Sobre o Coringa e sobre desespero. Por Ana Cristina Guedes.

Sou mais uma dentre tantos milhões de pessoas que assistiram ao filme ‘O Coringa’. Pois bem! Acho que demorei para ver, porém, não consegui me esquivar das críticas especializadas e, claro, das não especializadas também. Essas, em tempos de redes sociais, são mesmo inevitáveis. Tem tanto ‘especialista’ em Cinema mundo afora que, confesso, não dá para ignorar. Mas elas me empolgam mais que as primeiras. E por uma questão simples: também sou espectadora comum e debater sobre as temáticas de filmes é um bom estímulo à reflexão e ao entendimento sobre assuntos urgentes na sociedade. E sobre isso, falo com conhecimento de causa porque, embora pouca gente saiba, eu já passeei pelo mundo da sétima arte.

Um parêntese para falar sobre isso. Ainda nos tempos de estudante de Jornalismo, eu participei do Projeto Cinema BR em Movimento, um projeto nacional, patrocinado pela BR Distribuidora que tinha, por objetivo, estimular o aumento de salas de cinema brasileiro. Tenho orgulho disso! Fiz parte de um seleto grupo de estudantes do país inteiro (cada estado tinha um representante) que divulgava o cinema nacional na categoria ‘circuito universitário’ (havia também o ‘circuito comunitário’), cuja proposta era apresentar produções nacionais no ambiente acadêmico e debater com convidados a temática principal do filme. Era muito bom! E deu certo. Acho que o sucesso do cinema nacional tem um pouco da atuação desse projeto país afora e foi exatamente a partir dele que passei a frequentar cinemas com outros olhos, outros ouvidos, outra cabeça, outra sensação. Sempre vejo filmes por diversão, mas com um olhar muito apurado sobre a mensagem que passam, independentemente do gênero. Ou seja, para mim, cinema é para divertir e fazer pensar.

Enfim, a introdução acima é só para dizer que ‘O Coringa’ provoca várias reflexões, e cada uma delas tem muito da realidade de cada público ou pessoa, particularmente falando, que assiste.

Aqui, outro parêntese: E como é interessante observar a evolução desse personagem que fez parte da infância de muita gente como eu. Dá um pouco de nostalgia, um sentimento que só quem conhece as outras versões vai entender.

Voltando… uma das coisas interessantes de se observar em produções de tamanha repercussão como essa é o público que te faz companhia no dia. Eu achei que, depois de ler tantas críticas e comentários sobre o filme, não me surpreenderia muito ao assistir. Bobagem! Obras como essa, livres, são sempre uma caixinha de surpresas e a minha surpresa foi o público que me fez companhia, mais especificamente, os que estavam do meu lado e que eu podia perceber o comportamento.

Teve gente que cochilou, outros que saíram no meio do filme, outros riam e riam compulsivamente! De verdade! E teve momentos que a plateia, de um modo geral, riu junto. Não estou dizendo que o filme não teve momentos engraçados. Teve sim, mas não para tanto. O filme é, acima de tudo, desesperador, é mórbido. Mas vá entender a mente humana… Aqui me remeto à música do Barão Vermelho ‘Amor para recomeçar’, que tem um trecho que diz: ‘… que você descubra que rir é bom, mas que rir de tudo é desespero’. Só pensava nisso enquanto assistia. E chegamos ao ponto que eu queria abordar. O riso do Coringa – que é patológico (não resisti ao spoiler) – é desesperador. É doente, literalmente! E para que não haja dúvidas sobre o que eu quero dizer, vamos ao dicionário:

Desespero: substantivo masculino:
1. estado de profundo desânimo de uma pessoa que se sente incapaz de qualquer ação; desalento.
2. estado de consciência que julga uma situação sem saída; desesperança.
3. estado de desânimo, de sofrimento a que se sujeita uma pessoa devido a um excesso de dificuldades e de aflições; aflição, angústia, exasperação.

O ‘estado’ do Coringa é tudo isso e muito mais. E nem vou entrar no mérito do que o leva a atitudes desesperadoras, porque o filme, por si só, já induz à resposta que, até pode explicar, mas que não justifica. Porém, voltando ao início da minha introdução, o filme faz a gente refletir, sem dúvida! E refletir, pensar, sentir, colocar-se no lugar do outro, nos dias de hoje, já é um bom começo para entender e sobreviver com lucidez à realidade – e ao circo – que vivemos.

P. S.: Só para dizer que não falei do ator Joaquim Phoenix. Quem ainda não assistiu a ‘O Coringa’, assista a outros filmes dele. #ficaadica!

Ana Cristina Guedes é jornalista, especialista em Comunicação Institucional e Comunicação Política, e Mestre em Comunicação pela Universidade de Valladolid, Espanha.