seu parceiro, Matthew Smith, na empresa, segundo a imprensa internacional. Ele chegou a ser um dos CEOs mais bem pagos dos Estados Unidos.

Após as acusações de tráfico sexual e prostituição virem à tona, Jeffries processou a Abercrombie para obrigar a empresa a pagar sua defesa. Um juiz garantiu a ele este direito, já que os crimes pelos quais é acusado teriam potencial relação com a empresa.

Vale lembrar que a Abercrombie & Fitch no final dos anos 1990, era a marca que dominava o imaginário adolescente e sua identidade usava de apelo sexual, com lojas repletas de modelos atraentes e produtos que combinavam glamour a preços bem acessíveis, fazendo com que se tornasse um símbolo de status e idealização dos consumidores.

Antes do escândalo envolvendo seu ex-CEO, a empresa já acumulava reclamações com atos internos discriminatórios entre os grupos de funcionários de diferentes etnias, os quais não se configuravam como o “padrão formatado” da empresa, tais como asiáticos e latinos. Além disso, questões como gordofobia, segregação e intolerância religiosa também foram apontadas como presentes nos negócios da Abercrombie & Fitch.

Após seu longo reinado como uma lovemark mundial, a empresa – com toda a web expondo, cada vez mais, os problemas – teve uma rejeição que cresceu enquanto as vendas despencavam. Em 2016, a marca tornou-se uma das mais odiadas nos EUA.

No meio desse turbilhão, a empresa, hoje, tenta se distanciar de seu passado sob a liderança de Fran Horowitz, que enfatiza a importância da diversidade e da inclusão na empresa.

E a questão que não quer calar: – Como agir no gerenciamento de tal crise de imagem e reputação de uma marca?

A utilização de técnicas ultrapassadas tais como produzir cortinas de fumaça ou agir como um avestruz, escondendo a cabeça na terra até tudo se acalmar, certamente não podem ser táticas presentes na gestão do momento que tem atingido diretamente a Abercrombie & Fitch.

A marca já vinha buscando – desde a saída do seu ex-CEO – um novo posicionamento reconhecendo seus problemas estruturais de racismo, xenofobia, segregação e intolerância religiosa – todos esses problemas que foram amplamente criticados.

Depois de identificá-los, houve uma minuciosa mudança da cultura interna para corrigi-los, incluindo a contratação de novos líderes e, entre eles, um “diretor de diversidade” com o intuito de demonstrar um compromisso com a diversidade e a inclusão.

Frente ao caos instaurado com as graves denúncias, no entanto, a empresa está adotando o silêncio sepulcral enquanto espera-se um comunicado honesto e pragmático.

Sem dúvida, o passado já está maculado. Resta saber como a empresa agirá no presente a fim de que possa vislumbrar um futuro alvissareiro para seus negócios.

Andrea Nakane é bacharel em Comunicação Social, com habilitação em Relações Públicas. Possui especialização em Marketing (ESPM-Rio), em Educação do Ensino Superior (Universidade Anhembi-Morumbi), em Administração e Organização de Eventos (Senac-SP), e Planejamento, Implementação e Gestão da Educação a Distância (UFF). É mestre Hospitalidade pela Universidade Anhembi-Morumbi e doutora em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo, com tese focada no ambiente dos eventos de entretenimento ao vivo, construção e gestão de marcas. Registro profissional 3260 / Conrerp2 – São Paulo e Paraná.