– You are all “fake news”!
Desde 2017, o Observatório da Comunicação Institucional vem testemunhando, coletando informações, estudando e refletindo sobre o fenômeno contemporâneo das chamadas “fake news“. Tanto que, em assembleia realizada naquele ano, decidiu somar duas novas causas às suas originais causas fundadoras (de 2013), de transparência ativa e comunicação pública: o jornalismo responsável e a propaganda com ética. E por que? Porque as “fake news” vêm abalando não só a imagem e o negócio do jornalismo, mas, também, o faturamento e o modus operandi da propaganda.
O termo “contemporâneo” deve ser mencionado porque simples mentiras publicadas, idem sofismas, narrativas falaciosas criadas intencionalmente, ditas invencionices ou factoides, além de “barrigas” jornalísticas (notícias mal apuradas), sempre existiram. A contemporaneidade da expressão deve-se às “fake news” como colocadas por Donald Trump na virada 2016/2017. (*)
O chamado marketing digital (com sua irmã siamesa, a “mídia programática“) tem parte da culpa nessa história, uma vez que tem oportunizado a anunciantes descumprirem a lei, regulamentos subsidiários e boas normas de conduta do mercado da propaganda, o qual, no Brasil, foi construído de modo exemplar, alçando agências e profissionais a figurarem entre os de cinco países melhores do mundo em criatividade, reconhecimento e premiações, atrás apenas de mercados como o dos EUA e do Reino Unido, disputando cabeça-a-cabeça um lugar no pódio com a Espanha e o Japão. A internet, porém, feriu de morte um virtuoso modelo – mas esta é uma outra história.
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O que são “fake news”?
Acórdão do O.C.I.: As ditas “fake news” – ou falsas notícias – são conteúdos total ou parcialmente falaciosos publicados em veículos formais de comunicação – empresas jornalísticas, editoras, emissoras de rádio, de TV, e sítios/domínios na internet (de qualquer porte, nacionais ou internacionais) – os quais gozam de fé pública relacionada ao cumprimento de sua finalidade precípua.
O que define a total ou parcial falsidade de um conteúdo (a intensidade de erros, omissões, falácias ou mentiras presentes numa informação divulgada não exime o veículo de ter praticado “fake news”) – depende:
Alínea (a): da existência – ou não – de evidências documentais sobre fato(s) aludido(s) na matéria;
Alínea (b): da quantidade de dados de opinião propositalmente misturados ao conteúdo fático.
Artigo 1o.: Compreende-se uma informação como um pacote de dados; dados em presença de outros dados (para efeito de uma comparação simples) ou conjuntos de dados contextualizados (para efeito de uma comparação complexa) – dados sozinhos pouco ou nada informam.
Artigo 2o.: Adjetivações, metáforas, hipérboles e opiniões imiscuídas num conteúdo invalidam-no como puro noticiário, passando-o à categoria de mero comentário ou notícia comentada. A atividade jornalística compreende o papel de comentarista, sim, mas este não pode ser confundido – de modo implícito, não mencionado – com as funções de repórter, cuja missão essencial é reportar fatos, não versões.
Artigo 3o.: Não se pode atribuir falsas notícias a quem não tem responsabilidade formal de fornecer notícias, ou seja, o cidadão, em falas, livros, folhetos, blogs ou websites – monetizados ou não (o que é uma outra questão, diversa e polêmica, mas que não altera a espécie da emissão) –, empresas, clubes, associações, fundações, cooperativas, sindicatos (patronais ou de profissionais), conselhos de ordem, e seus respectivos perfis individuais ou de grupos em house organs, blogs, websites e em plataformas de redes sociais ou de mensageria.
Artigo 4o.: Dado à dinâmica do ambiente digital, é possível e desejável que o Estado e a cidadania, a qualquer tempo, listem tais veículos formais de comunicação a partir de suas inscrições no CNPJ (nível federal), nos estados e nos municípios.
