Transmídia: por que as rádios estão virando televisão? Por Luiz André Ferreira.

Projetos das tradicionais Jovem Pan (SP) e Tupi (RJ) marcam seus retornos ao DNA televisivo enquanto CNN compra tradicional rede mineira.

Não resta a menor dúvida de que a digitalização iria possibilitar tecnicamente a tão propagada convergência de mídia. A grande questão era se os empresários iriam sistematizar, assim como se o público e o mercado publicitário aceitariam facilmente, na prática, essa mudança.

Conhecido como camaleão entre os meios de comunicação de massa, o rádio sempre teve seu fim anunciado. Porém, o velho moribundo passa a perna em todas as previsões e constantemente se reinventa. Mesmo que, para isso, abra mão de algumas de suas vocações para as surgidas mídias emergentes como forma de evitar uma concorrência direta.

Foi assim com a educação, o público infantil, programas de auditórios, novelas e, até mesmo o all News – com os surgimentos de canais de TV específicos. E não é só para a TV, neste momento as músicas estão escasseando no dial, substituídas, em parte, por conteúdos falados, diante do avanço de serviços de streaming, como Spotify, Deezer e Youtube.

No entanto, no ano em que o protagonismo do setor prometia ser a migração tecnológica das emissoras AM, através do projeto batizado de “FM Estendido”, acabou sendo encoberto pelas notícias envolvendo o avanço das emissoras radiofônicas no âmbito televisivo.

Nesse sentido, 4 projetos ainda em fase de desenvolvimento seguem praticamente simultâneos e chamam a atenção. São evoluções de experiências realizadas há mais de uma década, desde as primeiras câmeras instaladas em estúdios de rádio.

Lembro-me de quando dirigia a rádio pública-educativa fluminense Roquette-Pinto e atrasei a instalação das mesmas nos estúdios. Eu já tinha naquela época total consciência de que seria algo irreversível, chegando a registrar em alguns artigos. Mas, ao mesmo tempo, sabia que precisava amadurecer, já que convergência não era somente ligar as câmeras.

Em comum, três destes projetos marcam o retorno de organizações ao seu DNA televisivo: a Rádio Tupi (RJ), a Jovem Pan (SP) e a Nacional (DF e RJ).

Tupi, a pioneira cassada pela ditadura, volta à TV

A líder carioca, a Rádio Tupi, entra na terceira semana experimental da transmissão em cadeia de suas ondas sonoras com as imagens televisivas. Foram dias intensos de experimentos, erros, acertos, adaptações… do que na verdade marca o retorno da que foi a pioneira marca na televisão brasileira.

Amargando a derrota com a cassação da maior rede própria de televisão que já existiu no país, composta de 19 emissoras, a Rede Tupi foi retirada do ar no início dos anos 1980, já no apagar das luzes da ditadura. Um controverso decreto assinado pelo último presidente militar, João Figueiredo, tornou-as peremptas (caducas), um ato por muitos considerado, até hoje, como autoritário – e que resultou depois no loteamento das concessões dos Diários Associados para a implantação de duas novas redes: o SBT – dado ao empresário Sílvio Santos – e a hoje também extinta Manchete – concedida ao empresário Adolfo Bloch. Essas autorizações ocorreram em detrimento de outros grupos mais críticos à ditadura, tais como o Jornal do Brasil e a Editora Abril.

Claro que, por uma questão de desenvolvimento tecnológico anterior, a Rádio Tupi surgiu primeiro, mas a televisão sempre foi a “grande estrela da companhia” do controverso Assis Chateaubriand. De certa forma, ela alavancava, como vitrine, todo conglomerado. O mesmo exemplo foi seguido, só que exitoso, por Roberto Marinho – que alicerçou a base de todo o seu império de comunicação calcado no sucesso e na capilaridade da TV Globo.

O fim abrupto da Rede Tupi de Televisão impactou negativamente outras empresas de seu grupo, Diários Associados, composto por jornais, revistas, emissoras de rádio, agências de notícias, que foi o maior conglomerado de comunicação da história do Brasil. Uma das exceções foi o resistente braço radiofônico carioca. E agora a Rádio Tupi acaba de colocar no ar o acordo com a emergente TV Max para transmissão em cadeia de parte de sua programação.

Na verdade, trata-se de um retorno ao meio televisivo, já que o grupo foi o pioneiro no campo televisivo através de um pitoresco empreendimento de Assis Chateaubriand, em 1950. Este empreendimento envolveu até mesmo contrabando de aparelhos receptores, já que a transmissão iria iniciar no Brasil sem ninguém ter aparelhos em casa para assistir.

