Uma crise não termina quando “acaba”. A importância de gerenciar o pós-crise na Comunicação. Por Philipe Deschamps e Marcos Ramos.

Quando termina uma crise?

Passado o incêndio, literal ou metafórico, a tendência é relaxarmos. A adrenalina baixa, a tensão e a atenção se dissipam, o dia-a-dia se impõe. Uma pausa para respirar é necessária e saudável, mas ela não pode nos fazer esquecer que, como diz o título deste artigo, uma crise não termina quando “acaba”. Como assim?

Toda crise gera passivos e vai ser relembrada em vários momentos. Se foi um acidente, um escândalo de corrupção ou qualquer acontecimento marcante (principalmente se houver vítimas), a data em que ele ocorreu ou veio a público será marcada como uma “efeméride” – e pode ser resgatada e lembrada por anos (ou décadas). Os vazamentos de petróleo na Baía de Guanabara (2000) e no Golfo do México (2010), por exemplo, até hoje são relembrados. O incêndio que vitimou os meninos do Ninho do Urubu (2019) e os rompimentos das barragens em Mariana (2015) e Brumadinho (2019) são outros exemplos. A lista de acidentes é imensa e você certamente consegue resgatar vários outros de memória.

Não apenas as datas redondas trazem o assunto à tona, qualquer outro movimento relevante derivado da crise também vai ser destacado. Decisões judiciais, mudanças regulatórias motivadas pela ocorrência, possibilidades de novas crises… Até hoje, por exemplo, são recorrentes os rumores de novas greves de caminhoneiros. Outro exemplo: são frequentes os alertas de possíveis bolhas no mercado de ações, de novas crises “pontocom” ou subprime.

Nesse necessário processo de relembrar crises passadas, passivos vão (e precisam) ser resgatados:

– Como estão as pessoas afetadas? Receberam apoio? Retomaram a vida de que forma?

– Como estão as famílias dos mortos (em caso de vítimas fatais)? Como estão os que foram feridos?

– E o meio ambiente? Houve algum tipo de recomposição? Eventuais multas foram pagas?

– Alguém foi punido civil ou criminalmente?

– Quais processos seguem em aberto? O que a empresa alega nesses processos?

– Que mudanças a empresa adotou a partir do acidente?

– Há riscos de que situações semelhantes ocorram (na empresa causadora ou em outras do mesmo setor)?

– O que o poder público fez a partir da crise? Houve mudanças regulatórias, revisão de processos, reforço de fiscalização?

Refletir VERSUS responder

Quem causou o problema (ou atua em atividade semelhante ao causador) vai tomar medidas a partir de uma reflexão própria ou vai a reboque dos questionamentos externos? O pós-crise é o momento de ter essa reflexão. Erramos em quê? Os danos causados estão sendo remediados? Se não estão, o que está impedindo a remediação? O que podemos fazer para evitar novos problemas?

Gestão de crise é um ciclo permanente. Avaliar o passado é prevenir problemas futuros. Não adianta uma ótima brigada de incêndio sem um bom trabalho de identificação de erros e correção de rumos. Ao lado da prevenção, é preciso treinamento, definição de papéis, padrões e responsabilidades. Pós-crise e pré-crise devem estar sempre no radar.

Philipe Deschamps Dias é jornalista, formado pela UERJ, com MBA em Gestão Empresarial (CEFET) e mestrado em Administração de Empresas (PUC-RJ). Tem mais de 20 anos de experiência profissional. Foi chefe do departamento de Esportes das emissoras EBC (Rádio Nacional e TV Brasil) e gerente de Imprensa e Comunicação Interna da Petrobras Distribuidora, tendo atuado em crises como a greve dos caminhoneiros e a operação Lava Jato, entre outras. Atualmente, é gerente de Comunicação e Cultura da State Grid Brazil.

Marcos Ramos é jornalista, formado pela UERJ, pós-graduado em Gestão de Negócios (FGV) e tem mais de 20 anos de experiência profissional. Foi produtor de telejornais da TV Globo por 5 anos antes de ingressar na Petrobras, onde, durante 14 anos, atuou como assessor de imprensa, gerente de Imprensa e coordenador de Comunicação de Crise, com papel de liderança em grandes crises como a greve dos caminhoneiros, operação Lava Jato e diversos casos críticos operacionais e corporativos, no Brasil e no exterior.

Imagem: capa da revista New Yorker (07/06/2021) – ilustração de Kenton Nelson.