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O termo inglês “news”, assim, no plural, traduzimos, no Brasil, como “notícias”, idem plural – e por isso é incorreto articular a questão “o que é uma ‘fake news’?” (sic). E em Portugal, bem ao pé-da-letra, nossos patrícios dizem “novas”. Não se pergunta sobre as notícias; indaga-se “quais são as novas?”. Ora, pois, as novas quem as dá é a media (termo não “aportuguesado” na pátria-mãe da nossa língua).
Falsas notícias, e não “notícias falsas”, por que? Porque a falsidade do conteúdo – que nem sempre se funda em notícia – vem antes. E, muitas vezes, a narrativa falaciosa é proposital – com objetivos os mais diversos; da chantagem e manipulação política à extorsão e vantagem financeira.
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Assis Chateaubriand, pioneiro magnata da mídia brasileira, lançava mão de ameaças para obter vantagens políticas e para extorquir empresários e personalidades ciosas de suas reputações públicas. Se não o atendessem em uma determinada demanda, seus veículos (rádios, jornais, revistas e TVs) publicariam o impublicável – fosse conteúdo verdadeiro ou não.
Era aquele comportamento – e ainda o é –, um uso desviante da imprensa (sob a alcunha de “quarto poder”), algo deplorável. Chateaubriand dizia aos visitantes que levava aos seus parques gráficos, boquiabertos diante de uma rotativa:
– Isto é um déspota!
[Texto publicado originalmente no portal O.C.I. em 11 de abril de 2022 sob o título “O que são falsas notícias? O Observatório da Comunicação Institucional presta um serviço e dá a sua definição”].(*)
O oligopólio das “news”, inclusive das “fake”. Rio de Janeiro, 07 de abril de 2022.
Ben Bagdikian (1920-2016), que ocupou cargos destacados na imprensa dos Estados Unidos, escreveu “O monopólio da mídia” (1983), livro-sensação nos cursos de Comunicação que, após alguns anos, chegou a ganhar uma reedição “definitiva” (1987).
No livro, Bagdikian esquadrinhava o “quarto poder” que acumulara força para eleger e vetar políticos, para enaltecer e “cancelar” pessoas e instituições. E chamava a atenção para o fato de que os grupos empresariais de mídia estavam sendo adquiridos por conglomerados empresariais maiores (claro, de fora da mídia). Avizinhava-se a luta (perdida) de jornais, revistas, rádios, TVs, fonográficas e até cinematográficas – do setor “Comunicação” – frente ao setor “Telecomunicações” (Telecom). Depois, viria a história que conhecemos pela pena de Tim Wu, em seu livro Impérios da Comunicação (2012).
O escândalo de Watergate foi deslindado por conta da ação contundente de um órgão da imprensa (The Washington Post) no seu papel de investigar os poderosos, indo além de Notas à Imprensa e falatório ensaiado. Outros casos se sucederam – um mais recente foi o desmascaramento de crimes sexuais contra adolescentes cometidos pelo establishment da Igreja Católica nos Estados Unidos. Tanto este caso (devido à ação perseverante de um time spotlight do The Boston Globe) quanto Watergate acabaram gerando bons livros e filmes (1) e (2).
Pano rápido
Corta para os dias atuais!
Desde 2017, a expressão “fake news” entrou no imaginário global para não mais sair. Donald Trump não podia prever o tamanho das consequências de sua acusação à media mainstream, ao vivo, em entrevista coletiva – já eleito mas ainda não empossado: – You are all ‘fake news’! – exclamação por ele feita, apontando para profissionais de todos os veículos de imprensa presentes no recinto. (E ele sabia do que falava – empresário que vira centenas de press releases sobre empreendimentos seus publicados na íntegra, sem qualquer apuração).
Custou-lhe a reeleição tal acusação. Pois o cerco que a mídia impôs a Trump durante toda a campanha eleitoral manteve-se durante a presidência. E após! Ainda hoje, a “grande” imprensa tenta demolir aquele que pode, eventualmente, voltar a presidir os Estados Unidos – no que seria uma espécie de “revanche” inédita e histórica.