Diga-se de passagem, a Rádio Tupi carioca nunca deixou se abalar pela crise que atingiu parte do Condomínio Diários Associados, deixado como herança pelo empresário nordestino. A emissora manteve-se no topo da audiência fluminense, assumindo nos últimos anos o primeiro lugar em audiência e faturamento em seu segmento, principalmente com a súbita desistência da única concorrente fluminense neste nicho, a Rádio Globo.

Ao contrário da televisão, o horário nobre do rádio brasileiro é o matutino. É justamente essa faixa horária (6 h às 15 h) da Tupi que passa a ser retransmitida também pela TV Max Rio (canais 25 e 525 da Claro-Net), incluindo o “Programa Clovis Monteiro” e o tradicionalíssimo “Debate” das 11 h – nos últimos anos comandado pelo centrado Francisco Barbosa.

Dentro deste pacote, destacamos algumas coincidências: o vibrante “Show do Antônio Carlos” – que começou como produtor da TV Tupi carioca; e o policial “Patrulha da Cidade” – atualmente comandado por Mário Belisário e equipe, que está no ar há 61 anos e já teve a versão televisiva pela extinta TV Tupi. E ainda tem a grande estrela do rádio carioca e que migrou da TV (a grade transmitida em cadeia encerra com ela): Cidinha Campos, veterana que começou no icônico humorístico “Família Trapo”, na TV Record – com Jô Soares e Ronald Golias. Depois, foi da dramaturgia para a apresentação, começando como assistente de Hebe Camargo. Ela ainda mantém o mérito de ter sido a primeira correspondente internacional da Globo, com a estreia do “Fantástico”. Cidinha também estava no apagar das luzes da TV Tupi, onde apresentou, no final dos anos 1970, um programa transmitido da sede carioca, montada no prédio do Cassino da Urca.

O grande entrave na volta da “Tupi na TV”, que até atrasou um pouco a estreia do projeto, por questões jurídicas, foi ter que deixar de fora de sua telinha uma de suas principais estrelas atuais, a âncora entre 10 h e 11 h, Isabele Benito. Isso porque ela também é a apresentadora do jornal local de meio-dia do SBT Rio. A direção das Associadas tentou até o final negociar com os executivos da filial carioca de Silvio Santos, mas não conseguiu até agora convencê-los de que não haveria concorrência e conflitos entre os dois meios. A solução foi criar um produto provisório somente para ocupar a janela aberta na grade da TV Max, intitulado “Radar Tupi” com giro dos repórteres radiofônicos comandado por Bruno Cantarelli, Bárbara Mello e Amanda Ribeiro. Embora o produto tenha surpreendido ao se mostrar o mais televisivo dos programas radiofônicos transmitidos nessa cadeia Tupi/Max, a expectativa é de que consigam ainda reverter a situação de Benito ou ainda a possibilidade de preencher essa lacuna deslocando Cidinha Campos, que além de experiência nas duas mídias, retornaria ao nobre horário matutino no qual foi líder de audiência pela própria Rádio Tupi.

Como todas estreias, muitas adaptações e ajustes precisarão ser realizados: a curtíssimo, curto, médio e longo prazos. Nada que os dedicados e incansáveis executivos (com os quais já trabalhei) já não devam estar providenciando – Marcos de Giacomo (diretor-artístico da Tupi), Márcia Pinho (gerente de jornalismo) e Jorge Dubonet (diretor da TV Max), além do presidente da emissora associada, Josemar Gimenez.

Algumas observações…

Convergência não é apenas instalar câmeras, como sempre ressalto. Isso, qualquer serviço de segurança patrimonial já faz em ambientes externos e internos. Para que a mensagem consiga fluir midiaticamente com coerência através das câmeras, demanda-se alguns cuidados na adaptação do conteúdo para multimídia e na adequação técnica e padronização para a (re)transmissão Rádio + TV:

– Criação de protocolo para cortes de imagens e passagens para os breaks comerciais;
– Inclusão de imagem do estúdio auxiliar, onde são feitos os noticiários que interrompem a programação;
– Criação de vinhetas exclusivas para a TV, de forma a preencher os intervalos e tempo de espera em que não estiver em cadeia com a rádio;
– Inserção de caracteres informativos nas imagens;
– Inclusão de fotos ou ilustrações para cobrirem os longos conteúdos em off.

