NEIM: O jornalismo de WhatsApp torna tudo banal, estúpido e irrelevante.

Deu anteontem no NEIM:

#ImprensaEmCrise

A História é repleta daquilo que atualmente chamamos de fake news. Da calúnia a Sócrates – que culminou na sua condenação e pena de morte -, até as pasquinadas, que eram os panfletos difamatórios afixados no dorso da velha estátua de Pasquino, na Piazza Navona da Roma renascentista. Com toda a tagarelice que lhe é própria, a humanidade sempre foi panfletária. Mas na modernidade, os meios de comunicação passaram a ter uma notável importância social. Por muito tempo, os jornais foram uma válvula de escape e a imprensa sensacionalista transformou boatos e crimes passionais em literatura; calúnias e difamações em armas políticas.

O papel da mídia sempre foi o de guia, trazendo a síntese do processo cultural. É verdade que as escolhas editoriais têm sempre um critério ideológico. É inevitável. Mas isso pode ser parcialmente corrigido através das críticas e refutações que, antes, tinham um ponto de referência para se dirigir, algo que se perdeu nessa época de confusão nas redes sociais. Como não há mais padronização, tudo está espalhado e muito segmentado, e as informações, com a mesma rapidez com que são difundidas, desaparecem no feed de notícias e entretenimentos.

Mas não se trata apenas de um problema tecnológico. É preciso apontar também que um certo positivismo pretendeu dar ares científicos à imprensa. Os jornalistas trocaram os adjetivos e anacolutos por estatísticas, muitas aspas e gráficos de pizza. A ideia é fazer da imprensa uma espécie de tribunal onde tudo deve ser julgado pelo bem da humanidade. Antes, o jornalista era apenas alguém que produzia e comentava as notícias. Hoje, eles são os defensores da justiça, da igualdade, da democracia. Antes, eles se arriscavam pela notícia, se enfiando no meio de enchentes e colocando a vida em risco cobrindo guerras. Hoje, eles pretendem mudar o mundo fazendo uma publi no Instagram ou entrando ao vivo p’ra ler os recados que algum figurão político enviou no WhatsApp.

Mas tem algo pior. Na ânsia de divulgar uma notícia que confirma suas crenças, alguns repórteres não hesitam em queimar etapas. Se a informação for coerente com a visão de mundo defendida por eles, não lhes parece necessário checar a informação antes de divulgá-la. A notícia só tem validade se contribuir para a construção do que eles acreditam ser um mundo mais justo e democrático. Mas há sempre uma linha tênue entre a realidade dos fatos e o desejo de que essa realidade se molde aos interesses do repórter que está narrando a notícia.

Esse é o perigo de ler, ao vivo, as mensagens de WhatsApp recebidas de autoridades que, nem sempre estão interessadas em construir um mundo mais justo e democrático. Na maioria das vezes, querem apenas impulsionar seus próprios fatos ou prejudicar algum desafeto.

Se o compromisso já não é mais com a notícia, mas com alguma causa política, o jornalismo se torna mera propaganda. E não há nada mais desprezível do que um repórter servindo de escada para os escroques da política. E, assim, a imprensa vai se tornando cada vez mais insignificante. No mundo inteiro houve uma queda abrupta no índice de confiança no jornalismo. De acordo com o Digital News Report, do Reuters Institute, o povo brasileiro está no topo do ranking dos que evitam ler notícias. Ainda que os jornalistas acreditam ser influentes o bastante para cumprir a missão imprescindível de mudar o mundo, falta-lhes audiência e, obviamente, credibilidade. Não há muita gente interessada no que eles têm a dizer.

Aquela velha imprensa, dos que se arriscavam pela notícia se enfiando no meio de enchentes e colocavam a vida em risco cobrindo guerras, já não existe mais. O que temos agora é esse pessoal enfadonho, insignificante, que acredita ter o mundo inteiro nas mãos que seguram um aparelho de celular. É o jornalismo de WhatsApp, que torna tudo banal, estúpido e irrelevante.

Diogo Chiuso é editor, tradutor e autor de “O que restou da Política”, Editora Noétika, 2022.