Verdade inconveniente
Pois bem, o problema com Trump é que ele disse uma verdade muito inconveniente; a de que a imprensa – como os políticos – também mente. Algo inimaginável nos tempos de Bagdikian, quando confiávamos no que os jornais estampavam. Até no Brasil, o Henfil cunhou uma expressão de fé: – Deu no New York Times! Ora, se “deu” no Times, é porque aconteceu de verdade.
Mas, no caminho da imprensa – e da humanidade – haveria de aparecer uma pedra: a internet. E tudo, absolutamente tudo foi (e vem sendo cada vez mais) afetado por ela. Com o advento dos smartphones, então, uma nova era do que conhecíamos pelo vocábulo mídia colocou veículos, emissores e receptores – para usar a terminologia clássica da comunicação – de cabeça-para-baixo.
E todos nós passamos a emitir (antes só recebíamos informação), a editar, a reenviar, a comentar, a pontuar, a monetizar…
Monetizar, aliás, na opinião deste O.C.I., já expressada em muitos textos aqui, no portal, desde 2017, foi um mal, e também a pedra-de-toque da derrocada do “mercado comunicacional”. As agências de propaganda estão perdidas no oceano da “mídia programática” – quase tanto quanto os anunciantes -, e os veículos “tradicionais” vêm sendo varridos do mapa, substituídos pelo WhatsApp, pelo YouTube, pelo Instagram e influencers. Descumprindo o regramento da atividade publicitária, as chamadas Big Techs (misturadas com os gigantes do setor de Telecom), implementaram coisas estranhas como “turbine seu conteúdo”, “impulsione seu site“, absolutamente à margem de qualquer debate técnico, acadêmico ou científico – um mínimo que fosse. E não é que nossas excelências mergulharam de cabeça nos “disparos em massa” via web?
Censura orwelliana em pauta
Ontem, a urgência urgentíssima de um malfadado Projeto de Lei, de número 2630/2020, foi rejeitada na Câmara dos Deputados, em Brasília. Menos mal. Agora terá que ser discutido nas Comissões da Casa. O singelo título – cheio daquelas boas intenções que têm o potencial de nos levar para o inferno – Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet – oculta a real intenção de censurar conteúdos e “conteudistas”, além da própria rede (!), trazendo de volta a exclusividade da mídia tradicional para noticiar e para, eventualmente, mentir. O apelido do PL é Das “Fake News”. Esqueceram-se, as mesmas excelências, no entanto, de que ainda não se tipificou o que são “fake news”. Como legislar, regular e punir sobre algo que a tão festejada ciência ainda não se debruçou para definir?
O império contra-ataca
O establishment – dos mesmos protagonistas que aplaudiram a supressão da necessidade de diploma de nível superior para o exercício do jornalismo profissional e que, também, derrubaram a criação de um Conselho de Ordem (com Código de Ética e Responsabilidade Técnica inerentes) para os jornalistas – perpetra, novamente, um mal. Só quem viver verá o resultado.
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Este O.C.I. – na virada 2016/2017, por sugestão de duas jornalistas “entrantes” no sentido de que tratássemos da questão das “fake news” – adotou, em assembleia, formalmente, então, duas novas causas para que pudesse fazê-lo com pertinência: o Jornalismo Responsável e a Propaganda com Ética.
Há, já, pois, desde há muito, inúmeras matérias – entre artigos, colunas e clipping – a respeito da palavra-chave fake news, bem como sob as palavras-chave uso indevido de dados, mídia programática, publicidade programática, propaganda programática e marketing digital.
É lamentável que o que sobrou da mídia jornalística no país continue em seu plano inclinado, convidando somente pessoas da Psicologia, da Antropologia, da Sociologia e do Direito para tratar dessas questões, MENOS pessoas da Comunicação, confirmando, aliás, sua vocação para a produção de “fake news”.
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COMENTÁRIO
– You are the media now.