Mais…

– Inserção de mais câmeras no estúdio para compensar os enquadramentos em um único cenário – o que daria mais dinâmica à transmissão televisiva;
– Sincronização do telão instalado no cenário;
– Inserção de imagens para cada merchandising falado;
– Inclusão de fotos dos repórteres (selos com rostos ou imagens básicas segurando os microfones), assim como ilustrações dos temas em que estarão tratando em externa ou da Redação;
– Criação de uma programação visual mais representativa da identidade do projeto.

Em reportagem no site da própria Tupi, Dubonet justifica a importância do projeto: “Falamos sobre uma tendência de mercado que é a convergência das mídias. Daí nasceu ‘Tupi na TV’, e a TV é a Max. Levar o reality do veículo rádio para a TV sem perder a essência e mostrar a magia desse veículo que atravessa décadas de muito sucesso”, declara o gestor.

Lembrando ainda, que foi essa emissora “chateaubriânica” quem levou o AM para o FM no mercado do Rio de Janeiro, nos anos 2000, e passou a transmitir nessa cadeia de frequência, estimulando as concorrentes a fazer o mesmo como a Globo e a CBN.

TV Jovem Pan

Assim como a carioca Tupi, a paulistana Jovem Pan já vem fazendo, nos últimos 3 anos, um intenso trabalho de casa para retornar o seu conteúdo aos holofotes e câmeras. São reformas constantes e adaptações em seus espaços, testes de cenários televisivos e iluminação, nos velhos estúdios radiofônicos da Avenida Paulista.

Esses ensaios e experiências audiovisuais estão sendo realizados através de outras plataformas, como a de streaming “Panflix”, transmissões por satélite em canais corporativos no Youtube e outras mídias sociais.

Na busca por esse caminho correm até mesmo riscos de errar na mão, alterando características marcantes de conteúdo e substituição de alguns funcionários considerados com perfil muito radiofônico.

Igual à pioneira de Chateaubriand, a “Jovem Pan na TV” não será uma estreia, mas um retorno às raízes. Não resta a menor dúvida de que é um ícone do radiojornalismo paulista. Apesar disso, a Pan funciona no inconsciente familiar como espécie de “prêmio de consolação”. Numa espécie de partilha patrimonial, o grupo do Tuta ficou com a então Rádio Panamericana, o que parece ser uma insatisfação latente que perpassa por pelo menos 3 gerações. A velha AM que se especializou em esporte e notícias, na verdade surgiu pela divisão dos bens da família Machado de Carvalho, proprietária da velha TV Record que, depois foi parcialmente vendida ao comunicador Silvio Santos e, posteriormente, repassada ao pastor Edir Madedo.

O atual presidente da JP, Antônio Augusto Amaral de Carvalho Filho, o Tutinha, recentemente reproduziu essa insatisfação familiar. “A nossa história é ligada com televisão. Meu avô era o dono da Record e perdeu a televisão. Nem sei como uma pessoa perde uma TV. Aí meu pai comprou a Jovem Pan dos irmãos, mas meu pai é um homem de televisão”, relatou recentemente.

O retorno à mídia televisiva quase arruinou Antônio Augusto Amaral de Carvalho, o “seu” Tuta, pai de Tutinha. Na década de 1990, ele montou a TV Jovem Pan com o que tinha de mais moderno no mercado mundial. No entanto, foi uma sociedade frustrada com os empresários Fernando Viera de Mello e João Carlos di Genio – dono do grupo educacional Objetivo. Erros e divergências impediram o negócio de deslanchar, o que quase resultou na falência dos Tutas, chegando a gerar uma CPI.

Nesses últimos meses, não têm sido raras as tentativas de negociação da JP com emissoras de TV. A última cartada chegou a ser anunciada, mas não vingou pela oferta financeira maior de uma igreja eletrônica. Parecia tudo certo para a aquisição da “TV Loading”, que tinha substituído a velha MTV da Editora Abril, mas que fechou as portas diante da súbita desistência do patrocinador master, a cadeia de Lojas Kalunga. Porém, parece que a garantia dos dízimos falou mais alto.

Contudo, pelo histórico familiar dos Tutas, fica nítido de que não se darão por vencidos. Continuam em negociações com a paulista Gazeta e a curitibana CNT e as Rede Brasil e NGT. Há ainda uma proposta paralela de intercâmbio com o braço brasileiro do Canal History para retransmissão da parte matutina da grade. E caso não avance com o estrangeiro, há ainda uma carta da manga – a possibilidade de acertar com a “ComBrasil TV”, que trabalha num processo administrativo muito semelhante com a TV Max, que já fechou com a Tupi carioca.

Rádio Nacional

A estatal EBC (Empresa Brasil de Comunicação) também se apoia na força das ondas radiofônicas para tentar alavancar sua audiência das manhãs na TV. No processo transmídia, passou a fluir em cadeia com a TV Brasil (extinta rede capitaneada pela TVE carioca) o seu principal radiojornal: o “Repórter Nacional”. Mesmo com algumas adaptações no título, é transmitido tradicionalmente às 7:30 h pela cadeia de rádios públicas, desde os tempos icônicos da Rádio Nacional carioca.

CNN Brasil

Meses depois de estrear com investimento milionário, a franquia brasileira da all News TV CNN anunciou o arrendamento de parte da programação da Rede Transamérica de Rádio para implantação do seu braço radiofônico. Ao contrário dos projetos da Tupi, da Jovem Pan e da EBC, a proposta não era reproduzir em cadeia Rádio + TV, mas apenas alguns momentos, mantendo parte significativa da grade diferenciada, respeitando a dinâmica e as características distintas entre esses dois meios. No entanto, o processo de produção envolve uma completa dependência sinérgica com o material humano, o que pode ter prejudicado um pouco a diferenciação das identidades.

A grande expectativa era que a Rádio CNN traria de volta os dois maiores ícones contemporâneos do News radiofônico carioca e paulista, mas que, por ironia do mercado, estavam afastados do dial: Sidney Rezende e Roberto Nonato, ocupando com parcerias o horário nobre da manhã (6 h às 12 h). Depois, no final da tarde, a CNN Rádio volta em cadeia com a TV com um jornal comandado pelo ex-global Márcio Gomes.

Alguns fatores estão atravancando o deslanche do projeto de radiofonia, como a falta de uma equipe de retaguarda exclusiva e mais experiente no meio rádio, o investimento em janelas com conteúdos locais de serviços (principal vocação deste meio) e mais espaço para entrevistas feitas por esses dois “radialistas”. São craques nisso!

São medidas simples, de baixo custo e básicas, mas que fazem a diferença e vão servir de suporte para alavancar o inegável potencial dessas duas estrelas. Porém, esse quadro que já parecia estagnado, pode ser revertido. O grupo que controla a CNN Brasil adquiriu a rede de rádio mineira Itatiaia (fundada em 1952), a mais tradicional emissora local, com programação voltada para o jornalismo e o esporte. Dependendo de como for feita essa incorporação da Itatiaia ao conglomerado, pode-se conseguir justamente o que vem fazendo falta ao projeto: expertise de saber mesclar o nacional com o conteúdo local, a incorporação da experiente mão de obra específica radiofônica e a implantação de ritmo, agilidade e conteúdo característicos do meio rádio.

Longo caminho

Se chegamos a esse momento, não podemos esquecer das experiências anteriores que ajudaram a pavimentar esses novos projetos. A Bandnews foi um das primeiras a abordar o processo sinérgico humano-conteúdo-mídia, já em sua estreia em rede nacional de FM.

Estive na equipe de implantação da filial carioca. Lembro-me de ter sido o primeiro repórter a entrar ao vivo com o saudoso e, então estreante em rádio, Ricardo Boechat, ainda restrito à transmissão local.

Nesse mesmo dia, voltando de uma reportagem de rua, para a sede em Botafogo, fui solicitado a gravar um áudio para a matriz da TV em São Paulo. Depois, saí do grupo para uma outra experiência profissional na implantação da edição em português do Jornal Le Monde. Fui reconvidado por Rodolfo Schneider para retornar ao Grupo Band, um ano depois, para ser chefe de reportagem. E verifiquei que aquela experiência sinérgica que tinha estranhado no passado já tinha virado rotina na empresa.

Entretanto, justiça seja feita… No final dos anos 1990, a própria matriz do grupo, a Rádio Bandeirantes paulista, já abastecia com seus repórteres e conteúdo um canal auxiliar TV de notícias na capital paulista. Era intitulado “Canal 21”. Certamente esse balão de ensaio inspirou o know how sinérgico da atual Band. E foi experimentado pelo então diretor executivo Alberto Luchetti Netto, que anos depois implantou a primeira TV Web do Brasil, a “All TV”.

Luiz André Ferreira é jornalista e professor universitário. Mestre em Bens Culturais e em Projetos Socioambientais. Pioneiro, em 2002, com o lançamento da coluna “Responsabilidade.com” sobre ética e sustentabilidade no jornal Le Monde. Tem passagens pela Reuters e grupos Folha, Estadão, Globo, Bandeirantes e Jornal do Brasil.